Continuo preso, diz Capitão Marinho, oficial negro do Exército

Por: Redação – Fonte: Afropress: Foto: Álbum de fotos do Capitão Marinho no Facebook – 7/2/2011 Salvador – O bacharel em Direito e oficial negro do Exército, Mário Soares Júnior, o Capitão Marinho, que esteve preso por oito dias no início deste ano numa unidade do Exército, por “motivos disciplinares”, segundo a cúpula do Exército, voltou a sofrer restrições à sua liberdade, ao se reapresentar no quartel do 3º Batalhão Logístico do Exército em Bagé, Rio Grande do Sul.

Marinho está proibido de se ausentar da cidade gaúcha sem autorização por escrito do comandante da unidade. “Ou seja, continuo preso, visto que meu direito de ir e vir mais uma vez foi cerceado de forma brutal”, escreveu no seu blog.

Ele também disse ter sido designado para exercer uma função que não existe no regulamento do Exército, recebeu a chave de uma sala para ficar durante o expediente e teve o direito às férias atrasadas negado, sob a alegação de que já tinha passado o prazo regulamentar para o pedido.

“Trabalho que é bom, não recebi nenhum. Será que alguma empresa privada paga salário, ainda que seja muito menor do que eu recebo no Exército, para que seu funcionário fique olhando o tempo passar? Além, de ser humilhante para mim, é um total descaso com o dinheiro público”, afirmou.

A perseguição ao militar começou após a publicação do livro“Exército na Segurança Pública: uma guerra contra o povo brasileiro”, em que faz críticas ao envolvimento dos militares em ações de Polícia, como no caso da participação na invasão do Morro do Alemão e Vila Cruzeiro, no Rio.

“Os armamentos adotados pelos militares têm capacidade de perpassar e destruir várias pessoas, pois os militares têm na força de seus armamentos a condição única de sua existência”, diz o capitão num trecho do livro.

“Reza o Protocolo da ONU – sobre o uso de armas pelos guardiões da lei – que o emprego da arma de fogo em atividades de segurança deverá ser sempre comedido e na proporção do delito. Logo, a atividade de segurança pública desenvolvida pelo Exército é uma afronta ao Estado Democrático de Direito”, afirma no livro e em entrevistas como ao Jornal Tribuna da Bahia.

Em entrevista, por e-mail ao editor de Afropress, jornalista Dojival Vieira, o Capitão Marinho, contou não ter sido bem tratado durante os oito dias em que permaneceu preso. “As condições de qualquer prisão são sempre as piores possíveis. Argumentaram que eu tinha desertado do Exército”, acrescentou.

Leia, na íntegra, a entrevista do Capitão Marinho.

Afropress – O senhor atribui a sua prisão ao seu livro “Exército na Segurança Pública: uma guerra contra o povo brasileiro”. Como é que ela foi comunicada, quando e por ordem de quem?

Capitão Marinho – Não, mas também não descarto esta possibilidade. Quando cheguei ao quartel para trabalhar fui informado pelo oficial de dia que eu estava preso, no dia 7 de janeiro, por ordem do comandante do 3º Batalhão Logístico do Exército (Bagé-RS)

Afropress – Quantos dias o senhor permaneceu preso e onde? Quais as condições da prisão e em que ela se baseia?

Capitão Marinho – Permaneci preso oito dias. As condições de qualquer prisão é sempre as piores possíveis. Argumentaram que eu tinha desertado do Exército.

Afropress – O senhor foi bem tratado, nos dias em que permaneceu preso nas dependências do Exército?

Capitão Marinho – Não.

Afropress – Qual foi a solidariedade que o senhor recebeu e de quem?

Capitão Marinho – Recebi solidariedade do Brasil todo, eu tive uma surpresa muito positiva como a mobilização que foi feita em prol da minha liberdade. Aqui no Sul, gostaria de ressaltar o apoio do Bispo Dom Gílio e do Senador da República Paulo Paim e toda sua equipe.

Afropress – Agora livre, qual a posição pretende adotar para dar continuidade a sua carreira militar?

Capitão Marinho – Vou encarar minha volta com muita naturalidade.

Afropress – Quando o senhor entrou no Exército e onde serve?

Capitão Marinho – Entrei em fevereiro de 1994 e sirvo no 3º Batalhão Logístico em Bagé-RS.

Afropress – Como surgiu a idéia do livro? O senhor considera que o Exército e as Forças Armadas continuam impermeáveis ao debate sobre a questão racial no Brasil? Quantos oficiais negros existem no Exercito na tropa e na alta oficialidade, incluindo generais? Como foi o caso da denúncia que o senhor fez de que a Biblioteca do Exército lançou com dinheiro público o livro “Não somos racistas” do jornalista Ali Kamel?

Capitão Marinho – A idéia do livro surgiu pelo fato da atividade do Exército não ter nenhuma semelhança com a atividade de polícia, pelo menos em um Estado Democrático de Direito. Não sei quantos oficiais negros existem no Exército, mas no Alto Comando do Exército nunca existiu um oficial negro. Quanto à denúncia do livro publicado pela BIBLIEX, publiquei no meu BLOG e articulei com algumas instituições que entrassem com uma representação na Procuradoria Geral da República.

Afropress – O senhor diz, em um dos trechos do seu livro que os militares têm a truculência como atributo inerente à profissão e a personalidade desenvolvida e cultuada nos quartéis é da agressividade, destemor à morte e de eliminação do oponente à qualquer custo”. O que o fez escolher a carreira militar?

Capitão Marinho – Ser militar é uma paixão inexplicável.

Afropress – Como vê a presença do Exército Brasileiro no Haiti, comandando a Força de Paz da ONU?

Capitão Marinho Uma presença estratégica, pois o Brasil anseia uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU.

Afropress – Que conselho o senhor daria para um jovem negro que pretende entrar nas Forças Armadas Brasileiras e seguir a carreira militar?

Capitão Marinho – Acredite nos seus sonhos e seja feliz!

Quem é

Mário Soares Júnior, é nascido em Salvador, Bahia, filho de José Mário Dias Soares e Darcy Maria de Queiroz Soares, casado com Maria Aurora e tem três filhas: Gabrielle, Isabella e Lohanny. É torcedor fanático do Bahia e tem como hobby jogar bola e ouvir samba de raiz. É um leitor contumaz. “Leio um pouco de tudo, livros de filosofia, direito, segurança pública, questões afirmativas, política, auto-ajuda, psicologia, literatura até os livros infantis da minhas filhas”, afirma.

Tem formação em Ciências Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras e pós-graduação pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais do Exército. É bacharel em Direito pela UCB; pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal pela UNESA; pós-graduado em Psicologia Jurídica pela UCAM; Gestor em Segurança Pública e Justiça Criminal pela UFF e Mestre em Direito pela UCAM.

Seu maior ídolo é Nelson Mandela, a quem considera o maior estrategista da humanidade. “Das centenas de biografia que li, de pessoas de todos os segmentos, a que mais me impressionou foi a de Nelson Mandela. Com muita tranquilidade afirmo que ele foi o maior estrategista da humanidade”, acrescenta.

Redação

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