Maira Vasconcelos
Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).
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A consolidação da Ley de Medios

Por Maíra Vasconcelos, especial para o blog

“Lei de Mídias” caminha tímida, após três anos de sua aprovação

Lei argentina é a mais avançada na América Latina, para consolidação de direitos à comunicação

Vontade política, alinhamento dos interesses e projetos entre governo e oposição e o acatamento das medidas dispostas para desconcentração de mercado por parte dos grupos midiáticos. São esses os três elementos cruciais para consolidar na prática a “Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual” argentina, comumente chamada de “Lei de Mídias”. As eleições presidenciais em 2015, com a possibilidade de re-reeleição de Cristina Fernández, são um fator–chave que pode culminar com o seguimento da aplicação da lei ou seu embarque ao freezer.

O parecer é do professor e investigador, especialista em mídias e políticas de comunicação, doutor em Ciências da Informação pela Universidade Autônoma de Barcelona, Martín Becerra. “Até agora, pouco foi feito. Temos uma situação onde não parece ter muito compromisso, muita colaboração dos distintos atores políticos e empresariais para aplicação da lei”.

De acordo com Becerra, conforme dita a lei, para que o governo possa disponibilizar as licenças para as organizações sem fins lucrativos é necessário traçar um plano técnico, como uma espécie de mapa que determina as freqüências de rádio e televisão que estão ou não disponíveis em todo o país.

“Passados três anos, não temos um plano técnico. Com isso você sabe, por exemplo, na cidade de Tucumán quantas licenças de FM estão disponíveis? Quantas estão ocupadas? Das que estão ocupadas, quantas têm a documentação em dia e se são grupos que têm que “desinvestir”. Todo esse processo de planificação o Estado deveria ter feito, há três anos, e até outubro de 2012, não o fez”, explicou Becerra.

A três anos da aprovação da “Lei de Mídias”, as intervenções governamentais resultaram em outorgar licenças para rádio e televisão e realizar concursos que estimulam a produção audiovisual, por meio do Instituto Nacional de Cinema e Artes Audiovisuais (INCAA). Também, na última terça-feira, foi constituída no Congresso a comissão bicameral que acompanhará a aplicação e o andamento da lei.

“Foram outorgadas algumas licenças, mas poucas, de baixa potência para rádio, e outras licenças de televisão para universidades públicas, no interior do país. No entanto, conceder licença não significa que estejam operando, têm apenas a permissão para emitir”, afirmou.

Ele destaca que os concursos realizados pelo INCAA são como um complemento ao processo de estabelecimento da lei, mas não exatamente fruto da mesma. “Os mesmos concursos poderiam ter sido feitos com a velha lei também. Está bem que o faça, mas não é um resultado direto da lei”.

Para o professor e investigador argentino, falta vontade política por parte do governo para conduzir a lei na prática. Além de ser fundamental a colaboração da oposição ao governo, “que até agora têm sido reativa. Também os grupos midiáticos que têm posição dominante devem aceitar os processos de desconcentração, o que tampouco tem sucedido”, disse Becerra.

Críticas ao conteúdo da lei

A “Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual” peca por ambiguidade e falta de clareza em artigos como os que versam sobre como os grupos midiáticos concentrados irão transferir ou vender a terceiros seus ativos e quais serão esses ativos. Outra crítica, de acordo com Martín Becerra, é que a lei não está pensada para o contexto atual de convergência entre os meios audiovisuais. 

“É uma lei muito “analógica”. Separa audiovisual e telecomunicações. E no cenário de convergência que vivemos, irá requerer complementos”, pontuou. Também destacou que a “Lei de Mídias” não dispõe sobre o posicionamento e manutenção econômica dos novos meios de comunicação. “Auspicia para que tenha novas emissoras, mas não diz nada sobre como irá sustentar economicamente o surgimento dessas novas emissoras”.

Em que pese as críticas sobre o retardo das ações políticas governamentais em prol do funcionamento integral e também sobre o conteúdo da lei, Becerra destacou que esses pontos são menores frente ao peso democrático que a mesma pode chegar a instaurar na sociedade.

“A “Lei de Mídia” é de uma raridade e reflete a consolidação do direito à comunicação, que não vejo outra lei parecida na América Latina. Todas as críticas, desde o meu ponto de vista, vão ao encontro de que a lei está muito bem e que necessita aprimorar-se em um futuro. O problema é que não tem sido aplicada”, afirmou.

Um terço das licenças totais disponíveis em território argentino para meios audiovisuais deve ser direcionado e estar em posse do poder público-comunitário. “O piso imposto pela lei, na América Latina, é um piso muito elevado de consolidação de direitos. Veja no caso do Brasil, onde a comunicação comunitária está criminalizada. Aqui, propõem que um terço das licenças… É notável no avanço conjuntural e de direitos”, reconheceu.

A “Lei de Mídias” da Argentina foi considerada pelo relator especial das Nações Unidas para a Liberdade de Opinião e de Expressão, em visita a Buenos Aires, na última segunda-feira, como a mais avançada disposição legal existente na América Latina, que versa sobre a garantia dos direitos à comunicação e democratização do setor, e também um modelo para outras regiões do mundo.

Maira Vasconcelos

Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).

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