Por um novo 26 de julho, por Jorge Nahas

Neste 26 de julho haverá novamente comemoração em Cuba. As glórias passadas serão rememoradas e cultuadas, o “bloqueio” será justamente condenado

Fidel e “Che” Guevara durante a entrada triunfal em La Habana, janeiro 1959 fotografados por  Alberto Korda. https://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_Cubana#/media/Ficheiro:CheyFidel.jpg

Por um novo 26 de julho

por Jorge Nahas

Na madrugada do dia 26 de Julho de 1953 um jovem e desconhecido advogado , liderando um grupo de civis mal armados, tentou tomar de assalto o segundo maior quartel de Cuba. A ação fracassou após uma série de incidentes quase cômicos e terminou com o massacre de dezenas dos atacantes e prisão do restante. Não obstante isso, passaria à história com o cinematográfico nome de  “O Assalto ao Quartel Moncada” e foi o primeiro ato de uma epopeia que, pelas décadas seguintes, manteria o seu comandante, Fidel Castro Ruz e a pequena Cuba no proscênio da política internacional.

A Segunda Guerra de Independência de Cuba terminara em 1898 e  fora frustrada pela intervenção do emergente império norte-americano, que somente devolveu o governo do novo país aos patriotas em 1903. Naquele  ano de 1953,  após cinquenta anos de tutela imperial , Cuba era ainda, e cada vez mais, a “pérola das Antilhas” . Era o maior produtor mundial de açúcar, a terra do rum , dos charutos “havana”, dos cassinos e cabarés, da música vibrante.

 O fim dos monopólios coloniais  e a consequente abertura que propiciou o contato com a pujante economia  norte-americana  gerara uma classe média próspera e uma explosão de consumo féerico , que mal disfarçava  uma profunda desigualdade  e um enorme ressentimento causado pelos procedimentos do novo colonialismo, ofensivo aos sentimentos de soberania e orgulho nacionais.

Os sobreviventes do assalto ao Moncada foram a julgamento naquele mesmo ano. Fidel fez sua própria defesa, e estreou ali a retórica espetacular que arrebataria nossos corações pelas décadas seguintes. “Condenadme, no importa, la história me absolverá! ”, bradou ante os juízes. Foi profético: em janeiro de 1959, após uma curta guerra de guerrilhas, Fidel e os barbudos do “Movimento 26 de julho”  ocuparam a bela cidade de La Habana. O dia 26 de julho passa a ser “O Dia da Rebeldia Nacional” e a data oficial de comemoração do aniversário da Revolução Cubana.

Fidel depondo depois do fracasso do Assalto ao Quartel Moncada. Atrás, de pé, o Ten. Sarriá, que se recusou a matá-lo quando de sua prisão. https://pt.wikipedia.org/wiki/Fidel_Castro#/media/Ficheiro:Fidel_Castro_under_arrest_after_the_Moncada_attack.jpg

Aqueles jovens sorridentes e maravilhosamente insensatos arrancaram  Cuba das presas do Império e proclamaram  a sua “segunda, verdadeira e definitiva independência”. Embalados pelo telúrico Fidel Castro –  Cervantes e D. Quixote ao mesmo tempo – teriam combatido somente com a funda de David, se fosse o caso, mas naquele mundo bipolar, hostilizados pelos Estados Unidos, foi quase inevitável o alinhamento incondicional com o então “campo socialista”, que aceitou trocar açúcar por petróleo e armas. Derrotaram uma invasão armada e não recuaram durante a “crise dos mísseis”(1) nem se intimidaram com o impiedoso embargo econômico imposto desde então pelo poderoso vizinho ao norte.

Movidos por um anti-imperialismo e um internacionalismo militantes, os cubanos acolheram, treinaram e armaram revolucionários  de todo o mundo , lutaram ao lado dos argelinos, dos vietnamitas, dos congoleses, o “Che” Guevara se imolou na Bolívia e o exército cubano garantiu a independência de Angola. De olhos postos no impossível , Cuba socialista produziu um radical experimento na economia, expropriando desde modernas usinas açucareiras aos botecos da esquina. Cuba e os cubanos foram para os da minha geração a pátria combatente, antevisão do  futuro luminoso da humanidade redimida,  do “homem novo” , em que seríamos todos como o “Che”, as costelas do Rocinante fazendo cócegas nos nossos calcanhares.

Jornal GGN produzirá documentário sobre esquemas da ultradireita mundial e ameaça eleitoral. Saiba aqui como apoiar

Em 25 de dezembro de 1991 a bandeira soviética foi baixada  para sempre  do topo do Kremlin e aquele mundo – o mundo da Guerra Fria –  ruiu, tirando o chão da Revolução Cubana.  Não faltaram valentia e disposição ao povo cubano para enfrentar mais este desafio, mas faltou o essencial: a utopia. E sem este cimento, as fragilidades e equívocos da sociedade cubana, até então ocultos, ofuscados pelo fulgor da esperança e justificados pela aspereza da luta , vieram à tona com força avassaladora e não podem mais se explicados pelo “bloqueio”, por cruel e absurdo que este seja.

Os cubanos não estão mais numa trincheira avançada: a guerra, pelo menos aquela guerra, acabou. A ineficiência da economia totalmente  estatizada e a esterilização da vida cultural e política ditadas  pelo partido único não podem mais ser justificados por ela. Atualmente já 15% dos cubanos vivem no exterior e a juventude cubana não tem mais esperanças. E como disse a respeito Leonardo Padura, um dos seus mais potentes escritores, a esperança não se recupera pela força.

Neste 26 de julho haverá novamente comemoração em Cuba. As glórias passadas serão rememoradas e cultuadas, o “bloqueio” será justamente condenado, o herdeiro do “Comandante” dará o informe dos triunfos produtivos, as imagens do Che e de Fidel tremularão mais uma vez na Praça da Revolução.   Mas  salvo alguma improvável e boa surpresa, não será mais o Dia da Rebeldia Nacional : tudo terá um insuportável ranço de passado e de opressão. Não se falará dos 381 condenados a penas absurdas pela participação nos “distúrbios”  de julho de 2021, nem dos jovens rappers do Movimento San Isidro, esperando julgamento presos, nem dos 125.000 cubanos que tentaram entrar ilegalmente nos EUA  entre outubro de 2021 e abril de 2022.

A Revolução Cubana, a nossa Revolução Cubana, aquela que inundou nossas vidas com a fé no socialismo e no futuro da humanidade , ainda conta com capital político e energia para evitar um retrocesso brutal que  sepulte o legado revolucionário no opróbio. Terá que livrar-se da burocracia acomodada e indolente do partido único, superar o estatismo sufocante , estender uma mão amiga para a emigração e enfrentar o bloqueio imperial unida e de cara limpa. Apenas isso. Não pareceria exagerado  para aqueles jovens mal armados, que na madrugada do dia 26 de julho de 1953, liderados por um advogado quase desconhecido, tentaram tomar de assalto o Quartel Moncada.

(1) Em 1962 os EEUU impediram a instalação de mísseis soviéticos em Cuba, no mais sério incidente da Guerra Fria. A guerra nuclear somente foi evitada pelo recuo da URSS, considerado humilhante pelos cubanos.

Jorge Nahas, 76 anos, é médico, graduado em Cuba, onde esteve exilado de 1970 a 1979. Regressou ao Brasil em 1979 por ocasião da Anistia.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

Redação

3 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Superar o rstatismo e desbancar os militares que se associaram ao capital internacional, inclusive brasileiro, este na indústria do tabaco. O modelo Pazuello por lá não é novidade! Abaixo a Ditadura Cubana! Abaixo o bloqueio americano! Viva a Revolução!

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador