Decreto de Trump sobre crianças só vale para casos novos

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Jornal GGN – Depois de grita internacional em torno do caso dos campos de crianças imigrantes separadas de seus pais, Donald Trump assinou ordem executiva, no dia 20, para impedir a separação familiar. Isso aliviria. Só que não. A ordem não muda a situação de cerca de 2,3 mil crianças já separadas dos pais detidos na fronteira. Só servirá para novos casos.

Outro ponto obscuro do decreto é como se deverá cumprir o prazo de 20 dias de retenção das crianças, conforme orientação da Suprema Corte americana de 1997. A informação é da Agência Brasil, em entrevista realizada com Luciane Tavares, advogada brasileira especializada em imigração nos Estados Unidos. Ela avisa que a ordem não afeta nenhuma criança que já esteja nas mãos do Estado e que ainda terão que ser localizadas pelos pais ou responsáveis.

Segundo ela, que mora na Flórida, o que alterou foi a aplicação da política de tolerância zero de agora em diante. Disse que as crianças e adolescentes sob custódia ainda precisa de atenção, porque nada mudou para eles. Atualmente, o que acontece, é encontrar amigos, parentes ou voluntários para manter essas crianças ainda sob custódia do HHS (o departamento de Saúde e Recursos Humanos). E, mesmo localizadas, essas crianças permanecem, em muitos casos, por meses nesses centros.

Trump não resolve a situação ao declarar que é preciso ‘manter a unidade familiar’. Os adultos continuam a ser processados, mas a ordem é que a família deverá ser mantida unida ‘em local apropriado e consistente com a lei e os recursos disponíveis’. O texto expressa que pais que tenham antecedentes criminais não entram no decreto, mas não detalha quais crimes seriam considerados.

A advogada elembra que a decisão entra em conflito com a orientação da Suprema Corte sobre o prazo máximo de retenção das crianças, que não pode ser superior a 20 dias. Para isso, o procedimento judicial deveria ser apressado, pois que deveriam então ter prioridade. “Como já existe um problema de superlotação dos abrigos e um número excessivo de presos, é pouco provável que, na prática, esses casos sejam decididos em menos de 20 dias. Isso gerará um momento jurídico tenso por aqui”, destaca a advogada.

Luciane Tavares entende que o decreto só surgiu com objetivo de diminuir o desgaste pela repercussão global que o assunto provocou. Diz que é cedo para analisar como o governo implementará o novo modelo e nem como fará para cumprir os prazos. Mas aponta que, após o decreto, várias famílias começaram a buscar informações sobre pessoas que foram ilegalmente para os Estados Unidos.

Em 1987, devido ao mesmo problema nos Estados Unidos, organizações de defesa dos direitos humanos entraram com ação coletiva em nome de crianças imigrantes detidas pelo antigo Serviço de Imigração e Naturalização (INS). O questionamento era justamente os procedimentos de detenção, tratamento e liberação de crianças.

Foi decidido, em 1987, o então Acordo Flores, que impôs várias obrigações às autoridades de imigração, entre elas a de libertar as crianças da detenção de imigração sem atrasos desnecessários. Por ordem de preferência, liberá-las para pais, outros parentes, adultos ou programas certificados de custódia. Em caso de inexistência de locais adequados, o governo é obrigado a dar às crianças uma solução ‘menos restritiva’ adequada à idade e às necessidades especiais.

Foi divulgado pela imprensa americana os ações da gestão de Barack Obama, que deu orientação de ‘prender e soltar’. A alternativa era, justamente, evitar confrontos com o Acordo Flores. No governo de Obama, os Estados Unidos tiveram recorde de deportações, mas muitos casos eram de famílias presas na fronteira que eram devolvidas ao México, em alguns casos.

Com informações da Agência Brasil

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

6 Comentários

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  1. Nada de Novo
    Certamente não há espaço para perplexidade aqui. Qquer um que tenha minimamente acompanhado as ações e principalmente as intencoes desse governo, sabe que isso é mais do mesmo. Apenas variações de um tom já anunciado desde as primárias.

  2. O problema não é esse presidente dos EUA

    É a política de estado praticada faz tempo por seja quem for seu presidente.

    Uma pessoa que se eleja a cargo público daquele país e tente praticar algo diferente, não consegue se manter no cargo, os donos da iniciativa privada de lá ou o defenestram ou o anulam. De uma forma ou de outra o cargo de presidente da executivo daquele país é para ser meramente decorativo.

    Em tempo: “Concidentemente” EUA se retiram do Conselho de Diretos Humanos da ONU. Israel elogia a decisão e diz que não vai mais permitir à ONU verificações na Palestina.

    http://portuguese.people.cn/n3/2018/0620/c309808-9473060.html

    https://www.bbc.com/portuguese/internacional-44545491

      1. O Conselho de Direitos

        O Conselho de Direitos Humanos da ONU não é criação dos EUA, caro André. Na verdade esse país se opôs à criação desse Conselho naquele órgão desde o início. (E daí que se pode ver que não se trata desse presidente de agora e sim de uma política de estado.)

        O pessoal da iniciativa privada dos EUA, que é a turma que realmente manda ali, tem ojeriza à qualquer coisa que seja democrática. Tanto que apesar de alardear serem a maior democracia do mundo, o que se vê ali é uma plutocracia, que, por sua vez, engana e faz de trouxa aos próprios cidadãos estadunidenses. Mas a ONU tem ficado cada vez mais democrática.

        Nesse sentido a ONU só interessou aos EUA quando não passava de mais um de seus departamentos de estado. E foi nessa condição – departamento de estado dos EUA – que a ONU engendrou a criação do país Israel, lembra?

        Agora, já faz tempo que os EUA desprezam a ONU. Lembra do episódio antes do ataque terrorista e unilateral ao Iraque, em que comissão da ONU disse que Sadam não tinha armas químicas?

  3. à medida que se avança com a tolerância zero…

    as crianças mais se aproximam do que aconteceu décadas atrás na Austrália, com a diferença de que hoje estão sendo criadas por bestas humanas autoritárias como órfãs de pais vivos………………………….

    aposto que o destino final de todas elas será um campo de concentração na Virginia, de onde serão distribuídas para crescerem com pouca educação, muito trabalho forçado e como vítimas de agressões e abusos sexuais

    e seguiremos adorando bestas humanas ou à espera de um pedido de desculpa que nunca virá

  4. O buraco é mais acima, está no 1% e seus súditos

    1 – O que pouco se fala é que, ao contrário da propaganda, não se trata, em grande parte dos casos, de imigrantes ilegais invadindo o país, mas de pessoas buscando asilo, por motivo de segurança, através de uma ponte fronteiriça em que a recepção a quem busca asilo foi substituída pela detenção automática como criminosos – anteriormente, não eram detidos nem processados nesta condição, outra novidade do terrorismo de estado de Trump. Muitas delas são do México, e é conhecida a situação de aumento da violência causada pelo tráfico de drogas, de que são vítimas também muitos jornalistas. A alegação Trumpista de que eram pessoas enviadas pelo tráfico, a seu serviço, caiu por terra ao serem reveladas as condições da maioria destas pessoas, muitas fugindo exatamente do tráfico e da violência direta e indiretamente dele resultante, e como sempre, fugindo da pobreza, que aumenta no mundo principalmente nos países ricos (ver vídeo 1), numa representação de que a concentração de renda que alimenta a espiral da desigualdade é um fato humanamente criado, como o aquecimento global, ambos os eventos negados descaradamente pelos seus maiores beneficiários – não fosse por outro motivo, apenas esta condição de vantagem seria suficiente para desacreditá-los. 

    2 – A charge do Renato Aroeira sobre os Herodes demonstra uma situação gravíssima: gerações inteiras estão sendo perdidas – deliberadamente jogadas pelos governos neoliberais – para a pobreza e a violência como únicas alternativas de que nem o exílio pode livrá-las; as que não são mortas são submetidas a tamanho trauma e desestabilização em fase de formação que terão suas vidas comprometidas provavelmente com efeitos duradouros em seus descendentes, com consequências imprevisíveis. Sociedades industriais cuja riqueza é criada e mantida pelas situações de exclusão nos países pobres ou em desenvolvimento, pessoas desses países expulsas de seus lugares pela violência de guerras civis locais, muitas alimentadas por aquelas sociedades ricas, não vêem outra alternativa a não ser bater à porta daqueles que vendem a ideia de sucesso e de que a terra dos homens e mulheres livres oferece a oportunidade de, “trabalhando duro, ser também um vencedor”. Sociedades ricas que destroem os países dos outros, com disputas comerciais desonestas, ou guerras civis para lucro de sua indústria de guerra, alegadamente em nome da democracia. Mas não resistem ao “reality check” quando são procuradas por cidadãos dos países invadidos real ou simbolicamente, muitos dos quais também idolatram a “America first” e estão dispostos a dedicarem suas vidas ao enriquecimento do país que nunca será deles, apenas para que lhes seja  permitido viver e manter suas famílias – nem essas migalhas a opulência dos super-ricos está disposta a distribuir. 

    A crueldade se apresenta de diversas formas, e a situação dos países de onde estas pessoas saem também deveria ser alvo de análises para que dedicássemos parte de nossa indignação também com a causa estrutural desta tragédia humanitária: ricos, países ou pessoas, não são bonzinhos, nem se quisessem porque o egoísmo individualista e classista é a razão de sua condição sócio-econômica; deve-se combater os métodos trumpistas mas deve-se também cobrar dos países de onde estas pessoas estão fugindo, incluindo o Brasil, por que a estas pessoas se submeter a situação tão humilhante e vexatória é muitas vezes preferível do que ficar em seu país. Brasil, México e todos os outros países de onde estes migrantes buscando asilo saíram são relativamente tão responsáveis por esta calamidade quanto o governo dos EUA, por não defenderem a soberania de seus países e a dignidade de seus povos, não apenas com  a aceitação de colonizados cúmplices mas buscando ativamente a submissão de suas nações. Esta é apenas uma pequena amostra de um problema com o qual  o século XXI terá que lidar, a onda mundial massiva de migração provocada pelas desigualdades e discriminações, pela violência e por problemas ambientais decorrentes de outra questão estrutural que os países ricos estão, como é de esperar que continuem a fazer se não houver mobilização social permanente, jogando para a conta dos países pobres e em desenvolvimento, as mudanças climáticas, o aquecimento global, a escassez de água e de recursos naturais, dis/funções inerentes à exploração capitalista, em condição extrema, in extremis. 

    O que está em questão é mais que a situação destas crianças, elas simbolizam o tipo de sociedade que temos, que marginaliza, tortura, humilha e exclui todos os excedentes descartáveis em sua visão de espoliação onde mais é menos – mais lucro é menos solidariedade, mais sucesso é menos responsabilidade e compromisso com @ Outr@, mais conforto é menos natureza – e natureza é sinal de primitivismo -, mais pobreza é menos concorrência, mais desigualdade é menos pagamento de imposto pelos ricos, mais morte é menos despesa para governos. Quem pode, em sã consciência, escolher manter um sistema como esses? Essa a função dos meios de comunicação e entretenimento, convencer as pessoas de que não há alternativas, de que se é ruim assim, pior será se tentarmos outras possibilidades de vida coletiva e individual, vende-se a peso de ouro  a idéia de que tentar se ajustar a esse sistema porco é mais racional e inteligente – a lei do menor esforço – do que tentar mudá-lo para que seja melhor para a maioria de maneira funciona inclusiva e não estruturadamente exclusiva. 

    Nesse cenário, os mais fracos ou menos beligerantes são as vítimas imediatas: mulheres, crianças, idosos, não-brancos, o mundo natural como alteridade material e simbólica, e é interessante que qualquer análise dos maiores problemas do mundo por esta perspectiva confirma que a sociedade construída pela visão patriarcal-capitalista vitima preferencialmente estes grupos, que são os mais atingidos pelo empobrecimento, violência e desigualdade no mundo. Portanto, este é apenas um sintoma de uma doença crônica chamada capitalismo em sua fase ultraneoliberal.

    Alguns excertos do reflexo dessa situação pelo mundo do trabalho:

    Entrevista feita pela Vice, reproduzido no site Outras Palavras, deste pela IHU Online e finalmente pelo site Carta Maior, onde tive acesso:

     

    “A sociedade dos empregos de merda

    “Como o capitalismo contemporâneo cria sem cessar ocupações inúteis, enquanto remunera muito mal as mais necessárias. Quais as alternativas? Garantia de trabalho? Ou Renda Cidadã Universal?, indaga David Graeber

    Por  IHU OnLine

    10/06/2018 12:49

     

    Como o capitalismo contemporâneo cria sem cessar ocupações inúteis, enquanto remunera muito mal as mais necessárias. Quais as alternativas? Garantia de trabalho? Ou Renda Cidadã Universal?, indaga David Graeber, entrevistado por Eric Allen Been na Vice e reproduzido por OutrasPalavras, 08-06-2018. Tradução de Antonio Martins.

    Em 1930, o economista britânico John Maynard Keynespreviu que, no final do século 20, países como os Estados Unidos teriam – ou deveriam ter – jornadas de trabalho de 15 horas semanais. Por que? Em grande medida, a tecnologia tiraria de nossas mãos tarefas sem sentido. Claro, isso nunca ocorreu. Ao contrário, muitíssimas pessoas, em todo o mundo, estão submetidas a longas jornadas como advogados corporativos, consultores, operadores de telemarketing e outras ocupações.

    Mas enquanto muitos de nós julgamos nossos trabalhos muito aborrecidos, algumas ocupações não fazem sentido algum, segundo o escritor anarquista David Graeber. Em seu novo livro, Bullshit Jobs: A Theory [“Trabalhos de Merda: Uma Teoria”], o autor argumenta que os seres humanos consomem suas vidas, muito frequentemente, em atividades assalariadas inúteis. Graeber, que nasceu nos EUA e que já havia escrito, entre outras obras, Dívida: Os Primeiros 5000 anos e The Utopia of Rules [ainda sem edição em português] é professor de Antropologiana London School of Economics e uma das vozes mais conhecidas do movimento Occupy Wall Street(atribui-se a ele a frase “Somos os 99%”).

    A “Vice” encontrou-se há pouco com Graeber para conversar sobre o que ele define como “emprego de merda”; por que os trabalhos socialmente úteis são tão mal pagos, e como uma renda básica assegurada a todos poderia resolver esta enorme injustiça.

    Eis a entrevista.

    Em primeiro lugar, o que são empregos de merda e por que existem?

    Basicamente, um emprego de merda é aquele cujo executor pensa secretamente que sua atividade ou é completamente sem sentido, ou não produz nada. E também considera que se aquele emprego desaparecesse, o mundo poderia inclusive converter-se num lugar melhor. Mas o trabalhador não pode admitir isso – daí o elemento de merda. Trata-se, portanto, em essência, de fingir que se está fazendo algo útil, só que não.

    Uma série de fatores contribuiu para criar esta situação estranha. Um deles é a filosofia geral de que o trabalho – não importa qual – é sempre bom. Se há algo em que a esquerda e a direita clássicas frequentemente estão de acordo é no fato de ambas concordarem que mais empregos são uma solução para qualquer problema. Não se fala em “bons” trabalhos, que de fato signifiquem algo. Um conservador, para o qual precisamos reduzir impostos para estimular os “criadores de emprego”, não falará sobre que tipo de ocupações quer criar. Mas há também partidários da esquerda insistindo em como precisamos de mais ocupações para apoiar as famílias que trabalham duro. Mas e as famílias que desejam trabalhar moderadamente? Quem as apoiará?

    Até mesmo os empregos de merda garantem a renda necessária para que as pessoas sobrevivam. No fim das contas, por que isso é ruim?

    Mas a questão é: se a sociedade tem os meios para sustentar todo mundo – o que é verdade – por que insistimos em que os trabalhadores passem sua vida cavando e em seguida tapando buracos? Não faz muito sentido, certo? Em termos sociais, parece sadismo.

    Em termos individuais, isso pode ser visto como uma boa troca. Mas, na verdade, as pessoas obrigadas a tais trabalhos estão em situação miserável. Podem considerar: “estou ganhando algo por nada”. Bem, as pessoas que recebem salários bons, muitas vezes de nível executivo, certamente de classe média, quase sempre passam o dia em jogos de computador ou atualizando seus perfis de Facebook. Quem sabe, atendendo o telefone duas vezes por dia. Deveriam estar felizes por ser malandros, certo? Mas não são.

    As pessoas contratadas para tais trabalhos relatam, regularmente, que estão deprimidas. E se lamentarão, e praticarão bullying umas contra as outras, e se apavorarão com prazos finais porque são de fato muito raras. Porém, se pudessem buscar uma razão social no trabalho, uma boa parte de suas atividades desapareceria. As doenças psicossomáticas de que as pessoas padecem simplesmente somem, no momento em que elas precisam realizar uma tarefa real, ou em que se demitem e partem para um trabalho de verdade.

    Segundo seu livro, a sociedade pressiona os jovens estudantes para buscar alguma experiência de emprego, com o único objetivo de ensiná-los a fingir que trabalham

    É interessante. Chamo de trabalho real aquele em que o trabalhador realiza alguma coisa. Se você é estudante, trata-se de escrever. Preparar projetos. Se você é um estudante de Ciências, faz atividades de laboratório. Presta exames. É condicionado pelos resultados e precisa organizar sua atividade da maneira mais efetiva possível para chegar a eles.

    Porém, os empregos oferecidos aos estudantes frequentemente implicam não fazer nada. Muitas vezes, são funções administrativas onde eles simplesmente rearranjam papéis o dia inteiro. Na verdade, estão sendo ensinados a não se queixar e a compreender que, assim que terminarem os estudos, não serão mais julgados pelos resultados – mas, essencialmente, pela habilidade em cumprir ordens.

    E os empregos tecnológicos ou na mídia. Seriam, também, de merda?

    Certamente. Por meio do Twitter, pedi às pessoas que me relatassem seus empregos mais sem sentido. Obtive centenas de respostas. Havia um rapaz, por exemplo, que desenhava banners publicitários para páginas web. Disse que havia dados demonstrando que ninguém nunca clica nestes anúncios. Mas era preciso manipular os dados para “demonstrar” aos clientes que havia visualizações – para que as pessoas julgassem o trabalho importante.

    Na mídia, há um exemplo interessante: revistas e jornais internos, para grandes corporações. Há bastante gente envolvida na produção deste material, que existe principalmente para que os executivos sintam-se bem a respeito de si próprios. Ninguém mais lê estas publicações.

    A automação é vista, muitas vezes, como algo negativo. Você discorda deste ponto de vista, não?

    Certamente. Não o compreendo. Por que não deveríamos eliminar os trabalhos desagradáveis? Em 1900 ou 1950, quando se imaginava o futuro, pensava-se: “As pessoas estarão trabalhando 15 horas por semana. É ótimo, porque os robôs farão o trabalho por nós”. Hoje, este futuro chegou e dizemos: ”Oh, não. Os robôs estão chegando para roubar nossos trabalhos”. Em parte, é porque não podemos mais imaginar o que faríamos conosco mesmo se tivéssemos um tempo razoável de lazer.

    Como antropólogo, sei perfeitamente que tempo abundante de lazer não irá levar a maioria das pessoas à depressão. As pessoas encontram o que fazer. Apenas não sabemos que tipo de atividade seria, porque não temos tempo de lazer suficiente para imaginar.

    Pergunto: por que as pessoas agem como se a perspectiva de eliminar o trabalho desnecessário fosse um problema? Deveríamos pensar que um sistema eficiente é aquele em que se pode dizer: “Bem, temos menos necessidade de trabalho. Vamos redistribuir o trabalho necessário de maneira equitativa”. Por que isso é difícil? Se as pessoas simplesmente assumem que é algo completamente impossível, parece-me claro que não estamos em um sistema eficiente.

    Um dos pontos mais interessantes do livro são suas observações sobre como os empregos socialmente valiosos são quase sempre menos bem pagos que os empregos de merda.

    Foi uma das coisas que, pessoalmente, mais me chocou na fase da pesquisa. Comecei a tentar descobrir se algum economista havia observado o fenômeno e tentado explicá-lo. Houve antecedentes, na verdade. Alguns eram economistas de esquerda; outros, não. Alguns eram totalmente mainstream.

    Mas todos chegaram à mesma conclusão. Segundo eles, há uma tendência: quanto mais benefícios sociais um emprego produz, menor tende a ser a remuneração – e também a dignidade, o respeito e os benefícios. É curioso. Há poucas exceções e não são tão excepcionais como se poderia pensar. Os médicos, é claro, são um caso notório: é evidente que são pagos com justiça e oferecem benefícios sociais.

    Porém, há um argumento recorrente: “Não seria bom que pessoas interessadas apenas em dinheiro ensinassem as crianças. Não se deve pagar demais aos professores. Se o fizéssemos, teríamos gente gananciosa na profissão, em vez de professores que se sacrificam”. Há também a ideia de que se um trabalhador sabe que sua atividade produz benefícios, isso pode ser o bastante. “Como, você quer dinheiro, além de tudo?” As pessoas tendem a discriminar qualquer um que tenha escolhido um emprego altruísta, sacrificante ou apenas útil.

    Aparentemente, você é pouco favorável à ideia de garantia de trabalho, defendida entre outros por 

    Bernie Sanders [candidato de esquerda à presidência dos EUA], por preferir a garantia de renda cidadã.
    Sim. Sou alguém que não quer criar mais burocracia e mais empregos de merda. Há um debate sobre garantia de trabalho – que Sanders, de fato, propõe, nos EUA. Significa que os governos deveriam assegurar que todos tenham acesso ao menos a algum tipo de trabalho. Mas a ideia por trás da renda universal da cidadania é outra: simplesmente assegurar às pessoas meios suficientes para viver com dignidade. Além desse patamar, cada um pode definir quanto mais deseja.

    Acredito que a garantia de trabalho certamente criaria mais empregos de merda. Historicamente, é o que sempre acontece. E por que deveríamos querer que os governos decidissem o que podemos fazer? Liberdade implica em nossa capacidade de decidir por nós mesmos o que queremos e como queremos contribuir para a sociedade. Mas vivemos como se tivéssemos nos condicionado a pensar que, embora vejamos na liberdade o valor mais alto, na verdade não a desejamos. A renda básica da cidadania ajudaria a garantir exatamente isso. Não seria ótimo dizer: “Você não tem mais que se preocupar com a sobrevivência. Vá e decida o que quer fazer consigo mesmo”?

    Publicado originalmente no IHU OnLine. “

    https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Trabalho/A-sociedade-dos-empregos-de-merda/56/40550

     

    vídeo 1 

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=tXNjYtvcv5k%5D

    https://www.youtube.com/watch?v=tXNjYtvcv5k

    vídeo 2 

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=hUq0T8uc-08%5D

    https://www.youtube.com/watch?v=hUq0T8uc-08

    vídeo 3 

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=ZeZ4CakH1tI%5D

    https://www.youtube.com/watch?v=ZeZ4CakH1tI

    A trilha sonora do Brasil do Golpe (mais música que conheci pela queridinha Rádio UFMG Educativa – https://www.ufmg.br/online/radio/arquivos/002140.shtml

    Francisco, el Hombre – Tá com dólar, tá com Deus 

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=2S275TBFTbs%5D

    https://www.youtube.com/watch?v=2S275TBFTbs

    Francisco, el Hombre – Triste, louca ou má

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=lKmYTHgBNoE%5D

    https://www.youtube.com/watch?v=lKmYTHgBNoE

     

    Sampa/SP, 22/06/2018 – 15:17 (alterado às 15:32, 15:36 , 15:42 e 15:48). 

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