As armadilhas do livre fluxo de capitais, por Luís Nassif

O câmbio é um preço essencial da economia. Serve para balizar investimentos externos diretos, impacta inflação, impacta balança comercial.

Por que a taxa Selic é tão elevada? O senso comum do mercado diz que é para reduzir a demanda agregada e diminuir a inflação. Pouco importa se a inflação é fruto de problemas climáticos, mudanças nos mercados mundiais.

O Banco Central mira exclusivamente o chamado “carry trade”. Trata-se de uma operação pela qual os investidores tomam dinheiro em uma moeda, a uma taxa de juros baixa, e aplicam em países com taxas de juros elevadas.

O resultado dependerá do diferencial da taxa de juros – entre o custo do empréstimo e a taxa de aplicação – e a variação cambial. Se houver desvalorização cambial no período, ele perde; se houver apreciação, ele ganha.

Vamos a um exemplo simples: no período o câmbio permanece o mesmo e a Selic rende 12,25% no ano. 

  1. Há um ano, o fundo pegou US$ 1.000.000 de empréstimo no Japão, a um custo de 1% ao ano. No vencimento, terá que pagar US$ 1.010.000
  2. O dólar estava valendo R$ 4,90. Convertendo em reais, ele ficou com R$ 4.900.000.
  3. Aí, ele deixou o dinheiro aplicado por 12 meses pela taxa Selic de 12,25%. No final do período, ele estava com R$ 5.500.250,00;
  4. Para sair do país, ele terá que adquirir dólares. Se o dólar continuasse valendo R$ 4,90, ele sairia com US$ 1.122.500. Como sua dívida é de US$ 1.010.000, seu lucro foi de 11,14%.

Mas suponhamos que, por alguma razão, o câmbio se desvalorize 10% e salte para R$ 5,39. Nesse caso, sua rentabilidade cairá para 0,85%.

Se a desvalorização cambial for de 20%, o dólar saltará para R$ 5,88 e o fundo terá um prejuízo de 7,38%.

Mas suponha que a Selic aumente 1 ponto e vá para 13,25%. O prejuízo da operação será de 6,56% – irrelevante perto da influência do câmbio. Vamos a duas comparações, com o câmbio a R$ 5,74 e a Selic a 13,25%, de quanto seria o ganho em 12 meses, se o câmbio parmenecesse inalterado. Seria de 12,13%.

Se se desvalorizasse 5%, a rentabilidade cairia para 6,79%. Ao contrário, se se apreciasse 5%, a rentabilidade subiria para 18,03%.

O que significa essa montanha de tabelas? Que o fato central para garantir a rentabilidade do investimento externo é o comportamento do câmbio, muito mais do que 1 ponto na taxa Selic.

Mas não apenas isso. Mais do que a análise do mercado interno em si, entra a comparação com outros países. Em dezembro, o carry trade do México e da África do Sul eram melhores do que o do Brasil. Aí, bastou um movimento inicial de desvalorização do real para fundos especulativos saírem do país, promovendo um overshooting no câmbio.

Confiram, então, a loucura. O câmbio é um preço essencial da economia. Serve para balizar investimentos externos diretos, impacta inflação, impacta balança comercial. Mas tudo fica dependendo dos humores do mercado. Aqui os fatores que influenciam o câmbio:

  1. Aumentos de taxas de juros no Japão, por exemplo, ou outro país que forneça o empréstimo a juros baixos.
  2. Mudança no câmbio ou nos juros de outros países, atraindo capitais.
  3. Terrorismo fiscal no Brasil.
  4. Mudança no cenário norte-americano.

Agora mesmo, fala-se que Donald Trump pretende taxar os chamados carryed interest – a taxa de performance que o gestor ganha sobre a rentabilidade dos fundos de private equity. Hoje em dia a taxa é de 20%, metade da faixa de imposto de renda individual mais alta, que é de 37%. É apenas um capítulo a mais de um processo de turbulência diária, promovida por Trump. E cada espirro lá, provoca uma gripe aqui.

O Banco Central tem razão em conduzir com cuidado a questão: um estouro do câmbio acaba com qualquer pretensão de reeleição. Mas é hora de começar a se discutir publicamente a questão das metas inflacionárias e do livre fluxo de capitais. A discussão tem que sair dos escaninhos do BC e do mercado, ampliar-se para as universidades e para a cobertura de mídia.

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1 Comentário

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  1. Agora é tarde.

    Já era.

    Com o aumento da taxa de juros nos EUA, que tem efeito bem além da mera recessão por lá, vai exportar mais déficit e aumentar os fluxos de capitais, em mão dupla.

    Ora saindo, para se remunerar nas taxas do Federal Reserve, ora voltando, porque os débeis mentais do BC vão tentar conter esse fluxo com mais e mais juros.

    A diferença?

    Uai, a dúvida dos EUA é auto financiada, porque a moeda padrão internacional é deles.

    Vamos, de novo, como “cordeiros do deus mercado”.

    Os EUA vão bancar o repique inflacionário produzidos pelas taxas com esse movimento bideminsional:

    Vão repatriar divisas, e, ao mesmo tempo, vão permitir aos fundos lucrarem o máximo com nossas taxas de juros.

    Como o Brasil é a cachorra de Washington, vai tudo correr como o Tio Sam deseja.

    Galípolo e Haddad, nesse ritmo, poderiam responder a um processo por improbidade ou crime de responsabilidade, caso esse país fosse sério.

    O enriquecimento que estão a proporcionar a banca, sem fundamento empírico ou teórico beira ao delito.

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