Dilma, Aécio, Marina e “O Globo”: os direitos trabalhistas, ontem e hoje

O Globo, 26 de abril de 1962.

Em encontro com setores do empresariado na Associação Comercial e Industrial de Campinas (SP), nesta quarta-feira (17/09), Dilma Rousseff (PT) afirmou que não irá reduzir os “direitos trabalhistas, nem que a vaca tussa”. Assinalou garantias em defesa dos direitos às férias, ao 13º salário, às horas extras, entre outros. Sob o ponto de vista dos interesses da classe trabalhadora e da legislação social que lhe dá garantias contra a hiperexploração capitalista, seguramente trata-se de uma notícia alvissareira. Em que pesem os três mandatos consecutivos do PT na Presidência da República, sem que tenham ocorrido perdas de direitos na legislação trabalhista, por conta do processo eleitoral os ventos sempre podem mudar e os constrangimentos promovidos pelos setores conservadores e empresariais não deixam de buscar uma inflexão favorável à eufemística “flexibilização dos direitos trabalhistas”. Portanto, uma boa notícia aos trabalhadores e às trabalhadoras do Brasil, sobretudo em uma eleição presidencial cujas duas das principais candidaturas ao Palácio do Planalto revelam extremada simpatia das forças sociais norteadas pelo privatismo econômico e pela redução das garantias sociais ao trabalhador.

Aécio Neves (PSDB), há poucos meses, junto a um público de empresários, defendeu a flexibilização das leis trabalhistas, em particular a contratação temporária. Em evento promovido por centrais sindicais em São Paulo, no mês passado, afirmou, ao contrário, que não era adepto de tais medidas. Armínio Fraga, já anunciado por Aécio como ministro da Fazenda, na hipótese de vencer a eleição, em campanha não deixou de fazer menções críticas à política salarial estabelecida pelos governos petistas, argumentando que “o salário mínimo cresceu muito ao longo dos anos”. Marina Silva (PSB), por seu lado, esta semana teceu considerações favoráveis à “revisão das regras da CLT”, sem entrar em maiores detalhes. Em seu programa de governo, Marina ressalta a importância das conquistas históricas das leis do trabalho, sublinhando que pretende mantê-las. Contudo, ao estabelecer que a “relação contemporânea entre empregado e empregador não mais se restringe ao modelo do contrato com prazo indeterminado e jornada integral”, o programa marinista abre uma janela para possível adoção da precarização de direitos, com incentivo à contratação temporária. Dessa forma, não é demasiado argumentar que, da parte das candidaturas de Marina e Aécio, os direitos trabalhistas ficam sob a ameaça de perdas das conquistas históricas alcançadas a duras penas pelos/as trabalhadores/as.

Sob a cantilena de O Globo, as leis do trabalho há muito deveriam assegurar menos direitos aos trabalhadores. Na esteira da cosmovisão empresarial, e igualmente dando suporte à mesma, O Globo argumenta que a CLT, “se cumprida à risca”, faria com que “nenhum empregador hoje” esteja “imune a multas”. Ainda segundo o jornal da família Marinho: “A CLT parte do pressuposto de que o mau empregador seria a regra, e não a exceção” (O Globo, editorial, 01/05/2013). Em 1962, o jornal manifestou-se abertamente contra a instituição do 13º salário, um direito coletivo demandado, ao menos, desde a década de 1940 pela classe trabalhadora. Um projeto de lei do deputado trabalhista Aarão Steinbruch (PTB/RJ), aprovado na Câmara dos Deputados e sancionado pelo presidente João Goulart (PTB/RS). Tal direito foi, simplesmente, classificado como “desastroso” por Roberto Marinho. Ontem e hoje, O Globo preconiza os valores da empresa privada e os anseios empresariais, secundando, senão mesmo desqualificando os anseios e os direitos dos/as trabalhadores/as. Mas, o fez e o faz de maneira desinibida. Candidaturas como as de Aécio e Marina, bastante à vontade com a linha editorial do jornalão em demais assuntos, o acompanham com certa timidez sobre a legislação trabalhista. Encontram-se à caça de votos e as contradições, assim como a baixa clareza sobre o tema, convém a ambos os candidatos no momento.

Ademais, é bom frisar que, habitualmente, as entidades empresariais e os veículos massivos de comunicação apóiam a “flexibilização da legislação trabalhista”, com a justificativa de que isso poderia elevar a produtividade do sistema econômico nacional. Em nossos dias, não raro, tal argumento vem acompanhado da ideia de que o ansiado resultado poderia também aumentar a geração de empregos. Uma pretensa tese simpática apresentada pelo empresariado, que procura acentuar alguma atenção com o emprego. Uma concessão feita aos nossos tempos de democracia de massas. Todavia, na longínqua década de 1950, os setores empresariais se posicionavam e eram representados politicamente por atores que manifestavam de maneira mais explícita o que realmente pensavam dos direitos dos trabalhadores. Senão vejamos: “O sentimentalismo, que domina o espírito dos homens públicos do nosso país, tem resultado na substituição do estímulo ao trabalho pelo incitamento à preguiça coletiva, que se vai estendendo até os meios rurais. O trabalho já não é mais tão eficiente como em outros tempos”. Afirmações nuas e cruas feitas pelo senador fluminense Alfredo Neves (PSD), apoiado pelo então magnata das comunicações, e senador pelo PSD paraibano, Assis Chateaubriand (1). Alberto Pasqualini (PTB/RS), senador gaúcho reconhecido pelos contemporâneos como o “teórico do trabalhismo” – por conta da alta influência que possuía na elaboração programática do PTB –, na defesa dos direitos trabalhistas, avaliava criticamente aqueles argumentos conservadores, considerando que, “se tirarmos todas as consequências” dos ilustres colegas, “chegaremos à conclusão de que o ideal seria a escravidão” (2).

Hoje, as forças conservadoras e empresariais com muita dificuldade lançariam mão de argumentos tão explícitos contra os direitos trabalhistas. Os candidatos presidenciais que lhes são mais simpáticos, e sintonizados com suas agendas ( Marina e Aécio), igualmente denotam a mesma dificuldade. Mas, as ideias latentes e as intenções básicas, convenhamos, não são muito diferentes do passado remoto do conservadorismo nacional.

Por outro lado, não é desrazoável sublinhar que a presente eleição guarda uma séria lacuna, no que diz respeito aos direitos trabalhistas: entre as três principais candidaturas, sobretudo a de Dilma (que se poderia esperar um posicionamento a respeito), não há qualquer menção à redução da jornada de trabalho, sem diminuição dos salários, conforme proposta esposada pelas centrais sindicais. Eis aí uma bandeira importante, excluída do debate presidencial, em especial entre as candidaturas mais competitivas. Desde a edição da Consolidação das Leis do Trabalho (1942), já se passaram 72 anos e apenas 4 horas foram reduzidas do expediente legal (o limite era de 48 horas semanais, até a Constituição de 1988). O incremento tecnológico e o nível de produtividade da economia nacional foram substancialmente modificados no curso desse tempo, sem transferência significativa dos benefícios aos trabalhadores, no que tange particularmente à criação de maior tempo livre. O “direto ao ócio”, a que fazem referência o velho marxista Paul Lafargue e o sociólogo italiano Domenico de Masi, esse direito está completamente de fora do debate eleitoral. Aumento do tempo livre associado a uma maior geração de empregos, ideias combinadas à margem do debate entre os três principais postulantes à Presidência. Isso em que pesem as acentuadas inovações tecnológicas ocorridas nas últimas décadas, com incidência no sistema produtivo e no mundo do trabalho.

Em todo caso, sob o risco do incentivo à precarização dos direitos dos/as trabalhadores/as, que se expressa nas candidaturas Marina e Aécio, a afirmação explícita e sem tergiversação da presidente Dilma, a um público empresarial, é bastante positiva. Com isso, coloca-se decididamente a candidata petista na condição de barreira à perda de direitos dos/as trabalhadores/as.

Roberto Bitencourt da Silva – doutor em História (UFF), mestre em Ciência Política (UFRJ), prof. da FAETERJ-Rio e da SME-Rio.

(1) NEVES, Alfredo. Diário do Congresso Nacional. Rio de Janeiro, 21/06/1952, p. 5626.

(2) PASQUALINI, Alberto. Diário do Congresso Nacional. Rio de Janeiro, 21/06/1952, p. 5627.

Redação

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