A mídia de Schrödinger

Por Tadeu Porto

Do Brasil Debate

Confesso que já subestimei a inteligência da imprensa nacional. Bom, depois de ver boa parte dela ~hagir~ como se não soubesse sequer os nomes dos presidentes de países da América Latina, acabei desdenhando um pouco mesmo. Sei que boa parte dos leitores me entende e peço desculpas aos demais por uma posição tão esnobe. Não se repetirá, prometo!

Até mesmo porque melhorei meu juízo sobre a mídia brasileira nos últimos dias, afinal descobri que ela parece ter aplicado conceitos de física quântica em seu jornalismo, e isso não é para qualquer um!

Em 1935, o físico Erwin Schrödinger criou um exercício mental para demonstrar o paradoxo que era abstrair com elementos cotidianos a teoria referente à mecânica quântica. O experimento consistia em considerar um gato vivo preso dentro de uma caixa fechada e opaca, com um frasco de veneno intacto, um martelo, um recipiente com material radioativo e um detector de radiação.

Com tal configuração, haveria duas possibilidades: (1) o detector identificar o material radioativo que aciona o martelo, quebra o frasco e libera o veneno matando o gato; ou (2) o detector não identificar o material radioativo, e os demais itens ficam no mesmo estado inicial e o gato continua vivo.

O interessante dessa proposta é que, segundo a física quântica, o gato pode estar vivo ou morto no mesmíssimo instante (considerado estado vivo morto) uma vez que a partícula radioativa subatômica pode assumir as duas posições – detectada ou não – ao mesmo tempo.

Sem a pretensão de querer ser um novo Nobel de física, proponho aqui também um experimento para mostrar o quão dúbio é o comportamento dos nossos grandes meios de comunicação que, assim como partículas subatômicas, podem assumir duas posições diferentes no mesmo instante, numa incrível contradição no tempo e espaço!

O exercício mental consiste em imaginar um esquema qualquer de corrupção. Na investigação do crime, existe um delator numa sala, depondo para uma instituição pública qualquer (um conjunto de legisladores ou policiais, por exemplo). No mesmo recinto tem um repórter da grande mídia que irá publicar certa notícia. As duas possibilidades existentes são: (1) o delator insinua a participação de alguém do PT em algum esquema ilícito; ou (2) o delator insinua uma outra participação, semelhante ou até igual, de alguém que não é do Partido dos Trabalhadores.

Dentro desses dois estados, a mídia conseguiu criar um paradoxo chamado sujeito inocente culpado. Se a pessoa tiver alguma ligação com o PT é automaticamente tratada como culpada pela imprensa. Todavia, com os mesmos sujeitos e na mesma situação, se for um indivíduo de oposição ao governo logo é tratado com a presunção de inocência (como se deve ser, diga-se de passagem).

Vamos a dois exemplos práticos:

Primeiro, o delator Alberto Youssef insinua que o governo sabia dos esquemas de corrupção da Lava Jato. Logo, o “fato” vira capa da revista de maior circulação nacional às vésperas da eleição, com direito a grande divulgação por parte de outros veículos e um jargão exaltando a culpabilidade que perdura até os tempos de hoje. Eis o sujeito culpado.

Agora analisemos o mesmo delator, conversando com a mesma polícia acerca do senador Aécio Neves, oposição ao governo e adversário derrotado ao planalto em 2014. Youssef afirmou que o mineiro dividia uma mesada de aproximadamente 100 mil dólares com outro político. Apesar da informação ter muito mais riqueza de detalhes, diferente da primeira, a mídia se comportou de maneira muito mais cautelosa: nos títulos das matérias não tem mais afirmativa mas sim a palavra “suposto”; a revista que tinha dado capa à outra delação sequer escreveu sobre o ocorrido (confesso que não achei na pesquisa do Google) e o assunto morreu atualmente. Esse é o sujeito inocente.

Então, se houver uma delação de alguém, para uma instituição qualquer, sobre fulano de tal, este estará num estado antagônico inocente culpado até que a mídia descubra se o mesmo é petista ou não.

O segundo exemplo é parecido e ainda mais pontual. Em declarações recentes à CPI da Petrobrás, o mesmo Youssef realizou, entre outras, duas afirmações: que o planalto possivelmente sabia do ocorrido (ele afirmou não ter como provar, e frisou que era apenas uma opinião) e que havia mandado remessas de dinheiro em nome do PMDB com envolvimento do Eduardo Cunha.

Sobre o envolvimento do planalto, novamente as principais mídias deram grande destaque à notícia (que além de antiga é uma suposição), como pode ser visto aquiaquiaquiaqui e aqui (5 mesmo, não perca a conta).

Já sobre a participação do atual presidente da Câmara dos Deputados, que afirma fingir ser governo, a mídia tradicional deu pouquíssimo destaque, com ênfase no jornal mineiro que conseguiu dar um viés positivo à declaração envolvendo o deputado carioca (imaginem uma manchete “Youssef diz à CPI que não pode confirmar envolvimento do governo”).

Vale ressaltar que na proposição do gato de Schrödinger, o observador faz a diferença: uma vez que a caixa é aberta, a posição vivomorto do felino se desfaz e ele aparecerá em apenas um estado. Portanto, da mesma maneira, cabe aos leitores, ouvintes ou telespectadores das mídias tradicionais assumirem a posição de observadores críticos e tentarem enxergar o estado verdadeiro das acusações.

Afinal de contas, se os pitbulls do ódio conseguirem vencer os debates sociais com seus discursos irracionais, a tendência é que eles matem qualquer gato, com caixa e tudo. No fim, não sobrará nem a teoria para análise.

Redação

10 Comentários

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  1. O caso que você analisa pode

    O caso que você analisa pode ser tratado como um tipo de estado da mecânica quântica que se convencionou chamar de estado emaranhado:

    |PSDB>x|inocente> + |PT>x|culpado>

    (x é o produto tensorial; o estado acima ainda precisa ser normalizado).

    Neste espaço de estados há dois números quânticos: o partido (que pode assumir os valores PSDB e PT) e e a sentença (culpado ou inocente). O estado acima é uma superposição de ambos, quer dizer, o nome que vai vazar para a mídia é desconhecido e pode ser tanto do PSDB quanto do PT quando for revelado. Mas já se sabe de antemão que, sendo do PSDB, será inocente, e sendo do PT será culpado.

    Ou seja, a determinação do número quântico “partido” determina também automaticamente o número quântico “sentença”, embora nenhum dos dois números esteja determinado a priori (na liguagem popularizada da mecânica quântica, o nome é simultaneamente do PSDB e do PT, e portanto simultaneamente culpado e inocente). Este tipo de situação é chamado de EPR, em homenagem aos físicos Einstein, Podolsky e Rosen.

     

    1. *

      A priori ex informata conscientia.

       

      Literalmente significa: com a consciência informada, isto é, já com julgamento de antemão formado: Condenar alguém ex informata conscientia.

  2. A principal diferença, é que

    A principal diferença, é que o gato de Schrödinger, usado para representar o princípio de incerteza da mecânica quântica, tinha o estado “vivo-morto”.

    Já a nossa mídia, encontra-se há algum tempo, no estado “morto-vivo”, também conhecido como “zumbi”.

  3. Dá gôssto ler artigos

    Dá gôssto ler artigos inteligentes e comentários idem, como os dos leitores Jorge Luis e João Luis. E a mídia comercial ainda pensa em possuir credibilidade. Hipócritas!

  4. Tadeu 
    Uma coisa é  uma

    Tadeu 

    Uma coisa é  uma coisa.

    Outra coisa é  outra coisa.

    O episódio mencionado carece  de fundamento.

    A denúncia sobre furnas já foi desmascarada. Foi um fazedor de dossier comandado por Fernando Pimentel que forjou isso.

    Só você não  sabe porque não  te convém. SABE NÃO  INOCENTE…….???????

  5. Tadeu 
    Uma coisa é  uma

    Tadeu 

    Uma coisa é  uma coisa.

    Outra coisa é  outra coisa.

    O episódio mencionado carece  de fundamento.

    A denúncia sobre furnas já foi desmascarada. Foi um fazedor de dossier comandado por Fernando Pimentel que forjou isso.

    Só você não  sabe porque não  te convém. SABE NÃO  INOCENTE…….???????

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