Comissão de Mortos procura desaparecidos na Chacina de Foz do Iguaçu

Figura 1Clareiras que serão investigadas

Nessa segunda-feira, uma equipe de 15 pessoas, da Comissão de Mortos e Desaparecidos, estará embarcando para Foz do Iguaçu, atrás dos restos mortais dos desaparecidos na chamada Chacina de Foz do Iguaçu. O massacre ocorreu quatro meses após o documento da CIA comprovando o envolvimento do presidente Ernesto Geisel com os assassinatos.

Uma operação dessa envergadura não ficaria sem prestação de contas de um relatório. Por conta disso, através do ofício Ofício nº 126/2018/SEI/CGMDP/SNC/MDH, a presidente da Comissão Especial dos Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), procuradora Eugênia Gonzaga, oficiou o general Luna e Silva, atual Ministro da Defesa, solicitando a reconstituição dos autos que contem o relatório sobre as mortes, já que foi uma operação oficial do Exército, batizada de Operação Jurity. 

A foto é 1965. O ponto X, em amarelo, indica as coordenadas em que o helicóptero pousou nas últimas expedições. A expedição voltará ao mesmo ponto com detectores de metais, aparelhos não utilizados nas últimas expedições.

A perícia da Procuradoria Regional da República em São Paulo localizou fotos áereas indicando mais três clareiras, que serão visitadas também.

A escolha foi em razão dos testemunhos mencionados nos relatórios da Comissão Nacional da Verdade (CNV) e da consultoria de Ivan Seixas ao CEMDP, além de livros de historiadores da época, como Aluizio Palmar, de que os militantes foram levados até “uma clareira próxima ao km 6 da antiga Estrada do Colono” – do lado direito.

Essa linha delineada no mapa é a estrada mencionada. A clareira em que desceram foi marcada com X amarelo  e circulada de vermelho.

Os agentes infiltrados

Sargento Alberi com Leonel Brizola

Segundo relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), com a eliminação das organizações que optaram pela luta armada, a partir de 1974 a ditadura mandou para o exterior seus agentes infiltrados ou recrutados dentro da própria esquerda.

Os agentes procuravam militantes ainda propensos a continuar a luta, e os convidavam a regressar ao país. Depois, armavam emboscadas para eliminá-los.

Seis militantes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) foram atraídos para a emboscada pelo agente infiltrado, o ex-sargento da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, Alberi Vieira dos Santos, até então tido como uma figura mitológica do movimento.

Todos foram assassinados na região de Foz do Iguaçu/Medianeira, em uma operação coordenada do Centro de Informações do Exército (CIE), executada por militares experientes como Paulo Malhães.

Daniel José de Carvalho

Daniel José de Carvalho

Militou no Partido Comunista Brasileiro (PCB) e no Partido Comunista do Brasil (PCdoB); Em outubro de 1970 é preso e torturado no DOI-CODI do II Exército em São Paulo; Banido do Brasil em troca do embaixador Suíço; Exilado no Chile e posteriormente na Argentina quando passa a militar na Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e liga-se a Onofre Pinto, dirigente da organização.

Agentes de Estado que forneceram depoimentos sobre o caso: Otávio Rainolfo da Silva; Paulo Malhães.

O Dossiê elaborado pelo jornalista e ex-preso político, Aluízio Palmar é fonte de investigação sobre o caso. Segundo os relatos, a Rural Willys dirigida por Otávio Rainolfo da Silva, militar do Centro de Informações do Exército, apresentado ao grupo como membro da base de apoio da VPR, trafegou seis quilômetros pela Estrada do Colono (PR) levando os militantes para emboscada em que seriam executados.

 

Enrique Ernesto Ruggia

Enrique não pertencia a nenhum partido político ou organização de esquerda, mas se interessou pela possibilidade de se engajar na luta guerrilheira latino-americana.

Viajou então para o Brasil, provavelmente a convite de Joel José de Carvalho, integrando-se ao grupo liderado por Onofre Pinto. Morreu junto com os outros quatro companheiros na mesma emboscada.

 

Figura 5Joel José de Carvalho

Joel José de Carvalho

Também de acordo com a CNV, militou no PCB e no PCdoB, de onde saiu para organizar a Ala Vermelha. Em outubro de 1970, foi preso e torturado no DOI-CODI do II Exército, em São Paulo; Joel foi banido do Brasil, em janeiro de 1971, em troca da libertação do embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher, e se exilou no Chile. Deixou o Chile após a deposição de Salvador Allende com o golpe de Estado de Pinochet, quando foi para a Argentina. Já no exílio, passou a militar na VPR e voltou ao Brasil para ser morto na emboscada de Foz. Depoimentos sobre o caso: Otávio Rainolfo da Silva, ex-agente do CIE.; Marival Chaves Dias do Canto, ex-sargento DOI-CODI/SP; Paulo Manhães, ex-major do CIE.

 

Figura 6José Lavecchia

José Lavecchia

Militou no PCB até ingressar na VPR.

Foi preso em 7 de maio de 1970. Solto em junho de 1970, com outros 39 presos políticos, em troca da liberdade do embaixador alemão, segue para Argélia e em seguida para Cuba onde recebe treinamento militar. Mais tarde segue para o Chile e, em decorrência do golpe de estado chileno, vai para o exílio na Argentina. La liga-se ao grupo de Onofre Pinto, dirigente da VPR. Morreu junto com outros quatro companheiros na emboscada em 13 de julho de 1974.

Depoimentos de agentes de Estado sobre o caso: Otávio Rainolfo da Silva, ex agente do CIE.; Marival Chaves Dias do Canto, ex-sargento DOI-CODI/SP; Paulo Malhães, ex- major do CIE.

 

Figura 7Onofre Pinto

Foi Sargento do Exército, em São Paulo, liderou mobilizações do Clube de Subtenentes e Sargentos do Exército, ainda antes de 1964.
Dirigente da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), organização da qual foi um dos fundadores. Onofre foi preso em 2 de março de 1969, por agentes do DOPS e da 2a Companhia de Polícia do Exército, acusado de participar de ações armadas. Banido do país, instalou-se no México. Do México, seguiu para Cuba, onde atuou no recrutamento de membros da VPR entre os exilados. Em seguida, mudou-se para a Argentina. Neste país, criou um grupo entre militantes da VPR, no intuito de voltar ao Brasil e organizar uma guerrilha no campo, na região sul do país. Onofre foi um dos alvos centrais da emboscada preparada pelos agentes em Foz do Iguaçu. Onofre Pinto, que não havia acompanhado o grupo incialmente, foi levado para o mesmo caminho (estrada do Colono?) algumas horas após a morte de seus companheiros. Conduzido pela dupla Alberi e Otávio, o dirigente da VPR percebeu algo de errado na operação e tentou correr, mas foi detido e levado vivo para Foz do Iguaçu e morto após interrogatório sob tortura.

Figura 8Vitor Carlos Ramos

Vitor Carlos Ramos

Ao ter prisão decretada em 1969 entra clandestinamente no Uruguai. Segue para o Chile onde vive até a deposição de Allende em 1973. Muda-se então para Argentina, onde  conhece a militante da Juventude Peronista Suzana Machado, com quem passou a viver. Pouco antes do casamento dos dois, Suzana morreu grávida em um suspeito acidente automobilístico. Poucos meses depois, Vitor se liga ao grupo de Onofre Pinto, dirigente da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e tem o mesmo destino dos demais.

Seu caso foi reconhecido pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) em 30 de maio de 1996, como um novo caso desaparecido político, diferentemente de outras vítimas do mesmo episódio do Parque Nacional do Iguaçu (PR), que foram incluídas imediatamente na lista do anexo I da referida Lei.

 

A emboscada

O grupo foi atraído para uma emboscada armada dentro do Parque Nacional do Iguaçu. A Rural Willys levando Joel José de Carvalho, Daniel de Carvalho, José Lavechia, Vítor Carlos Ramos e Ernesto Ruggia em direção à morte. De repente, no meio da floresta, os cinco militantes caíram fuzilados pelo grupo de exterminio.  Os cães de guerra comandados pelos chefões do Centro de Inteligência do Exército executavam a fase final da Operação Juriti, que consistia em atrair exilados políticos para áreas fictícias de guerrilha e matá-los.

A ordem de execução partiu do Palácio do Planalto. O líder do grupo remanescente da Vanguarda Popular Revolucionária, Onofre Pinto, foi poupado num primeiro momento, e conduzido pelo grupo executor, comandado pelo coronel Paulo Malhães, para um local clandestino em Foz do Iguaçu, onde foi torturado e assassinado.  

O agente infiltrado Alberti foi assassinado cinco anos depois, assim como vários integrantes dos porões, em um processo de limpeza de arquivios.

Relatório de Ivan Seixas

A pedido da Comissão Nacional da Verdade, o ex-militante Ivan Seixas elaborou um relatório sobre o episódio.

As sucessivas capturas e assassinatos, sob torturas ou não, de militantes levaram ao desativamento da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) por decisão de seus militantes remanescentes, atuantes dentro das fronteiras do país, em junho de 1971. Seu líder máximo e histórico, o legendário ex-Capitão Carlos Lamarca, já havia rompido com a Organização devido a divergências políticas e à fragilidade da estrutura para a continuidade da luta contra a ditadura militar.

Uma tentativa de retomada da luta contra a ditadura por essa Organização foi tentada no final do ano de 1971 e reuniu militantes de vida ainda legal, atuantes dentro do Brasil, outros já clandestinos, que nunca se exilaram e vários exilados e outros banidos do país, por terem sido trocados pela vida de e diplomatas capturados pela guerrilha urbana. Essa iniciativa dos militantes remanescentes da VPR terminou na execução do massacre de seis militantes opositores ao regime na Granja São Bento, nas cercanias de Recife, estado de Pernambuco, em 8 de fevereiro de 1973, por obra do agente infiltrado José Anselmo dos Santos, conhecido como “Cabo Anselmo”, e comandada pelo famigerado delegado Sérgio Fleury e sua equipe de torturadores do Esquadrão da Morte.

Através de relatos ex-presos políticos e ex-exilados políticos, foi possível reconstituir a história de um grupo de militantes contra a ditadura militar que foi atraído para uma emboscada ao retornar ao Brasil, numa nova tentativa de retomada da luta contra o regime ditatorial.

Segundo esses relatos, o líder do grupo era Onofre Pinto, ex-Sargento do Exército e comandante da VPR no exterior (Chile e depois Argentina) e era composto pelo sapateiro José Lavechia, o metalúrgico Daniel José de Carvalho, seu irmão, o gráfico Joel José de Carvalho, o estudante Victor José Ramos e o estudante argentino Ernesto Ruggia. Um agente infiltrado no grupo atuava com a tarefa de arregimentar militantes para serem levados para a emboscada fatal. Segundo apurado, o grupo teria entrado no país clandestinamente no Brasil, foi capturado e levado para execução em algum ponto na fronteira com a Argentina.

Não havia informações de local onde teria sido efetuada a emboscada, nem a confirmação dos nomes dos militantes assassinados.

As fontes de informação

Ex-agentes da repressão em três estados distintos (Brasília, São Paulo e Paraná), num total de cinco fontes distintas entre si, três militares e dois civis participantes diretos ou indiretos da operação.

As cinco pessoas que decidiram dar informações sobre o massacre alegaram razões de ordem pessoal e de consciência em sua decisão de colaborar com as buscas aos desaparecidos políticos. Estavam e estão cientes de que não haverá remuneração de qualquer espécie em troca de sua colaboração.

A interlocução com essas fontes, que não sabem da existência das demais e não tiveram contato entre si, foram membros da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e jornalistas que cumpriram o papel de intermediários nesse contato delicado. Após a fase de interlocução, os contatos formalizados e dirigidos pela Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, com os interlocutores originais.

História apurada

Com base em informações obtidas em São Paulo com um militar da reserva, que atuou na repressão política, e com dois infiltrados nas Organizações de oposição, foi consolidada a informação de que Alberi Vieira Soares, ex-sargento da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, era agente infiltrado que tinha a tarefa de arregimentar militantes para os entregar para equipes do CIE (Centro de Informações do Exército), comandadas pelo então Capitão do Exército Ênio Pimentel Silveira, conhecido pela alcunha de “Doutor Nei”, para serem torturados e mortos em solo brasileiro.

Essa operação contou com o apoio operacional integrado das forças de repressão de países do Cone Sul, conhecido como Operação Condor, notadamente da Argentina, Chile e Uruguai. Por envolver cinco brasileiros e um argentino, abrigados em solo argentino, as forças coordenadas colaboravam para facilitar a passagem do grupo de militantes pela fronteira sem serem molestados por barreiras normalmente montadas.

O Capitão Ênio Pimentel Silveira, conhecido na “Comunidade de Informações” (rede de órgãos e de integrantes de órgãos de repressão militar da ditadura) pela alcunha de “Doutor Nei”, um conhecido torturador da Operação Bandeirante, do Departamento de Operação e Informações do Centro de Operações de Defesa Interna do Segundo Exército, sediado em São Paulo (DOI/CODI-II Exército) e do CIE (Centro de Informações do Exército). Enquanto a estrutura do DOI/CODI-II Exército esteve operante autonomamente, ele foi o responsável pela criação de centros clandestinos de torturas e extermínio de militantes contra a ditadura.

Entre esses centros clandestinos, os mais conhecidos são o “Sítio 31 de Março de 1964”, localizado no bairro rural de Parelheiros, zona Sul do município de São Paulo,  que tinha como proprietário o suposto empresário Joaquim Rodrigues Fagundes, e a “Casa da Morte de Itapevi”, também conhecida como “a Boate”, imóvel que funcionava nos fundos da Boate Querosene, de propriedade de um irmão do Sargento do Exército Carlos Setembrino, torturador conhecido pela alcunha de Pedro Aldeia, integrante do DOI/CODI-II Exército e desse centro clandestino de torturas e extermínio.

Em ambos centros clandestinos o Capitão Ênio se dedicava a cooptação de militantes que passavam a colaborar como infiltrados entre as organizações de oposição a ditadura militar e tornou-se conhecido por matar suas vítimas com injeção de SHELLTOX, potente veneno para sacrificar cavalos.

Depois de desativada a estrutura clandestina de assassinatos em série, Ênio Pimentel Silveira foi promovido a Coronel e comandou a Fortaleza dos Andradas, no município paulista do Guarujá. Nessa guarnição militar do litoral paulista, o temível “Doutor Nei” teria morrido com quatro tiros no peito, numa inverossímel versão de suicídio.

O Capitão Ênio, segundo as fontes de informação, mandou o infiltrado Alberi Vieira Soares, Sargento da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, organizar o retorno ao país de um grupo de exilados, de preferência banidos (militantes libertados em troca da libertação de diplomatas capturados pela guerrilha urbana), com a promessa de continuação da luta contra a ditadura, emboscá-los e executá-los.

Essa articulação recebeu o nome código de Operação Juriti e foi montada com o objetivo de demonstrar que o aparato de repressão política ainda era útil e necessário ao regime repressivo, pois ainda havia perigo para o regime militar.

Alberi Vieira Soares estava infiltrado na VPR – Vanguarda Popular Revolucionária pelo CIE – Centro de Informações do Exército e  atraiu para a morte os militantes brasileiros Joel José de Carvalho, Daniel José de Carvalho, Onofre Pinto, José Lavecchia, Victor Carlos Ramos e o militante argentino Enrique Ernesto Ruggia.O massacre dos seis militantes de oposição a ditadura aconteceu numa clareira dentro do Parque Nacional do Iguaçú, na margem direita da Estrada do Colono, no sentido norte-sul.

Foi apurado que o grupo de militantes entrou no Brasil pela fronteira com a Argentina, na Província de Misiones, na altura de Porto Moisés Lupion. Após sua entrada, o grupo foi levado para uma propriedade de uma pessoa de apelido Niquinho, que era um tio do agente infiltrado Alberi Vieira Soares e de lá foi levado para o local onde foram massacrados pelos agentes do CIE/São Paulo.

Segundo informações de uma fonte militar, que colaborou com as pesquisas, o sapateiro José Lavecchia exigiu uma arma para entrar em solo brasileiro e era o único militante que estava armado quando aconteceu o massacre.

Na noite de 14 de julho de 1974, o grupo foi transportado por uma perua Rural Willis, conduzida por um agente do CIE e direcionado pelo ex-sargento Alberi Soares até uma clareira, na altura do quilômetro seis da Estrada do Colono, que cortava o Parque Nacional do Iguaçú, local do massacre. Essa estrada não existe mais, pois foi fechada por determinação do governo federal quando foi criado o Parque Nacional do Iguaçú.

Ao chegar na clareira “foram acesos holofotes e o pessoal de São Paulo despejou uma carga de balas contra o grupo, que morreu sem poder se defender”, informa a fonte.

Segundo as fontes, o sapateiro José Lavecchia reagiu com a arma que exigira para entrar em solo brasileiro, mas foi morto de imediato, e o argentino Ernesto Ruggia sobreviveu alguns instantes antes de receber um tiro na cabeça, desferido a queima-roupa. “O velho (José Lavecchia) atirou em mim, mas foi metralhado e caiu. O argentino (Ernesto Ruggia), que era bem novinho e magrinho, não queria viajar, mas deram um jeito e ele acabou viajando”, conta a fonte.

Os corpos dos cinco militantes massacrados foram levados para um local perto da clareira e enterrados numa cova coletiva quando o grupo de assassinos esperava a chegada de suas vítimas.

Quando já amanhecia, Alberi e seu ajudante do CIE conduziram o ex-sargento do Exército Onofre Pinto, dirigente da VPR no exterior, comandante daquele grupo de militantes até a clareira. Ao perceber  o que acontecia, Onofre se atracou com Alberi e apertou seu pescoço com força numa tentativa desesperada de escapar da morte certa. Os agentes do CIE, Laecato, Camarão e o motorista da camionete que conduzia o grupo, o dominaram e o algemaram.

O infiltrado Alberi começou uma longa falação sobre as vantagens de mudar de lado, na tentativa de cooptação de Onofre Pinto que o transformaria num agente da ditadura e teria a tarefa de atrair mais militantes de oposição para a morte. Segundo a fonte, Onofre recusou a oferta e se dispôs a dar todo o dinheiro que tinha na Argentina para obter sua libertação das mãos dos agentes do CIE. A contra-oferta de Onofre foi recusada e os assassinos insistiram em transformá-lo em infiltrado. Segundo a fonte de informação, o líder da VPR pediu um tempo para pensar.

Onofre foi levado para o quartel do Batalhão de fronteira do Exército e afirmou ter aceitado se transformar em agente do CIE, com muita relutância. Por não acreditar na aceitação de Onofre, o Capitão Ênio Pimentel Silveira ligou para seus superiores, em São Paulo, para dar um informe da Operação Juriti e para pedir orientações sobre o que fazer com Onofre Pinto. Seus superiores imediatos eram os majores Paulo Malhães e José Brandt. Estes, por sua vez, consultaram o general Milton Tavares, Chefe do CIE. A decisão sobre o destino de Onofre Pinto foi que ele deveria ser executado, pois sua conversão não era confiável e poderia causar problemas para a ditadura.

Os assassinos do CIE aplicaram em Onofre Pinto uma injeção de SHELLTOX, usada para sacrificar cavalos e animais de grande porte, sob o pretexto de que seria uma droga para fazê-lo dormir e ser transportado para outro local. Seu abdômen foi rasgado com uma baioneta para ser introduzida uma pesada caixa de câmbio de motor de caminhão. Seu corpo foi amarrado por um fio de arame e jogado num rio perto de Foz do Iguaçú. Conforme relato do ex-sargento do Exército Marival Chaves, essa técnica era prática comum utilizada pelo Capião Ênio em seus muitos assassinatos na Boate, centro de torturas e extermínio de Itapevi, cidade da Grande São Paulo.

Informações da fonte ouvida

Uma importante fonte de informações militar foi ouvida em Brasília e forneceu a história acima relatada, mas fez as correções a seguir;

1- Diferente das informações iniciais, a fonte ouvida por esta Consultoria afirma que o torturador Sebastião Rodrigues, Major do Exército brasileiro conhecido pela alcunha de “Major Curió”, não participou da Operação Juriti;

2- Segundo a fonte ouvida, a equipe participante da emboscada era numerosa e atuou em vários municípios do Paraná e contou com a ajuda de órgãos da repressão militar argentina. No entanto, os assassinos participantes diretos do Massacre de Foz do Iguaçú foram:

a- Capitão do Exército Brasileiro Ênio Pimentel Silveira, vulgo “Doutor Nei”, chefe da equipe de assassinos;

b- Capitão do Exército brasileiro Paulo Malhães, vulgo “Doutor Pablo”, chefiou a equipe de apoio do massacre de Foz do Iguaçú;

c- Alberi Vieira dos Santos, ex- Sargento da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, agente infiltrado na VPR e articulador do massacre;

d- Ranulfo Octávio da Silva, soldado do Exército brasileiro, lotado no CIE – Centro de Informações do Exército. É policial civil do Paraná;

e- Laecato, policial militar do Rio de Janeiro, membro do Esquadrão da Morte do Rio de Janeiro, ativo torturador do centro clandestino de torturas e extermínio conhecido como “Casa da Morte”, em Petrópolis. Seu verdadeiro nome é Rubens;

f- Camarão, militar do Exército brasileiro, ativo torturador da “Casa da Morte”, centro clandestino de torturas e extermínio localizado no município de Petrópolis-RJ. Seu verdadeiro nome é Wantuir;

g- Presuntinho, militar do Exército brasileiro, ativo torturador da “Casa da Morte”, centro clandestino de torturas e extermínio localizado no município de Petrópolis-RJ. Seu nome verdadeiro não foi apurado;

A equipe de assassinos era toda composta por agentes do CIE – Centro de Informações do Exército e o comando geral das operações, inclusive dessa Operação Juriti, era do General Milton Tavares Coelho, chefe desse órgão militar à época dos fatos. Outros membros do CIE fizeram parte das operações, mas esse grupo não pode ser identificado e localizado.

Providências tomadas

Foi organizada uma equipe de buscas, perícia e escavações dos locais indicados pelas fontes, composta por membros do Ministério Público Federal de Foz do Iguaçú, um delegado da Polícia Federal, geólogos e geofísicos, peritos criminais, antropólogos forenses, fotógrafos e membros da Comissão especial de Mortos e Desaparecidos da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República. A presença dos integrantes do Ministério Público Federal e do Delegado da Polícia Federal garantiram a legalidade de todas as atividades de buscas e escavações.

Foram realizadas três expedições de buscas e escavações na clareira junto ao quilômetro seis da antiga Estrada do Colono, que cortava o Parque Nacional do Iguaçú. Todas as expedições respeitaram o seguinte roteiro de atuação:

a- A equipe de geólogos e geofísicos fazia as propecções e tomada de indícios do solo, com a utilização de equipamento de Radar de Solo, analisava as informações obtidas, determinava os locais com anomalias apontadas pelo Radar de Solo e demarcava os possíveis locais a serem escavados em busca de restos mortais;

b- A equipe legal, composta por membros do Ministério Público Federal, peritos legais e delegado da Polícia Federal, assistia toda a operação de escavação;

c- Constatado que não havia restos mortais dos militantes, a equipe concluía, por unanimidade, que o local estava descartado.

Conclusão

Esta Consultoria afirma que a história do Massacre de Foz do Iguaçu pode agora ser contada com certa precisão, embora nem todos os autores tenham sido identificados e localizados. Pelas informações coletadas com as fontes colaboradoras, o local do Massacre de Foz do Iguaçu foi localizado, embora não tenha se logrado localizar os restos mortais dos seis militantes.

Por ter a certeza de o local do massacre foi localizado, esta Consultoria entende que a área de análise deva ser ampliada e novas expedições de busca e escavações devam ser realizadas.

A equipe

 Eugênia Augusta Gonzaga, Procurdora Regional da República e Presidente da CEMDP;

Samuel Teixeira Gomes Ferreira, Perito Médico-Legista e coordenador científico da CEMDP;

Jorge Luís Porsani, Professor Titular do Departamento do Instituto de Astronomia, Geofísico e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo;

Ivan Akselrud de Seixas, Pesquisador e Colaborador da CEMDP;

Marcos Paulo Salles Machado, Perito Odontólogo-Legista;

Marina Nogueira Di Giusto, Perita Legista;

Vinicius Rafael Neris dos Santos, Pesquisador;

Bruno Poluha, Pesquisador;

Kátia Elisa Pinto, familiar do desaparecido Onofre Pinto

Paula Franco, coordenadora de Direito à Memória e à Verdade da Coordenadora-Geral de Direito à Memória e à Verdade e Apoio à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.

 
Luis Nassif

3 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Estupidez dos dois lados……

    56 –  10/05/70 – Alberto Mendes Junior- 1º Tenente PM – SP
    Esta é uma das maiores expressões da covardia e da violência de que era capaz o terrorista Carlos Lamarca. No dia 08/05/70, 7 terroristas, chefiados por ele, estavam numa pick-up e pararam num posto de gasolina em Eldorado Paulista. Foram abordados por policiais e reagiram a bala, conseguindo fugir. Ciente do ocorrido, o Tenente Mendes organizou uma patrulha. Em duas viaturas, dirigiu-se de Sete Barras para Eldorado Paulista. Por volta das 21h, houve o encontro com os terroristas, que estavam armados com fuzis FAL, enquanto os PMs portavam o velho fuzil Mauser modelo 1908. Em nítida desvantagem bélica, vários PMs foram feridos, e o Tenente Mendes verificou que diversos de seus comandados estavam necessitando de urgentes socorros médicos. Julgando-se cercado, Mendes aceitou render-se desde que seus homens pudessem receber o socorro necessário. Tendo os demais componentes da patrulha permanecido como reféns, o Tenente levou os feridos para Sete Barras.

    De madrugada, a pé e sozinho, Mendes buscou contato com os terroristas, preocupado que estava com o restante de seus homens. Encontrou Lamarca, que decidiu seguir com seus companheiros e com os prisioneiros para Sete Barras. Ao se aproximarem dessa localidade, foram surpreendidos por um tiroteio, ocasião em que dois terroristas – Edmauro Gopfert e José Araújo Nóbrega – desgarraram-se do grupo, e os cinco terroristas restantes embrenharam-se no mato, levando junto o Tenente Mendes. Depois de caminharem um dia e meio na mata, os terroristas e o tenente pararam para descansar. Carlos Lamarca, Yoshitame Fujimore e Diógenes Sobrosa de Souza afastaram-se e formaram um “tribunal revolucionário”, que resolveu assassinar o Tenente Mendes. Os outros  dois, Ariston Oliveira Lucena e Gilberto Faria Lima, ficaram vigiando o prisioneiro.

    Poucos minutos depois, os três terroristas retornaram. Yoshitame Fujimore desfechou-lhe violentos golpes na cabeça, com a coronha de um fuzil. Caído e com a base do crânio partida, o Tenente Mendes gemia e se contorcia em dores. Diógenes Sobrosa de Souza desferiu-lhe outros golpes na cabeça, esfacelando-a. Ali mesmo, numa pequena vala e com seus coturnos ao lado da cabeça ensangüentada, o Tenente Mendes foi enterrado. Em 08/09/70, Ariston Lucena foi preso pelo DOI-CODI e apontou o local onde o tenente estava enterrado.

    1. Só que um dos lados se defendia; o outro, estatal, atacava.

      “We have no compassion and we ask no compassion from you. When our turn comes, we shall not make excuses for the terror. But the royal terrorists, the terrorists by the grace of God and the law, are in practice brutal, disdainful, and mean, in theory cowardly, secretive, and deceitful, and in both respects disreputable”. Karl Marx

  2. um país que passa por isso e a todos perdoa…

    mas fazendo questão de continuar perseguindo, impedindo, condenando sem provas, prendendo sem julgamento

    e matando os mais fracos,

    nunca será um país sério e civilizado

    e nunca poderá garantir que não vai se repetir

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador