Relembre: Xadrez de Temer, o Rei de Ouro e a Libra

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Publicado em 07/06/2016

Cai o rei de paus, cai o rei de copas, cai o rei de espada, falta o rei de ouro.

Com a travessia de mais um rubicão – o pedido de prisão de José Sarney, Renan Calheiros, Romero Jucá e Eduardo Cunha, os inquéritos contra Aécio Neves – falta apenas o rei de ouro: o interino Michel Temer, e algumas peças acessórias do PSDB. E aí se chega ao rei de ouro.

Não haverá como o interino Temer se livrar, pois, ao contrário de José Serra – que sempre operou através dos fundos de investimento de sua filha – Temer deixou rastros por toda a sua carreira.

O primeiro rastro é o crescimento vertiginoso do seu patrimônio especialmente nos últimos dez anos, de alguém que, no período,  exerceu apenas a carreira política. O segundo, suas ligações com o porto de Santos, especialmente com a Libra Terminais.

Em Santos, quando se menciona a Libra, o bordão é antigo: Libra é Temer.

Os inquéritos arquivados

O caso do agora presidente interino Michel Temer com o grupo Libra e as obras do Porto de Santos data de, pelo menos, 14 anos atrás. Somente em 2016, entrou um novo personagem, estreitamente ligado a Temer: Eduardo Cunha.

Entre esses dois momentos, ao longo de dez anos, houve dois inquérito arquivados.

A primeira investigação ocorreu em 2002, em um processo administrativo preliminar, que apontava a suspeita da participação de Temer em esquema de cobrança de propina de empresas detentoras de contratos no porto de Santos, no Estado de São Paulo. À época, o então procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, determinou o arquivamento por considerar que não havia provas suficientes.

Passados quatro anos, a Polícia Federal encontrou novos indícios e voltou a investigar Temer, então deputado federal pelo PMDB. A PF instaurou um inquérito em 2006, indicando-o como possível beneficiário de pagamento de propinas.

O inquérito levou quatro anos para chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF), apenas em fevereiro de 2006. Antes nas mãos da Procuradoria da República em Santos, a então procuradora que comandava o caso, Juliana Mendes Daun, afirmou que “Temer figura efetivamente como investigado nesta apuração”. 

Por esse motivo, encaminhou o caso à Suprema Corte no dia 15 de setembro de 2010, em plena campanha eleitoral, já como vice da presidente Dilma Rousseff. O delegado responsável pelas investigações, Cassio Nogueira, queixou-se da demora para o caso ser enviado ao STF, o que teria atrasado toda o processo e impossibilitando o seu aprofundamento.

“Após quatro anos, muito pouco avançou a apuração naquilo que se poderia chamar aprofundamento das investigações, até porque as pessoas citadas na denúncia como envolvidas não foram nem sequer inquiridas”, escreveu o delegado à então procuradora responsável.

Em reportagem publicada em abril de 2011, a Folha de S. Paulo também aponta que houve uma “tramitação arrastada” e “manobras dos advogados dos envolvidos”.

Mas após, por fim, chegar ao STF, contudo, a equipe de procuradoria era outra – sob o comando do então procurador-geral Roberto Gurgel. Gurgel solicitou o arquivamento da investigação de mais de oito anos por considerar, assim como o seu antecessor, que não havia fatos novos contra Michel Temer e que ele deveria ser excluído do processo.

Com a manifestação de Gurgel, o ministro que detinha a relatoria do caso, Marco Aurélio, determinou a exclusão do nome de Temer do processo, ordenando o seu arquivamento e remetendo os autos referentes a quem não tinha foro privilegiado à Justiça Federal em Santos.

O misterioso MT, beneficiário da propina

 Por outro lado, a investigação feita até então da Polícia Federal reunia indícios de que empresas distribuíram propinas para vencer concorrências para a exploração de áreas do porto de Santos, administrado pela Companhia de Docas do Estado de São Paulo (Codesp). A exemplo do que foi revelado com a Operação Lava Jato, no caso dessas obras, a influência política era de Temer e de seu partido, o PMDB.

O presidente da Codesp entre 1995 e 1998, Marcelo de Azeredo, foi indicado pela sigla e, posteriormente, tornou-se o principal investigado do processo. Os dados da investigação tomaram como base planilhas e documentos enviados pela ex-esposa do empresário, Érika Santos, que pediu a dissolução de união estável na Vara da Família em Santos.

As planilhas mostravam que a propina foi entregue a Azeredo, a um terceiro sujeito chamado como “Lima” e a alguém identificado como “MT”. Para a PF e os procuradores, MT seria Michel Temer. Nas negociações, o agora presidente interino, Lima e o PMDB teriam recebido indevidamente R$ 1,28 milhão, o equivalente a 7,5% do contrato da Libra para explorar dois terminais do porto. Apenas o interino teria angariado a metade deste valor.

Paralisado em 2011, apenas no início deste ano foi revelado mais um capítulo da influência do PMDB no Porto de Santos. O presidente afastado da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), atuou para beneficiar a Libra em nova legislação.

Cunha incluiu na Medida Provisória dos Portos uma emenda parlamentar, permitindo que o grupo renovasse contratos de concessão de terminais portuários – sendo que mantinha uma dívida milionária com o governo federal nas obras da Codesp e, por isso, estava impedido de fechar novas contratos. A emenda foi criada por Eduardo Cunha e mantida pelo deputado Edinho Araújo (PMDB-SP), outro aliado de Temer, em seus últimos dias no comando da Secretaria Especial de Portos (SEP).

Ainda na campanha de 2014, o então vice Michel Temer criou uma Pessoa Jurídica apenas para receber doações eleitorais e repassá-las a candidatos a outros cargos públicos, aliados do PMDB, entre deputados estaduais e federais. A conta PJ de Temer recebeu do grupo Libra R$ 1 milhão de dois sócios da empresa que se beneficiou na compra de 100 mil m² no Porto de Santos há mais de 20 anos.

O fato novo

O fato novo foi a pressão do já vice-presidente Michel Temer sobre o Advogado Geral da União, Luiz Adams, visando preparar um decreto para a criação de uma comissão de arbitragem destinada a analisar as dívidas das operadoras de terminais do Porto.

Adams foi alvo de intensa pressão de Temer. Segundo fontes bem situadas, Temer chegava a fazer ligações telefônicas diárias para ele.

Quando o caso apareceu na operação Castelo de Areias, Adams recuou e, na linha de frente, entrou seu vice.

Quando o tempo melhorou, o decreto da arbitragem voltou à cena e foi assinado por Dilma Rousseff. O primeiro caso foi o da Libra, que recebeu perdão de R$ 1,8 bilhão de dívidas passadas.

Uma análise superficial das propostas de Moreira Franco para os portos certamente indicará medidas de interesse direto da Libra.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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