Antônio Maria, uma saudade que completa 50 anos

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
[email protected]

Enviado por Mara L. Baraúna

Antônio Maria Araújo de Morais (17 de março de 1921 – Recife, PE / 15 de outubro de 1964 – Rio de Janeiro, RJ)

Na madrugada do dia 15 de outubro de 1964, Antônio Maria dirigia-se à boate Le Rond Point na rua Fernando Mendes, em Copacabana, próximo a onde morava. Pretendia trocar um cheque. Não chegou a entrar no bar. Sofreu um infarto fulminante, destino inevitável diante da vida desregrada entre álcool, bares, mulheres e redações de veículos de comunicação. Foi vítima de uma “grande e suicida vocação para morrer”, como lamentou o amigo Vinicius de Moraes. O primeiro a se aproximar do corpo foi um delegado de polícia, também seu amigo, Nilo Raposo, que cuidou de levá-lo a um pronto-socorro, onde Maria já chegou morto. Ali em frente ficava outra casa noturna bem frequentada, O Cangaceiro, e a notícia espalhou-se rapidamente. O recifense Antonio Maria tinha o histórico de três infartos. Dias antes, convidado pelo compositor Miguel Gustavo para participar de um programa de TV, Maria respondeu com um bilhete econômico em palavras, mas premonitório: “Nome – Antônio, simples. Telefone: 36-1255, mas só até o dia 14, porque saio do ar…”

Antônio Maria Araújo de Morais nasceu no Recife, em 17 de março de 1921, filho de Inocêncio Ferreira de Morais e Diva Araújo de Morais. Cresceu educado como filho da elite açucareira pernambucana. Junto com os irmãos Rodolfo, Maria das Dores, Consuelo e inúmeros primos, teve uma infância feliz nos engenhos da família, conforme suas crônicas sobre os bons momentos desfrutados, nessa época, em sua terra natal. Nelas nos conta sobre a mãe carinhosa, os tempos de colégio, as aulas de música, as lições de francês, os mergulhos no rio e os “banhos salgados”, as férias na usina Cachoeira Lisa, deixada por seu avô materno, Rodolfo Araújo.

Como se soubesse que não chegaria a envelhecer, Antonio Maria viveu intensamente. Aos 13 anos já bebia, aos17 anos fez inscrição na boêmia, ao mesmo em que começou escrever em jornais do Recife, e trabalhar na Rádio Clube. Com 19 anos estava no Rio, trabalhando na Rádio Ipanema. Voltou ao Recife, e em 1944, aos 23, casou-se com Maria Gonçalves Ferreira, mãe de Rita e Antonio Maria Filho, “para desgosto do pai dela”, comentou numa crônica. O “desgosto”, porque já era conhecido no Recife como boêmio incorrigível, e um turrão, que não levava desaforo para casa.

Em 1952 duas gravações na voz de Nora Ney se transformam em grande sucesso na programação das rádios brasileiras: Menino Grande Ninguém me ama. Compôs, também, outros grandes sucessos, dentre os quais podemos destacar Valsa de uma cidade e Canção da Volta, com Ismael Neto; Manhã de Carnaval Samba do Orfeu, com Luís Bonfá, em 1959; O Amor e a Rosa e As Suas mãos, com Pernambuco, e Se eu Morresse Amanhã. De sua grande produção musical, apenas 62 foram gravadas. Eram, em sua maioria, tristes, de dor-de-cotovelo. Além dos acima citados, foram seus parceiros, entre outros: Fernando Lobo, Moacyr Silva, Vinicius de Moraes, Zé da Zilda e Reynaldo Dias Leme. Alguns dos intérpretes de suas músicas: Nora Ney, Dolores Duran, Elizeth Cardoso, Lúcio Alves, Doris Monteiro, Jamelão, Ângela Maria, Aracy de Almeida, Agostinho dos Santos, Dircinha Batista, Luiz Bandeira e Claudionor Germano, além de Nat King Cole, que gravou Ninguém me ama e Tuas mãos

Os amigos eram ícones. Os – incontáveis – desafetos, idem, como Carlos Lacerda e Samuel Weiner, de quem roubou Danuza Leão, em um relacionamento escandaloso quando trabalhava no Última hora, do homem traído. “O pintor Di Cavalcanti estava sempre lá. O velho Maria fazia questão de pedir à minha mãe que tocasse determinada música, com a qual Di Cavalcanti imitava a entrada das ‘coristas’ nos espetáculos da época. Todos morriam de rir”, recorda Antônio Maria Filho, sobre os encontros em casa. A lista contava ainda com nomes como Rubem Braga, Dorival Caymmi, Millôr Fernandes, Nelson Rodrigues, Tom Jobim, Aracy de Almeida, Ary Barroso e até  Juscelino Kubitschek.

Geralmente citado como autor de Ninguém me ama e cronista maior, Maria foi muito mais do que isso. Foi produtor, redator, narrador esportivo, apresentador, executivo de rádio e TV. Mas profissionais como ele existiram muitos em sua época. Inclusive com a mesma voracidade de trabalhar ao mesmo tempo para três ou quatro empresas simultaneamente.  Acrescente-se ao talento criativo, um imenso carisma, simpatia, autoconfiança, cultura, um humor que podia vir impregnado de sarcasmo.

Compositor de jingles, é dele essa canção, interpretada por Dircinha Batista, para o remédio Auricedina:

“Se a criança acordou
Doooooorme, doooooorme filhinha
Tudo calmo ficou
Mamãe tem 
Auricedina”

https://www.youtube.com/watch?v=aFwqQAePqf8]

Maria, não satisfeito, passou a ilustrar suas crônicas, onde sempre apareciam, num canto, a ave Ivanov e o gato Profumo. Disse, respondendo a um leitor que estranhou esse procedimento: “Entrei para o rol dos caricaturistas para iniciar um grande movimento nacional pela caricatura. Não a que eu faço. Mas a caricatura que você faz, que outros fazem… sempre sem vez. O Brasil é um país sem caricatura. Por isso, um país triste. A caricatura é mais importante que o retrato.”

Entre os causos, conta um pacto com Vinicius de Moraes de nunca perder tempo com exercícios, parceria musical e rompimento com Fernando Lobo, inimizade com o bossanovista Ronaldo Bôscoli, apresentação do programa inaugural da TV Tupi Rio, um contrato com a Rádio Mayrink Veiga pelo salário mais alto até então e até impulso à entrada de um certo João Gilberto na banda Os Garotos da Lua. 

A ida súbita e precoce encerrou, aos 43 anos, a carreira do cronista, compositor, jornalista e, acima de tudo, boêmio Antônio Maria. Com nome de mulher, mais de 130 quilos não tão bem distribuídos em 1,85 metros e uma sudorese que lhe fez fama, o pernambucano tornou-se um dos principais símbolos da vida carioca das décadas de 1950 e 1960, para onde se mudou após temporada em Fortaleza e Salvador (e uma anterior sem sucesso no Rio de Janeiro), mas nunca esqueceu o cheiro e o mar do Recife. À cidade, dedicou vários trechos e a belíssima Frevo nº 1, uma das cerca de 60 composições. Ninguém me amaValsa de uma cidade e Manhã de carnaval (do filme Orfeu do Carnaval) são as mais famosas.

Protagonista de histórias esquecidas após uma boa ressaca ou perecíveis como as páginas dos jornais para os quais escreveu, o Menino Maria passa quase despercebido neste cinquentenário de morte.

Fonte:

Antônio Maria – Projeto Releituras 

Antônio Maria, uma saudade que completa 50 anos, por José Teles

Símbolo da boemia carioca, Antônio Maria morreu na calçada de um bar, há 50 anos, por Luiza Maia

Saiba mais em:

Antônio Maria

Antônio Maria na Wikipédia

Antônio Maria no Dicionário MPB 

Antônio Maria, por Semira Adler Vainsencher

Antônio Maria: crônicas, memórias e Rio de Janeiro, por Raquel França dos Santos Ferreira 

Antônio Maria, o cardispliscente, por Paquito

Antônio Maria: o primeiro multimídia brasileiro, por Nix

Antônio Maria Filho fala sobre relação do pai com Di Cavalcanti, Juscelino Kubitschek e Danuza Leão 

Brasileiro, profissão esperança, na Radio UOL

Compositor relata anos dourados em “O Diário de Antônio Maria”

Confissões de Maria, por Joaquim Ferreira dos Santos 

Um locutor chamado Maria 

Maria volta ao bar: oficina literária sobre a vida e obra de Antônio Maria. Organização Rubem Penz

Morrer num bar: crônica de Vinícius na morte de Antônio Maria 

Oração para Antônio Maria, pecador e mártir, de Vinicius de Moraes 

Pelas Noites De Copacabana: Roteiro boêmio de Antônio Maria, por Maria Izilda Santos de Matos 

Pernambucano Antônio Maria foi alma gêmea de Vinicius de Moraes, por Luiza Maia

Rádio Batuta Antônio Maria, o menino grande – Capítulo 1 

Rádio Batuta Antônio Maria, o menino grande – Capítulo 2

https://www.youtube.com/watch?v=cNwQK1znHOU]

https://www.youtube.com/watch?v=5uf0KuDHksc]

https://www.youtube.com/watch?v=NWRdIHTd_xk]

https://www.youtube.com/watch?v=6UyEijaIQ6M]

https://www.youtube.com/watch?v=2x-OCw9MqeQ]

https://www.youtube.com/watch?v=L5oAzogYybk]

https://www.youtube.com/watch?v=Gb-vFjQ-v7w]

[video:https://www.youtube.com/watch?v=-5yqBh8QdHc] [video:https://www.youtube.com/watch?v=idnIRS1-ENQ] [video:https://www.youtube.com/watch?v=JT39fviS0KA] [video:https://www.youtube.com/watch?v=zhYMPCbyB4s] [video:https://www.youtube.com/watch?v=xZTaJ-KHR7E] [video:https://www.youtube.com/watch?v=NK2ysy1M2EY] [video:https://www.youtube.com/watch?v=KMeeqp21fi0] [video:https://www.youtube.com/watch?v=vVk7nXrIGeM] [video:https://www.youtube.com/watch?v=284497m__xo] [video:https://www.youtube.com/watch?v=uxDQwP7ucb8] [video:https://www.youtube.com/watch?v=Vxw-C2MPcAY] [video:https://www.youtube.com/watch?v=_n3lqwCzvw8

[video:https://www.youtube.com/watch?v=1FvNpiW8f8c] [video:https://www.youtube.com/watch?v=zKdtORxIIGA] [video:https://www.youtube.com/watch?v=JSESL0lz5pg] [video:https://www.youtube.com/watch?v=sBhcas8floY] [video:https://www.youtube.com/watch?v=DxB3h-Rx6Fo] [video:https://www.youtube.com/watch?v=_rIUro001lc] [video:https://www.youtube.com/watch?v=ISgm5orhvjg] [video:https://www.youtube.com/watch?v=KB7x7znbSjw] [video:https://www.youtube.com/watch?v=x-X-11VZsJ8] [video:https://www.youtube.com/watch?v=-auWHlqvKQo]

[video:https://www.youtube.com/watch?v=ajW779XMCJo

[video:https://www.youtube.com/watch?v=osIBqfpcfE4

[video:https://www.youtube.com/watch?v=AE5MkfYYNW8

[video:https://www.youtube.com/watch?v=4Z5ieHJPrKY

[video:https://www.youtube.com/watch?v=yVQlTTaQdx4

[video:https://www.youtube.com/watch?v=hFHLpqF3x-E

[video:https://www.youtube.com/watch?v=xmHcCzF8MTI

[video:https://www.youtube.com/watch?v=IhSScrgHsd8

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

8 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Maria merece!!

    Nassif

    É a primeira vez que acontece de um post meu ter sido publicado mal formatado, com caracteres e tamanhos diferentes.

    No Fora de Pauta saiu perfeito, inclusive com esse link Maria volta ao bar: oficina literária sobre a vida e obra de Antônio Maria. Organização Rubem Penz.

    Já publicado aparece MARIA VOLTA AO BAR: OFICINA LITERÁRIA SOBRE A VIDA E OBRA DE ANTÔNIO MARIA. ORGANIZAÇÃO RUBEM PENZ.

    Será que é possível melhorar a apresentação da homenagem a Antônio Maria?

    Agradeço muitíssimo!

    Abraços

    Mara Baraúna

  2. Antonio

    Gostei muito do post sobre Antonio Maria (nõa sabia nada sobre ele). Muito boa lembrança e homenagem. Adoro os frevos, claro, são a cara, jeito, cheiro de Recife !

  3. Céus, como ele tem músicas!

    A única que eu conhecia sabendo que era dele era “Ninguém me ama”. “O amor e a rosa” eu conhecia, mas nao sabia que era dele. Os frevos tb ouvi a vida inteira, crente que eram de compositores pernambucanos (ele morou no Rio a vida inteira, mesmo se for pernambucano). Valsa de Uma Cidade sempre amei, nunca associei a ele. Manhã de Carnaval eu achava que era só de Luís Bonfá. As outras nao conhecia. Linda a “Cançao da Volta” e as duas cantadas por Nora Nei; e deliciosa a “Meu Contrabaixo”. Obrigada, Mara

  4. Saudoso Antônio Maria

    Antônio Maria merece ser sempre lembrado!! Que bom que gostaram!

    Abraços, Anarquista Lúcida, Laura e Maria Luisa e quem mais apreciar.

    Mara Baraúna

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador