A falácia do Telegram russo e a Doutrina de Choque aos Democratas, por Marcus Atalla

Desde 2016, o antropólogo e autor do livro: “Brasil no Espectro de uma Guerra-Híbrida”, Piero Leirner alerta estar em andamento a criação de um Deep State Tupiniquim pelos militares brasileiros

A falácia do Telegram russo e a Doutrina de Choque aos Democratas

por Marcus Atalla

Desde o anúncio da visita de Bolsonaro à Rússia, iniciou-se uma série de especulações envolvendo hackers russos e um pedido de ajuda ao Putin. Entre elas, a partir de declarações do Ministro Luís Barroso; conhecido por suas declarações pouco jurídicas, mas muito políticas; a respeito do bloqueio do Telegram. Logo surgiu a narrativa que Bolsonaro e sua comitiva de militares foram pedir auxílio ao Putin no controle do app russo. Todas essas são falácias.

Telegram não é russo

Em 2006, dois russos, os irmãos Pavel Durov, programador, e Nikolai Durov, programador e matemático, criaram a VKontakte – VK – espécie de Facebook. Após uma série de protestos na Rússia, em 2011, vistos pelo Governo Putin como operação da Guerra-Híbrida. O Governo russo exigiu a abertura da criptografia da plataforma. Pavel Durov não apenas se recusou, como não compareceu aos diversos pedidos de depoimentos feitos pela justiça do país.

Por fim, foi decretada a prisão de Pavel e a busca e apreensão em seu escritório. Porém, Pavel já não se encontrava em solo russo, fugiu para Bufallo em Nova York. Com isso, os irmãos Durov perderam o controle do VK aos investidores da Mail.ru. Mais tarde comprada pela Gasprom-Media, pertencente ao grupo da Gazprom – gás e petróleo.

Morando fora da Rússia, em 2013, Pavel lançou o Telegram. Em 2017, ele exilou-se em Dubai, onde desde então, localizam-se os servidores do aplicativo – o Telegram não tem servidores, nem sequer uma porta de garagem na Rússia. Em 2018, o Governo Putin requereu que se o Telegram quisesse permanecer operando no país, teria que permitir a entrada do governo em seus sistemas, seja por meio da entrega de chaves de criptografia ou a abertura de uma backdoor. (são as mesmas exigências que os EUA fazem através de leis às redes sociais ocidentais).

Com a recusa de Pavel, a Rússia tentou banir o uso do aplicativo de 2018 a 2020. No entanto, o bloqueio feito através das webstories e nos servidores DNS para interromper a conexão foi infrutífera. Pavel usou um sistema proxy e os próprios usuários compartilharam entre si o aplicativo de instalação do Telegram.

Nada do relatado acima é segredo, é de domínio público e amplamente difundido. Basta um “google” e será encontrado em diversos veículos de imprensas que cobrem tecnologia, YouTube etc. É uma das histórias mais conhecidas entre os profissionais da área.

Por tudo isso, não há nenhum sentido razoável e lógico em Bolsonaro e militares terem ido à Rússia, pedir a Putin o controle de uma rede que nem ele conseguiu controlar, que seus servidores e o dono estão em Dubai. Pavel é inimigo pessoal e chama Putin de ditador. 

O Telegram será quase irrelevante à distribuição das fake news durante as eleições

Para Sérgio Amadeu; prof. da UFABC, membro da Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura, autor de diversos livros sobre redes sociais, ex-Presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação; o Telegram não é popular no Brasil, é um aplicativo de nicho, a importância do aplicativo nas eleições, será para articular a militância bolsonarista, distribuir informações e a desinformação, atuará apenas nas bolhas mais restritas desse grupo.

A mais popular e maior rede social privada do país continua sendo o WhatsApp. O WhatsApp Business permite que qualquer “empresa”, em qualquer parte do mundo e o disparar de uma única mensagem alcança 100 mil usuários simultaneamente.  Portanto, o bloqueio do Telegram, sem bloqueio do WhatsApp, seria completamente inócuo. [entrevista de Sérgio Amadeu].

Segundo o Ministro Edson Fachin, em entrevista ao Estado de S. Paulo: “A Justiça Eleitoral já pode estar sob ataque de hackers, não apenas de atividades de criminosos, mas também de países, tal como a Rússia, que não têm legislação adequada de controle”.

Quanto a hackers russos interferindo nas eleições estadunidenses; o ex-analista da CIA por 27 anos, que acompanhou 7 presidentes; porém, hoje é jornalista independente e ativista antiguerra, bem-conceituado perante o jornalismo independente internacional, Ray McGovern comprovou nunca ter havido ataque russo. A história partiu do grupo responsável pela campanha de Hillary Clinton, após o uso eleitoral pela campanha de Trump, de e-mails oficiais não criptografados enviados por Hillary. [entenda o caso aqui].

O Ministro Luís Barroso e Fachin não vieram a público para esclarecer sobre a confusão do Telegram “russo”. Os Ministros estão sendo tão mal assessorados, ao ponto de serem levados a equívocos tão crassos?

Em artigo anterior publicado no GGN, falou-se sobre a impossibilidade de fraude na urna eletrônica por meios externos ao TSE, o controle das redes sociais pelos militares brasileiros e mais abaixo neste artigo, falar-se-á do porque não faria sentido uma interferência russa.

A criação de um Deep State Tupiniquim

Desde 2016, o antropólogo e autor do livro: “Brasil no Espectro de uma Guerra-Híbrida”, Piero Leirner alerta estar em andamento a criação de um Deep State Tupiniquim pelos militares brasileiros, aos moldes dos EUA. Uma espécie de República da Arapongagem, onde não importará quem será eleito. Políticos, Ministros do STF, demais altos escalões do serviço público e grandes empresários estarão sob controle através de dossiês e chantagens. Não apenas por denúncias de crimes, mas também por aqueles pequenos “deslizes” particulares, que todos cometem ou cometeram, no entanto, não se deseja que esposas, pais, filhos e amigos saibam.

Ainda no Governo Temer, General Etchegoyen à frente do GSI, uniu sob o guarda-chuva do órgão, a ABIN, o serviço de inteligência do Estado. O GSI tornou-se responsável pela Política Nacional de Inteligência – PNI – ficando responsável por áreas de monitoramento de fronteiras, espionagem e contra espionagem, ciberespaço, prevenção de sabotagem, combate a corrupção, terrorismo, identificação de oportunidades e informações “contra ações ao Estado Democrático de Direito”.

Também se concentrou no GSI uma grande quantidade de dados dos brasileiros, usados para a vigilância de comunidades indígenas, quilombolas, assentamentos rurais, ONGs, mobilizações, greves e manifestações. Além de Etchegoyen ter tido uma reunião com Duyane Norman, responsável pela CIA lotado em Brasília, 2017.

Em 2020, na administração do GSI pelo General Heleno, a Abin solicitou ao Serpro dados e fotos de 76 milhões de carteiras de motoristas de todo o país. Dados que antes ficavam espalhados em diversos órgãos, passaram a serem unificados e concentrados em um único ente, o GSI. E, porque não supor que esses dados além de servirem à vigilância, serviriam também para disparos em massas de fake news e propaganda eleitoral. Quem precisaria de hackers russos com tantos dados concentrados e a perícia da FFAA na área de ciberguerra.

Publicado em 02/12, pela Antropolítica (UFF), um outro estudo de Piero Leirner [leia na íntegra aqui]. Trata-se da construção de uma sinergia entre Judiciário, PGR e Forças Armadas. Além disso, demonstra a adesão das FFAA à visão pós-moderna propagada pelos EUA de que as forças armadas dos países periféricos devem ser forças policialescas do Estado, voltadas às ameaças internas, ao invés da defesa de ameaças externas ao país, a defesa externa ficaria a cargo dos EUA, tipo a OTAN.

Nada disso foi estranho às forças armadas brasileiras, que mantêm uma visão de Forças Armadas Coloniais, cujo objetivo é afogar revoltas internas. O General Santos Cruz, visto pela imprensa corporativa nacional como um legalista democrático, declarou em entrevista ao GGN que o PT teve sua chance e desperdiçou. Quem decidirá se o PT terá ou não outra chance é o general e não o voto popular?

Os russos jogam xadrez e são pragmáticos

O ex-chanceler Celso Amorim contou por diversas vezes que o surgimento do BRICS, foi através de uma sugestão do então Presidente Lula, cuja proposta foi a criação de uma cesta de moedas de diversos países, para se acabar com a dependência do dólar em negociações internacionais. A partir daí, surgiu a ideia de um banco internacional em oposição ao FMI, e mais tarde o Brics.

Qual razão lógica haveria para que os pragmáticos russos, cujo governante é considerado o maior estadista do mundo na atualidade, ex-analista da agência de inteligência, considerada a de melhor formação no mundo, a KGB, em aderir ao Bolsonaro? Quem confiaria em um governo sabidamente capacho dos EUA?

O governante “I Love You Trump”, que bate continência para a bandeira dos EUA, fez tudo para boicotar a vacina Sputnik V e até pouco tempo chamava a Rússia de Comunista. Conseguiu irritar o agronegócio, seu maior apoiador, por causar beligerância contra o maior parceiro econômico brasileiro, a China.

Fulanizar como resolução ao fascismo unicamente o vencer Bolsonaro nas eleições, é a Doutrina de Choque aos democratas brasileiros, que em pânico, acreditam em todas as novas narrativas criadas. E elas são muitas, pois faz parte da “BlitzKrieg de Informações”, técnica disruptiva da Guerra-Híbrida. Passou-se a ignorar a análise da historicidade dos fatos e das pessoas. É a sociedade em que tudo é urgente, mas nada é importante, pois o importante fica deixado de lado.

O acordo do Brasil com os EUA, não foi apenas o ideológico entre Trump e Bolsonaro, foi anterior e entre militares brasileiros e militares estadunidenses. Basta recordar o número de operações militares conjuntas na Amazônia, a entrega da Embraer, Base de Alcântara, oficial brasileiro subordinado ao Comando Sul dos EUA, adesão a todos os interesses geopolíticos estadunidenses em detrimento aos brasileiros, exemplos não faltam. 

Se Bolsonaro e comitiva militar foram à Rússia neste momento, foi para criar uma narrativa interna no Brasil ou uma forma de pressionar por um apoio efetivo do Governo Biden à eleição de Bolsonaro, por uma ameaça de aproximação à Rússia e ao BRICS.

Marcus Atalla – Graduação em Imagem e Som – UFSCAR, graduação em Direito – USF. Especialização em Jornalismo – FDA, especialização em Jornalismo Investigativo – FMU

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

4 Comentários

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  1. Clap! Clap! Clap!
    Sem esquecer de acrescentar que na hora do acerto de contas monetário, quando a montanha de dólar de fumaça começar a desaparecer, “o protetor” exército dos Estados Unidos vai obedecer a Wall Street e entregar a “colônia Brasil” em troca de alguns dólares a mais; e “os policiais” vão ficar sem emprego, porque sem “pátria” de uma vez por todas.
    Quanto a Putin?
    Ninguém leva a sério um pais cuja elite praticamente toda puxa saco.

  2. Excelente artigo, na medida que desmistifica o “fantasma” do Telegram. A briga será mesmo no Facebook, no Watzap e nos canais do YouTube. Uma lástima o PT não ter organizado um “exército de voluntários, para atuarem nestas plataformas e desmentirem as mentiras que proliferam pelas bocas compradas dos youtubers bolsonarista. Faço isto desde a campanha de 2018. Nunca deixei de dar a última palavra, coisa simples para quem leva a verdade na mão.

  3. Excelente artigo, na medida que desmistifica o “fantasma” do Telegram. A briga será mesmo no Facebook, no Watzap e nos canais do YouTube. Uma lástima o PT não ter organizado um “exército de voluntários, para atuarem nestas plataformas e desmentirem as mentiras que proliferam pelas bocas compradas dos youtubers bolsonarista. Faço isto desde a campanha de 2018. Nunca deixei de dar a última palavra, coisa simples para quem leva a verdade na mão. Observo que NUNCA fiz este comentário neste artigo do GGN, ou em qualquer outro, como equivocadamente assinala a mensagem “(…)comentário repetido detectado(…)

  4. O artigo em tela traz diversas informações de alta relevância e faz lembrar que “há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a vã filosofia”. Muito do discurso subliminar e falacioso que pretende engessar a postura crítica da militância e da intelectualidade é de uma inconsistência grotesca. O texto em tela mostra a farsa dos cantos de sereia que são estribados em factóides, tais como as pilérias segundo as quais o Telegram é russo, que os russos manipularam eleições mundo a fora, que o governo Putin teria interesse em apoiar o bolsonarismo fascistóide, que vencer a extrema direita nas próximas eleições brasileiras depende da repetição do modelo eleitoreiro que sevou o golpismo, etc.

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