Aquiles Rique Reis
Músico, integrante do grupo MPB4, dublador e crítico de música.
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Décio Rocha, o artesão de sonoridades, por Aquiles Rique Reis

Artesão de sonoridades

por Aquiles Rique Reis

Nascido em Cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco, o compositor e multiinstrumentista Décio Rocha é, além de ótimo compositor, um artesão de sonoridades. Suas composições brilham com arrebatadoras descobertas sonoras. Achados que surgem da cata por materiais jogados no lixo, “porcarias” inúteis para quem não possui o mesmo dom que ele.

Dito isso, vamos a Nem sei, faz tanto tempo (Saravá Discos), sexto CD, basicamente instrumental, de Décio Rocha. Além das dez músicas só dele, há uma em parceria com Chico César e outra com Zeca Baleiro, que também é o produtor do trabalho. São as únicas com letra, cujo canto Décio divide com cada um de seus parceiros. Tem também “Pedro, Antônio e João”, a famosa quadrilha junina de Benedito Lacerda e Oswaldo Santiago, cantada por Décio e André Abujamra.

O instrumental imprime uma levada meio árabe, meio cigana à música “Celebração” (DR), composição que abre o CD. O violão e o metrola• de Décio se juntam ao sax soprano (Hugo Hori), ao piano (Pedro Augusto), ao cello (Lui Coimbra) e aos caxixis e ganzás de Zeca Baleiro. Uma melodia vocalizada sem letra por Décio, e que, feito um mantra, se repete e deixa no ouvinte a sensação de rara felicidade. Enquanto o piano toca as notas da melodia, o cello improvisa e a voz se soma ao sax. O baixo se destaca sob o solo do sax.

Sem intervalo entre a primeira e segunda música, “Pensando na Vida” (DR), logo emenda com a terceira, “Transbordo” (DR). O medley dá bem a dimensão inovadora da obra de Décio. A segunda vem com o trompete (Cláudio Faria) a toda, num improviso admirável. Tocados por Décio, baixo (numa levada repetida com apenas poucas notas ao final), guitarra, violão e rochimbau** seguram a onda, e, somados à pirâmide***, o groove final chega com o trompete.

Sem pausa, vem uma cadência mais romântica. Décio toca violões e baixo e Marçalzinho chama na percussão. Ouve-se um desenho mântrico (uma das marcas das composições e dos arranjos de Décio) tocado pelo violão. O baixo pulsa. A cuíca de Marçalzinho chora bonito. O violão se esbalda. Meu Deus!

Findas as três primeiras faixas – e só aí –, o ouvinte pode, enfim, respirar.

O espaço acabou, mas o CD, não. Agora cabe a vocês, leitores, buscar ouvi-lo inteiro. Boa audição.

Aquiles Rique Reis, vocalista do MPB4

 

PS. Instrumentos arquitetados por Décio Rocha:

* “metrola”, nome derivado de metrópole, onde prolifera o lixo no qual foi encontrada a madeira para construção de uma espécie de pequeno alaúde, com três cordas de violão, tocadas com arco de violino.

** “rochimbau”, construído com três cordas de violão, percutidas com um prego e uma vareta, na extremidade e no meio das cordas, onde soam os harmônicos. Cada extremidade corresponde a uma afinação diferente.

*** pirâmide, grande tripé de madeira onde estão afixadas latas grandes e pequenas, perpassadas por cordas de violão, de guitarras e de baixo, tocadas, com varetas, em uníssono e em semitons, em terças maiores e menores, de acordo com as posições das latas.

 
Aquiles Rique Reis

Músico, integrante do grupo MPB4, dublador e crítico de música.

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