Aquiles Rique Reis
Músico, integrante do grupo MPB4, dublador e crítico de música.
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Zé pelo Zeca, por Aquiles Rique Reis

Uma pequena preciosidade foi lançada em DVD e CD, esplêndido registro de uma parcela da obra do poeta apocalíptico Zé Ramalho, pedra bruta lapidada a cada verso, a cada nota. O responsável pelo feito é Zeca Baleiro, cronista do improvável, “profanador” de convicções, um músico que as trata com o merecido desrespeito.

Chão de Giz – Zeca Baleiro canta Zé Ramalho (Som Livre, Canal Brasil, Fidellio Produções) foi gravado no Teatro Castro Alves, em Salvador. Contou com a participação da ótima banda Cavalos do Cão, integrada pelo craque Tuco Marcondes (guitarra, violão, cítara, banjo, vocais e mandolin, que tem formato parecido com o do bandolim e a mesma afinação, mas de timbre mais agudo) e por Pedro Cunha (teclados, acordeom, sampler, escaleta e vocais), Kuki Stolarski (bateria, pandeiro, zabumba, violão e efeitos), Fernando Nunes (baixo, violão de sete cordas, triângulo e vocais), Adriano Magoo (teclados, acordeom, violão e vocais) e o próprio Zeca Baleiro (voz, violão e guitarra).

O DVD tem competente direção de Monique Gardenberg, que caprichou na iluminação e na escolha das imagens projetadas. Destaque para as que ilustram “Kryptônia” (Zé Ramalho), com cenas do filme Ivan o Terrível, de Eisentein.

Aberta a cortina, o azul cobre o palco. Zeca está de costas para a plateia. Iniciada “Ave de Prata” (ZR), acendem-se luzes brancas. É o primeiro momento, dentre tantos outros ao longo do DVD, em que a banda mostra o peso de seus instrumentos, numa pegada certeira e fortemente roqueira.

Para “A Terceira Lâmina” (ZR), o palco está envolto em luz vermelha. A guitarra de Tuco, totalmente roquenrrol, soa intensa. Imagens de guerra surgem no telão e a luz verde inunda o palco. Lindo efeito.

Guitarras tocam a introdução de “A Dança das Borboletas” (ZR e Alceu Valença). O arranjo é puro rock. A voz de Zeca soa com efeitos. Duas guitarras têm também o registro de efeitos e acentuam o tempo forte da música. Belo arranjo.

Uma percussão inicia “Beira Mar” (ZR). Tuco Marcondes toca banjo, Zeca, guitarra. Teclados, baixo e bateria puxam para um baião porreta. O acordeom resfolega. A luz vai do amarelo esverdeado ao ocre. Zeca assobia em uníssono com o acordeom. Grande final.

Com focos brancos vindos de cima, tem início “Chão de Giz” (ZR). Zeca, que até agora mantinha uma guitarra nas mãos e a usava com economia, ao final solta os braços e se mostra à vontade, musical e corporalmente.

As loucuras de Zé têm eco em Zeca, que se desdobra em versos como os de “Táxi Lunar” (ZR, Alceu Valença e Geraldo Azevedo), “Vila do Sossego” (ZR), “Eternas Ondas” (ZR), “O Rei do Rock” (ZR e Zeca Baleiro) e “Avôhai” (ZR) – Pares de olhos tão profundos/ Que amargam as pessoas que fitar/ Mas que bebem sua vida/ Sua alma na altura que mandar/ São os olhos, são as asas/ Cabelos de Avôhai.

Trovadores, Zeca e Zé vão feito anjos loucos pregando na densa consciência perdida do mundo. Quatro olhos a mirar o futuro através das sombras do passado.

Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do mpb4

 

Aquiles Rique Reis

Músico, integrante do grupo MPB4, dublador e crítico de música.

2 Comentários

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  1. Um dos maiores artistas brasileiros atuais

    Zeca Baleiro, sem dúvida.

    Em termos puramente artísticos, estéticos, a maior presença de palco da música brasileira é a do cantor, músico e compositor maranhense Zeca Baleiro. A carreira dele é mal administrada neste aspecto, o que eu atribuo a uma certa cultura social brasileira que se baseia numa espécie de ode a uma pseudo-humildade, mas que na verdade é apenas consequência da opressão que o povo sofreu durante muito tempo das elites brasileiras e ainda hoje sofre. Isso gerou a falta de confiança em si mesmo, o não auto-conhecimento que faz a pessoa ignorar o próprio talento, a sua dimensão.

    Quando Zeca Baleiro fica sentado em banquinho, ele limita o seu talento. Eu tive a certeza disso quando eu o vi em janeiro desse ano, ao vivo. Só consigo imaginar Elis Regina quando se pensa em outro artista brasileiro que está no mesmo nível em termos de interpretação da canção. Zeca Baleiro sente a música e a interpreta. O cara é de uma postura corporal impressionante. Parece uma escultura, uma figura destacada da realidade. Só me vinha à mente as figuras de grandes atores, escritores, poetas, quando retratados em certos momentos. Artista de primeiríssima categoria, alto nível. Um dos maiores artistas brasileiros, infelizmente subestimado.

     

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