Descriminalização pode reduzir danos de drogas

Lilian Milena

Além de derrubar a maior fonte de renda do crime organizado, a legalização de drogas ajudaria a reduzir os danos sociais provocados pela dependência química que causam em parte dos usuários. É o que defendem pesquisadores.

O cientista político da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Jorge da Silva, faz parte dessa corrente. O professor, nascido e criado no Complexo de Favelas do Alemão, entrou para a PM aos 17 anos e se aposentou no cargo de chefe do Estado-Maior Geral, como coronel. Hoje, ao analisar a luta do Estado contra o tráfico de drogas, considera que o trabalho da segurança pública se resume a “enxugar gelo”.

Para ele, a repressão ao uso de algumas substâncias psicotrópicas jamais eliminará o consumo. Assim como o álcool e o cigarro, outras drogas devem ser legalizadas sob controle comercial e produtivo do Estado. “As drogas se resumem a um problema da polícia, tudo isso porque resolveram colocar nas mãos do sistema penal algo que é uma questão de Saúde Pública. O resultado é a falta total de controle do Estado sobre a produção e o consumo dessas substâncias, e milhares de latino-americanos matando latino-americanos, para alimentar os principais mercados consumidores: Estados Unidos e Europa”, reflete Jorge Da Silva.

Segundo Luciana Boiteux, Coordenadora do Grupo de Pesquisas em Política de Drogas e Direitos Humanos da UFRJ, no Brasil, 20% da população penitenciária responde a processos por venda ilegal de entorpecentes. No Rio de Janeiro a proporção atinge 50%.

Experiências

Em julho de 2000, o Parlamento de Portugal aprovou a descriminalização do uso de todas as drogas – de maconha à heroína – e o tratamento de viciados como pessoas doentes. Hoje, o usuário detido em flagrante, ao invés de ser condenado a um ano de prisão, é encaminhado a um conselho e, caso opte, é direcionado ao tratamento no sistema público de saúde.

Dez anos depois, ao contrário do que muitos temiam, o número de dependentes químicos não aumentou no país. Dados do governo português revelam que o número de morte/ano por overdose caiu de 400 para 290, e o consumo de maconha passou de 10 para 1% da população maior de 15 anos. Luciana, da UFRJ, explica que a queda se deu pelo aumento da informação e de oportunidades de tratamento.

Portugal foi o terceiro país da União Européia a descriminalizar o uso de drogas, depois de Espanha e Itália. Já a Holanda foi o primeiro país no mundo a legalizar o comércio de haxixe e cannabis (maconha) em coffeeshops e clubes para jovens, no final da década de 1970, ao fazer uma alteração na lei para distinguir drogas leves de drogas pesadas.

Em 2004, no relatório mundial sobre as drogas, a ONU afirmou que a Holanda estaria empreendendo uma mudança significativa na política relativa à cannabis, reduzindo o número de coffeeshops em funcionamento. O documento foi desmentido logo em seguida. Em nota, o governo holandês declarou que o consumo de cannabis no país não era preocupante, comparando o consumo entre os jovens holandeses com os de jovens de outros países europeus, “o que significa que nossa política não está dando maus resultados”.

Legalização versos descriminalização

Legalização não é o mesmo que descriminalização. Álcool e tabaco, por exemplo, são legalizados no país, sob controle de produção e comercialização do Estado. A descriminalização de drogas, como maconha, empregada em alguns países, limita-se a não culpar criminalmente o usuário pelo consumo de entorpecentes. Em Portugal, por exemplo, uma pessoa pode portar uma quantidade suficiente para consumir por até dez dias. Passando disso, responde criminalmente por tráfico.

O professor Jorge da Silva explica que, no Brasil, a lei nº 11.343/2006 deu um pequeno passo ao abordar as drogas como uma questão de saúde pública. A partir dela, portadores de entorpecentes considerados usuários não podem mais ser presos. Ainda assim, o usuário é considerado legalmente criminoso, recebendo algum tipo de advertência administrativa.

Luciana lembra que as experiências relacionada a descriminalização de drogas no mundo são muito recentes para se afirmar categoricamente que dão certo. Por outro lado, destaca que a criminalização de entorpecentes tem cerca de 100 anos no mundo – até então, drogas, sobretudo o ópio, eram livremente consumidas.

“O que podemos dizer é que esse modelo atual [de proibição total ao consumo de drogas] não atendeu aos seus objetivos declarados, não controlou o consumo e nem inibiu as vendas. Pelo contrário, só agravou o problema”, coloca. A professora completa que o modelo ideal de regulamentação de drogas é a que vem sendo aplicada aos poucos por países da Europa e Estados Unidos, com o foco em saúde pública, pela redução de danos, por meio da informação e prevenção, assim como já é feito com o álcool e o tabaco.

O psicólogo Luiz Paulo Guanabara, diretor da Pisicotropicus, ONG considerada pioneira no movimento antiproibicionista no país, entende que o Brasil não está preparado para legalizar todas as drogas.

“Acreditamos que a maconha deve ser inicialmente legalizada. Lembrando que legalizar significa regulamentar pela lei”, explica. “Devemos discutir, assim como é feito para com o tabaco e o álcool, como será a produção e distribuição, além das maneiras de impedir o acesso a crianças, menores e mulheres grávidas”.
 
Crack e Oxi

A regulamentação do uso de alguns psicotrópicos preocupa o aumento de consumo de drogas mais pesadas, como o crack e o oxi, produzidas a partir dos resíduos da cocaína e consideradas mais devastadoras. Dados do Departamento de Investigação sobre Narcóticos (Denarc) apontam que 30% dos usuários de oxi acabam morrendo após um ano de consumo da pedra.

Defensores da legalização de drogas destacam que a regulamentação resultaria no maior controle de qualidade dos químicos e que a oferta legal de cocaína, por exemplo, resultaria no fim do comércio de substâncias mais degradantes.

“O que percebemos é que tanto o crack como o oxi são feitos de forma muito rudimentar, barata e causam mais rapidamente a dependência de quem os consome. Nesse sentido, se dermos condições de fornecer substâncias de melhor pureza, será possível reduzir o contato com substâncias mais degradantes como essas”, entende Luciana.

A pesquisadora ressalta que, acima de tudo, oxi e crack são problemas sociais, uma vez que a maioria absoluta dos seus usuários são pessoas há muito marginalizadas pela sociedade, como jovens e crianças de rua.

O exemplo da Lei Seca

Na década de 1920 os Estados Unidos aprovaram a 18ª Emenda, proibindo comércio e consumo de bebidas alcoólicas. Em 1933 aprovaram a emenda 21ª para derrubar a anterior.

O cientista social e ex-policial militar Jorge da Silva conta que, em princípio, a aplicação da lei reduziu em 30% o consumo de álcool naquele país, mas em poucos anos o nível voltou a subir. “O que os norte-americanos criaram com a proibição foi o crime organizado”, defende.

A proibição resultou na criação de estruturas paralelas ao mercado, e inúmeras maneiras de burlar a lei. Estima-se que, em 1925, na cidade de Nova York existiam cerca de 30 mil locais onde a venda e o consumo ilegal de bebida ocorriam. “Tamanha clientela implicava a necessidade de abastecimento em escala, o que ensejou outros conhecidos problemas: aumento da violência urbana, medida pela taxa de homicídio”, conta o professor.

A Lei Seca foi derrubada, porque se provou ineficiente. Mas, como ela vigorou apenas 12 anos, os norte-americanos conseguiram se lembrar como era antes de sua aplicação. Enquanto a proibição de outras drogas – como ópio e cocaína – ocorre há pelo menos cem anos.

Drogas sintéticas

O Relatório Mundial sobre Drogas da ONU, de 2010, aponta que o uso de drogas sintéticas, do tipo anfetamina e LSD, deverá ultrapassar nós próximos anos o de opináceos (derivados de ópio como morfina e heroína) e cocaína somados. Estima-se que 40 milhões de pessoas consumam entorpecentes sintéticos no mundo.

Segundo o documento, o mercado de anfetaminas e LSD é mais difícil de ser controlado, pois sua rota é curta, ou seja, a produção ocorre perto do mercado de consumo. O número de laboratórios clandestinos dessas drogas aumentou 20% em 2008. A questão que fica é: a legalização de algumas drogas conseguirá reduzir os danos do mercado ilegal que envolve a cada ano o surgimento de novos entorpecentes? 

Redação

1 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. LSD

    Na questão do LSD, vi um documentário que afirma que essa substância tem propriedades terapêuticas e sua proibição não possui embasamento científico. Pesquisando mais, vi que os danos do LSD são mínimos ao corpo e sua possibilidade de vício quase inexistente. Para quem duvida, pesquise 5 minutos que tudo ficará tão claro!

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador