O protesto do Rodoanel e o sentido do interesse público
O que não é novidade. Na lista de prioridades das coberturas de TV, congestionamentos ficam em primeiro plano. Colocam depoimentos de motoristas reclamando que perderam a hora para alguma coisa, xingando os “baderneiros”, mas não se escuta devidamente os manifestantes. Eles aparecem na tela para mostrar a causa do “drama” e desaparecem quando já serviram ao seu propósito.
Isso poderia servir de link para, ao longo do dia, em outros telejornais, serem convidados especialistas para discutirem a questão da moradia na cidade – que possui milhares de imóveis vazios, inclusive do poder público, enquanto um exército submora. Mas isso não vai ocorrer. Talvez um coronel da PM será chamado para contar como a corporação pretende evitar novos atos como esse criando um sistema como o do filme Minority Report… Ouvi um oficial da polícia dizendo, dia desses, que era necessário usar da força para coibir essas manifestações que travam o trânsito. Mal sabe ele que, ao fazer isso, só aumenta a revolta e, portanto, o número de protestos que criarão outros transtornos ao restante da cidade.
Não estou defendendo que interditar vias públicas de grande circulação é a forma correta de protestar até porque “forma correta de protestar” é por si só uma contradição. Para algumas pessoas é a saída encontrada para sair da invisibilidade. Ao contrário do que muitos pensam, ninguém faz greve porque quer ver multidões plantadas no aeroporto, chegando atrasadas no emprego ou perdendo o ano letivo, da mesma forma que ninguém protesta pelo prazer de ver outros se descabelarem no carro.
“Ah, mas o congestionamento afetou a vida de mais gente, por isso é a notícia mais importante.” Concordo que, no caso do Rodoanel, devido ao impacto do efeito dominó causado, podia até ser a informação de maior interesse público naquele momento. Mas o conceito de relevância jornalística se perde em justificativas como essa, desumanizando a situação, quando o motivo do protesto nem é devidamente citado.
Os dois fatos são notícia. Pois, afinal de contas, a questão da moradia na maior aglomeração urbana do país não é um caso isolado de meia dúzia de favelados ou sem-tetos e sim um exemplo da forma como os governos municipais, estadual e federal vêm tratando de forma capenga a questão. As demandas das pessoas em Osasco se reproduzem com uma triste frequência pela periferia de São Paulo e outros municípios da região metropolitana. Milhões de pessoas conseguiriam se reconhecer nessas histórias se elas fossem retratadas corretamente pela TV. E reconhecendo-se, encontrariam no outro, distante, um companheiro para mobilização. Caso tivéssemos essa necessária sensação de coletividade e pertencimento, participaríamos realmente da vida da metrópole e das decisões dos seus rumos. Talvez iríamos todos para a rua.
Isso é de interesse público. Mas interessa de verdade?
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