A voz dos invisíveis, por Carlos Motta

 
A voz dos invisíveis
 
por Carlos Motta
 
E lá se vão 35 anos da morte de um dos mais originais artistas populares do Brasil, o inconfundível Adoniran Barbosa, nascido João Rubinato na cidade paulista de Valinhos em 6 de agosto de 1910 e falecido em 23 de novembro de 1982 na capital paulista.
 
Muitos, mas muito mesmo, falaram e dissecaram a obra de Adoniran, ressaltando a revolução linguística de suas letras, que incorporaram, como nenhum outro, a maneira de se expressar do povo, essas pessoas comuns, batalhadoras do dia a dia, heróis anônimos da sobrevivência.
Adoniram, porém, fez mais: ao pôr em evidência em suas músicas o sujeito ordinário, esse ser quase invisível que, na verdade, é o grande protagonista histórico desta sofrida nação, ele acabou revelando todas as mazelas, toda a injustiça e desigualdade que amarram o país no atraso, ignorância e subdesenvolvimento.
 
Quantos Jocas, Charutinhos, Mato Grossos, Arnestos, Manés, Iracemas, Nicolas, Geraldas, quantas Malvinas, quantas tristes margaridas, existem ainda neste Brasil, à espera de uma vida menos sofrida, de uma oportunidade para melhorar o salário ou para conseguir um emprego?
E quantas vezes ainda os jornais noticiarão o que Adoniram colocou em seu “Despejo na Favela”, um retrato cru de uma situação que, de certa forma, sintetiza este país?
Canta, Adoniran!
 
Despejo na Favela
Quando o oficial de justiça chegou
Lá na favela
E, contra seu desejo
Entregou pra seu narciso
Um aviso, uma ordem de despejo
— Assinada, seu doutor
Assim dizia a ‘pedição’
“Dentro de dez dias
Quero a favela vazia
E os barracos todos no chão”
— É uma ordem superior
Ô, ô, ô, ô, ô!, meu senhor!
É uma ordem superior
Ô, ô, ô, ô, ô!, meu senhor!
É uma ordem superior
— Não tem nada não, seu doutor
Não tem nada não
Amanhã mesmo vou deixar meu barracão
Não tem nada não, seu doutor
Vou sair daqui
Pra não ouvir o ronco do trator
— Pra mim não tem ‘probrema’
Em qualquer canto eu me arrumo
De qualquer jeito eu me ajeito
Depois, o que eu tenho é tão pouco
Minha mudança é tão pequena
Que cabe no bolso de trás
…Mas essa gente aí, hein?
Como é que faz?
Mas essa gente aí, hein?
Com’é que faz?
Ô, ô, ô, ô, ô!, meu senhor!
Essa gente aí
Como é que faz?
Ô, ô, ô, ô, ô!, meu senhor!
Essa gente aí, hein?!
Como é que faz?
Redação

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  1. Continuação

    Nassif: não se trata de um Adoniram atualizado. É que a ladroagem e as macutais continuam as mesmas. Os safados foram devidamente sucedidos pelos da mesma laia. Veja a atualidade, o Congresso, o Executivo e a mais nova aquisição — o Judiciário. A Nação está nesse tripé.

    Um viva ao profeta Adoniram.

  2. Adoniran,

    o Charutinho do Morro do Piolho.

    Programa “Histórias da  Maloca”, com ele, Alzira de Oliveira, Pagano Sobrinho e outros humoristas retratando a vida de quem  fazia  limonada de uma vida azeda.

    A música cantada por ele:

    ” O Charutinho está cansado de chorar

    Chora negão na rampa,

    Chora que eu também já chorei,

    Você comeu, sarsicha com mostarda,

    Aqui Gerarda, Aqui Gerarda”.

  3. O ruim

    é que o Brasil não muda, o brasileiro não se humaniza e as mazelas quando não se mantém ainda aumentam.

    Em sua época, além da pobreza profunda , o maior mal era o alcool, e as pessoas em situação de desabrigo eram bem mais raras.

    Havia, por força da educação, alguma solidariedade. Hoje temos invasões, guetos, favelas, cortiços e a rua.

    Das causas: a miséria de nascimento,  sem perspectiva de melhora, as  drogas, o desemprego, o êxodo rural, a desagregação familiar, o alcoolismo, entre outras causas,  como consequências de políticas  de total indiferença ao bem estar da população, e um evidente desprezo à solidariedade (exceto no breve período getulista e lulista).

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