Maira Vasconcelos
Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).
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Como está a aplicação da Ley de Medios na Argentina

Por Maíra Vasconcelos, especial para o blog

Seria excepcional pensar uma lei, que versa sobre qualquer tema de âmbito público e afeta o setor econômico privado, que não tenha adequações a serem feitas. Por outro lado, ademais ingênuo, seria não contar também com o arrastado tempo, após aprovada, até efetiva aplicação – ainda mais se atinge o bolso empresarial. Ambos os aspectos estão presentes na Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual na Argentina, aprovada em 2009.

A Justiça é ferramenta de dois gumes: aprova e desaprova dentro de um mesmo marco. Instrumento utilizado pelo Grupo Clarín, transformou-se em caso-símbolo do desejo de outras empresas midiáticas concentradas, ao conseguir postergar o cumprimento do artigo 161 da “Ley de Medios”. A cláusula é sobre o desinvestimento de parte das licenças televisivas e radiofônicas, determinada em 24 licenças, enquanto o Clarín detém 240.

A trava judicial utilizada pelo grupo é fator deprimente do processo geral de desconcentração do mercado privado audiovisual argentino, ditado pela nova lei. O governo decidiu não aplicar o artigo 161 aos demais grupos midiáticos concentrados – como Vila Manzano, Telefónica, Ángel González, Cadena 13, Cristóbal López, Moneta-Garfunkel – ao interpretar que dessa forma o Clarín poderia ganhar posição de frente em relação às mesmas, já que o grupo continua intocável por medida cautelar. A obrigatoriedade na entrega das licenças deve dar-se ao mesmo tempo para todos os grupos ou para nenhum: é essa a postura do governo.

Dizer novela é clichê, mas já vão alguns capítulos “Claríns”, todos bem acompanhados e defendidos de mãos dadas pelos hermanos: Clarín e a grande mídia brasileira. Leia-se Folha de São Paulo, Estadão, Sistema Globo de Comunicação (jornais, revistas, rádios e TV), Sistema Band, e as produções da Editora Abril.

Ao que resta da lenga-lenga judicial, anda emperrada a execução da “Ley de Médios”, muito além do caso Clarín. Tem-se também a comentada pouca vontade política governamental e da oposição. Apenas há pouco mais de dois meses, foi constituída no Congresso a comissão bicameral que acompanhará aplicação e andamento da lei.

A sociedade civil, no direito de exigir que seja colocada em prática, pede ser disponibilizado maior número de licenças para legalizar o funcionamento de rádios e televisões comunitárias. Três anos após aprovada, o conferido até o momento pela “Ley de Médios” não abarca o mínimo desejável de licenças. 

Vê-se a realidade ao receber panfletos pelas ruas de Buenos Aires, e também ao deparar-se com o twitter de referentes estudiosos e analistas comunicadores sociais, inconformados, por deixadas de lado entidades representativas de rádios e TVs “populares, alternativas e comunitárias”. Assim dizia o volante: “Não existe pluralidade de vozes sem televisões comunitárias”. Também deixa brechas para pensar futuras adequações, quando a nova lei não diz como as empresas audiovisuais sem fins lucrativos irão sustentar-se economicamente, junto a um mercado guiado para e pela rentabilidade.

Ao menos nos bairros portenhos: Congreso, Avellaneda, Villa Soldati, Almagro e Charaita há emissoras comunitárias que clamam por legitimação. Enquanto a instituição católica possui mais de 100 emissoras de rádios em todo o país, sem ter tido que apresentar-se à concorrência para lograr tais espaços públicos. O puro, ainda que não santo privilégio, foi-lhes atribuído desde a Constituição, quando considerado credo oficial da nação argentina. A regalia foi estendida na prática e chegou à antiga lei reguladora do mercado de comunicação audiovisual. O benefício, além de ter sido mantido pela atual “Ley de Medios”, também foi ampliado ao ceder à igreja católica os direitos, com as devidas vantagens, à abertura de canais de televisão.

Maira Vasconcelos

Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).

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