Pagu – musa medusa, por Walnice Nogueira Galvão

Pagu fez de tudo um pouco: poesia, prosa, desenho, jornalismo, crítica de arte, tradução, teatro – e assim por diante. Militante política desde cedo, foi ativista em fábricas e entre os estivadores das docas de Santos.

Pagu – musa medusa

por Walnice Nogueira Galvão

Patrícia Galvão (1910-1962), a Pagu dos modernistas, foi parte integrante do Antropofagismo e de muitas lutas. Não participou da Semana de Arte Moderna porque ainda era criança. Tampouco foi, como costumam dizer, a primeira presa política brasileira: outras houve antes dela. Mas nada disso ensombrece seus méritos ou o lustre de sua extraordinária figura.

Pagu fez de tudo um pouco: poesia, prosa, desenho, jornalismo, crítica de arte, tradução, teatro – e assim por diante. Militante política desde cedo, foi ativista em fábricas e entre os estivadores das docas de Santos. Presa várias vezes, acabaria por amargar cinco anos no cárcere, de onde saiu exaurida e quase sem vida.

Seria resgatada por Augusto de Campos dos tempos de ostracismo que se seguiram à sua morte. Inéditos e esparsos têm sido recolhidos aos poucos pelos aficionados,  vindo a constituir um respeitável acervo. O Museu Lasar Segall consagrou-lhe uma exposição e já duas escolas de samba a elegeram como protagonista do samba-enredo.

Agora, o Canal Curta apresenta a série República da Poesia, em 6 episódios de 45 minutos, cada um com sua própria equipe, um episódio para cada poeta.  Afora Pagu, são eles Murilo Mendes, Ferreira Gullar, Antonio Cícero, Ana Cristina César, Solano Trindade – tanto mais instigantes quanto menos aquinhoados pela mídia. O episódio  Pagu – musa medusa, tem roteiro e produção de Yara Amorim, sob direção de Claudia Priscila e Mariana Lacerda.

Em depoimento especial para este filme, Sérgio Mamberti, grande homem de teatro, conta que tinha 14 anos quando conheceu Pagu em Santos, cidade onde ela viveria sua  última fase. Tornaram-se amigos e passaram a trabalhar juntos, ela um modelo de atuação engajada. Fundaria o Teatro Universitário de Santos, o Centro de Estudos  Fernando Pessoa e a Associação dos Jornalistas Profissionais de Santos – entre outras proezas.  Abriu espaço e estimulou gente que vinha do cais do porto, como Plínio Marcos, futuro dramaturgo de primeira linha. Cultíssima e conferindo alto valor à cultura, Mamberti a considera um dos maiores intelectuais brasileiros do século XX.

Outro depoimento decisivo é o de José Celso Martinez Correa, do Teatro Oficina, em recorte de material de arquivo. Ao fim de um de seus grandiosos espetáculos antropofagistas, uma desconhecida impulsiva avança e o envolve num longo abraço de agradecimento. Ele, que ainda não fora apresentado a Pagu, ficou siderado. Desde então, acha que ela lhe transferiu algo, que era uma xamã ou coisa parecida e lhe passou uma virtude ou poder.

O curta traz ainda fotos inéditas, muitas, e cartas manuscritas falando dos filhos, Rudá de Andrade do primeiro casamento e Geraldo Galvão Ferraz, o Kiko, do segundo. Ambos têm trabalhos sobre a mãe: Rudá codirigiu um documentário e Geraldo foi coautor de uma fotobiografia. O episódio não poupa merecidos louvores a Geraldo Ferraz, seu devotado marido até o fim.

Ouvem-se especialistas como Thelma Guedes, autora de Pagu – Literatura e revolução, em que estudao “romance proletário” Parque industrial. Quem mais? Ainda há uma entrevista com o neto, Rudá K. Andrade, filho de Rudá, que fala da vida fora de série da avó.

É este  neto quem acaba de lançar A arte de devorar o mundo – Aventuras gastronômicas de Oswald de Andrade (2021). O avô, um gourmet, apreciava a mesa farta. O livro, trazendo fotos de iguarias e fornecendo receitas, vem acrescentar um aspeto até agora pouco explorado dos modernistas.

Sabe-se que eles prezavam a convivialidade e, afora as residências uns dos outros, frequentavam os salões de seus mecenas, que recebiam em dia marcado. A casa de Paulo Prado à Av. Higienópolis abria-se para o almoço aos domingos. O Pavilhão Moderno, de Olívia Guedes Penteado à rua Duque de Caxias com Conselheiro Nébias, nos jardins de sua casa edificada por Ramos de Azevedo, “tinha seu dia”, como dizia Proust, às terças-feiras. E na rua Domingos de Morais, a Vila Kyrial de Freitas Valle misturava passadistas e modernistas, enquanto promovia conferências e tertúlias.

Em meio aos festejos do Centenário da Semana de Arte Moderna, certamente teremos outras boas surpresas.

Walnice Nogueira Galvão é Professora Emérita da FFLCH-USP

Walnice Nogueira Galvão

1 Comentário

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  1. Bom dia, Walnice, aquele abraço!!!
    Sempre leio seus textos, e fico impressionado por seu ecletismo, você leu os livros do Ludlum, escreve sobre cinema e o escambau, uau!!!
    O tempo passa mas nós continuamos alertas!!!

    Lula para presidente!!!
    Mais um abraço do Zaqueu

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