As duas vozes de Orlando Silva

Em 1932, com 17 anos, Orlando Silva perdeu parte do pé esquerdo em um acidente de bonde, o que o obrigou a ficar quatro meses hospitalizado, com dores que só cediam com doses de morfina. Após seu restabelecimento, tornou-se trocador de ônibus.

Costumava cantar para os amigos e vizinhos até que um conhecido o apresentou ao cantor Luiz Barbosa, que o levou para a Rádio Cajuti. Um dia, em 1934, o violonista e compositor Bororó o ouviu e levou-o ao Café Nice, onde o apresentou ao homem mais influente da música popular na época – Francisco Alves. Duas semanas depois, Orlando Silva estreava no programa do Chico Alves na própria Rádio Cajuti. Em 1935 gravou seus primeiros discos.

Em março de 1937 lança o que seria um de seus maiores sucessos: “Lábios que Beijei” (J. Cascata/ L. Azevedo), com o inovador arranjo de cordas feito pelo maestro Radamés Gnattali.

No mesmo ano, Orlando fez as primeiras gravações (cantadas) de “Carinhoso” (Pixinguinha/ João de Barro)

e de “Rosa” (Pixinguinha/ Otávio de Souza).

Os sucessos não paravam, e a vendagem dos discos continuava aumentando.

Por volta de 1940 a carreira de Orlando Silva, então no auge da fama, começa a entrar em declínio. Uniu-se à atriz Zezé Fonseca, num relacionamento turbulento que perdurou até 1943. Além disso, fazia uso freqüente de morfina, tornando-se dependente químico e tendo crises de abstinência quando não podia usar a droga. A partir de maio de 1942, passou alguns meses afastado dos estúdios, em parte por ter sido acometido por uma gengivite ulcerativa necrosante aguda, precisando extrair os dentes da arcada superior, em parte porque estava se internando para livrar-se da morfina. Tentando livrar-se de uma dependência, acabou também vitimado por outra, o alcoolismo.

Quando Orlando voltou aos estúdios, em novembro de 1942, suas cordas vocais já não eram as mesmas. Era como se o cantor tivesse envelhecido muitos anos em seis meses. Mas não era um problema de idade, pois ele estava com apenas 27 anos. Não se sabe exatamente a raiz do problema, mas o que se especula é que a voz não resistiu aos problemas pessoais, à perda dos dentes, ao álcool e à morfina. O próprio Orlando não tocava no assunto. Na verdade, nunca admitiu que sua voz declinara.

Não há dúvidas que, de 1935 a 1942, Orlando Silva foi o mais perfeito cantor popular que o Brasil já teve. Voz cristalina de tenor, viajava dos graves aos agudos com extrema facilidade. Timbre de beleza e maciez inigualáveis. Técnica respiratória perfeita, que entrelaçava frases e palavras sem se permitir respirar entre elas. Suas interpretações do período são magistrais. Boa parte está na caixa “O cantor das multidões”, lançada em 1995, com 66 das 152 gravações de Orlando no período ( http://300discos.wordpress.com/2009/03/04/027-orlando-silva-o-cantor-das-multidoes-1995/ ). Incluo uma de suas gravações do início de 1942, “Aos pés da Cruz” (Marino Pinto / Zé da Zilda), que mostra que sua voz ainda estava perfeita.

 

O cantor ensaiou diversas “voltas”, prosseguindo na carreira com alguns sucessos, mas já não era mais o mesmo. Para comparação, anexo as mesmas músicas anteriores, com “o outro Orlando Silva”, em gravações da década de 1950. Aquela maciez da voz e suavidade de interpretação se perderam para sempre, ficando um cantor apenas razoável, com uma voz cansada e sem cor. 

Imagem da Orlando Silva

Luis Nassif

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