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Pelas flores de setembro, por Maíra Vasconcelos

Pelas flores de setembro, por Maíra Vasconcelos

Hoje sei que todas as flores podem ser renovadas. Sempre depois de aprender a olhar os espantos. Essa aflição em conhecer a doçura em pedaços, em ver as flores cheias de idas e voltas com as luzes, e poder respirar mesmo quando tudo cai à terra. Isso é como ter espírito pronto.

Assistir a doçura se despedir durante o inverno pode ser apenas uma quebradura de alma. A comiseração pela doçura que se esgota, mas que irá ressuscitar. Sempre. A depender da alma e do desejo também. Ontem, tive a ternura diminuída, as brutalidades deste país sovino vieram como em cavalgadas, de uma só vez. Mas logo tudo se reformou, permaneci sentada nesta cadeira a escrever e isso é o suficiente para que toda voz possa se renovar e dizer amores durante o café.

Hoje sei que todas as flores podem ser renovadas. Ontem foi assim. Nem mesmo o susto, vindo da realidade mais estupidamente exposta, fez migrar de meus olhos a leveza. Sempre há quem deixe a doçura ir embora e nunca mais consegue trazê-la de volta, como abrir uma porta a quem diz já conhecer o caminho.  

Vi tantas flores, uma-a-uma na sola dos meus pés, já de luz exauridas. Exibiam o máximo e o mínimo de si mesmas, sem pudores do arregaço que é nascer e morrer. Olhar ciclos de flores em extrema proximidade colorífica.

Mais uma vez, recorro a esta voz-floral, há anos escrita em intervalos imprevistos neste jornal, porque nenhum crescimento acontece sem o olhar sair da terra e ir aos céus – a pele humana precisa da falta de atenção, às vezes.

Com olhos detidos em flores, a cada estação, aquelas que me acompanham também se despedem, depois outras me chovem. De novo, este ciclo. Mais uma vez: um-passo-atrás-do-outro. Voltamos a contar: quantos passos se dá em uma vida? Não devemos parar. Todo movimento é preciosidade, a falta de movimento é o fim. O corpo irá sempre adiante, e até mesmo distraído das misérias ao redor, se escrevo disfarces em voz-floral.

Maira Vasconcelos

Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).

Maira Vasconcelos

Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).

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