Percival Maricato
Percival Maricato é sócio do Maricato Advogados e membro da Coordenação do PNBE – Pensamento Nacional das Bases Empresariais
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Massacres de presos: quem paga essa conta?, por Percival Maricato

Massacres de presos: quem paga essa conta?

por Percival Maricato

O número de presos em países em que o capitalismo se desenvolve sem os contrapesos de um estado de bem estar social, especialmente quanto a questão de saúde., educação e cidadania, já por si só revela uma anomalia, algo está errado. Afinal, o crescimento da produção, da distribuição de renda e o crescimento do consumo, deveriam conter a criminalidade. No entanto, a aumentam. E como.

Nos EUA já são quase 2.4 milhões. Certo que a maioria é composta de negros. Há um negro preso para cada 21 residentes no país, e um branco para cada 131 na mesma condição. Mesmo que a estatística só levasse em conta os brancos, é difícil encontrar explicações, sendo o país tão rico. A paupérrima índia tem, proporcionalmente, muitíssimo menos presos, mesmo que se considere apenas os detentos brancos dos EUA.  Quanto ao total de presos no mundo, é de aproximadamente 10,2 milhões de pessoas, o que significa que os EUA tem quase ¼ deles, apesar de ter aproximadamente 1/20 da população mundial.

O Brasil está em quarto lugar, com 622 mil presos, atrás da China e Rússia em números totais, mas em segundo se formos considerar proporcionalmente a população. Cerca de 40% deles estão sob prisões provisórias, mas outro número não menos expressivo tem prisão decretada ou estão condenados e foragidos. O número de crimes e criminosos continua a crescer em número muito maior do que o crescimento da população. A despesa com presos é outra distorção: algo como R$ 1.450,00 em São Paulo e mais de R$ 5.800,00 no Amazonas, onde houve privatização para reduzir custos e aumentar a segurança.

Nos últimos anos o país passou por significativo crescimento econômico e distribuição de renda. Não obstante, o número de crimes e presos continuou crescendo e a população encarcerada posta sob as piores condições de vida imagináveis. Mesmo um animal pode perder o controle, se jogado em meio a outros, em poucos metros quadrados, sem condições de higiene, alimentação minimamente decentes, segurança com relação a integridade e até a vida. Imagine-se apenas como é vida de quatro presos dentro de dez metros quadrados, a temperaturas maiores que 40º e onde as tensões e conflitos são naturais. Muitos evitam dormir à noite, pois é o momento em que o inimigo poderá atacar. Uma dor de dente só será tratada após meses de fila. O mais fraco, podemos incluir os presos por não conseguirem pagara pensão alimentícia, porte de arma, embriagues ao volante, tem que se entregar aos poderosos. Se alguém ganha algo da família tem que entregar ao “chefe da cela”. Os ataques sexuais acontecem a todo momento. Tudo isso é sabido, mas nem a sociedade e nem os governos demonstraram sensibilidade suficiente para agir e mudar a situação.  Sabem os políticos que construir presídios, tanto como esgotos, não dá voto. Melhor um túnel ou viaduto.

Os massacres em prisões superlotadas, sejam eles perpetrados por policiais chamados  para intervir ou por outros presos não são, pois, acidentes, mas fatos previsíveis e inevitáveis. As reações, como a de um desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo dizendo que a polícia atirou em legítima defesa no caso do Carandiru ou de pessoas que se dizem satisfeitas com massacres de presos contra presos, é apenas mais sinais de quão doentia está a sociedade. Equivale a entregar a polícia ou às facções o direito de decidir quem pode viver ou deve morrer. O Estado renuncia a prerrogativa da jurisdição, diminui-se mais ainda. A imagem do país no exterior resvala para a de barbárie, afastando-o da comunidade de nações mais civilizadas, reduzindo investimentos, o número de turistas etc.

Tanto como nos EUA, no Brasil a imensa maioria dos presos são negros (67%). O fato decorre desses países nunca terem feito intervenções mais sérias no sentido de integrar o negro, após a abolição da escravatura. A maioria vive marginalizada e tem menos oportunidades na educação, emprego etc. E uma ou outra medida eventual, como a previsão de quotas  para eles no Brasil, ou de assistência por um sistema público de saúde nos EUA, ainda sofrem intensa oposição de parte da população branca. As ineficiências do Judiciário e do Estado em geral, a podridão da atividade política, a conduta preconceituosa da mídia e de outros formadores de opinião, a impunidade, a fragilidade cada vez maior da religião e valores éticos, a volúpia do consumismo e outros fatores contribuem para o crescimento da criminalidade.

O criminoso ou preso ocasional, quando chega ao presídio, se tinha alguma possibilidade de se recuperar, perde-a de vez. Tem que se integrar a alguma das facções, servir a ela, aprofundar-se no crime. Um ou outro trabalho de tentativa de ressocialização é gota no oceano, truncada pela corrupção interna, onde celas, celulares, sexo, até armas são negociados.

A responsabilização do contribuinte

O fato dos cidadãos não se sensibilizarem e não darem importância ao drama  das prisões, dos presos e de suas famílias, não os isenta de todos os prejuízos supra referidos, inclusive uma sociedade cada vez mais violenta, muito menos de imensos prejuízos financeiros a curto prazo. As famílias dos massacrados tem direito a indenização, pois a responsabilidade do Estado é objetiva, eles estavam sob guarda do poder público. Essa responsabilidade chega a ser subjetiva quando fica claro que seus parentes  foram vítimas de ataques por falta de serviço do poder público, têm todo direito a indenização por danos materiais e morais. A decisão do Carandiru em ação penal é o tal ponto fora da curva, mas dificilmente resistirá nas ações cíveis de indenização.

O poder público, por sua vez, poderia denunciar à lide os responsáveis pelos massacres (policiais, administradores, governantes, empresas terceirizadas, presos que estimulam ou praticam essas ações) para ressarcirem os cofres públicos.  Mas nunca o faz.

Portanto, a conta relativa ao prejuízo do ocorrido, também financeiro, independente se o cidadão gostou ou ficou horrorizado, acabará mesmo sendo paga por todos.

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Percival Maricato é sócio do Maricato Advogados e membro da Coordenação do PNBE – Pensamento Nacional das Bases Empresariais

1 Comentário

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  1. Temer…
    Quer dizer que a organização criminosa que no passado fez acordo com o partido político que DEU o golpe neste país está matando geral nos presídios.

    A transição para Cármen Lúcia será natural. Sabe porque?

    Porque o lado ideológico que sofreu o golpe vai pedir.

    Nunca foi tão fácil…

    São tão otarios que chegam a pensar o absurdo de que O Exército ameaça intervir. …Para dar o golpe em quem já sofreu o golpe.

    Vai ser idiota assim na pq te p!

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