Eleições 2018: falta combinar com os russos

Com o golpe de Estado praticamente consagrado, parece não haver outra alternativa às forças progressistas e esquerda em geral que discutir estratégias de retorno para 2018 – assunto que já vinha sendo abordado desde o início do ato final do golpe, o impeachment. Quem se propõe a discutir 2018 sempre esquece uma questão básica: combinou com os russos? Que eleição? Ou ao menos, em que termos? Aceitar a derrota e discutir 2018 é ignorar o que está se passando: vivemos uma ditadura sorrateira: sai a ostensividade da farda, entra a sisudez formalista da toga e dos camicie nere. O golpe é só a parte visível de uma ditadura que se articula nas entranhas do poder: temos um judiciário sem qualquer controle externo e com liberdade para legislar, aliada a uma imprensa sem controle, sem ética e sem pudores, escolada nos ideais nazistas de comunicação, ambos patrocinados pelo capital internacional – financeiro e das seis irmãs -, e um legislativo corrupto que se vende por preço de banana. Nesse contexto, o chefe de executivo vira só um detalhe, pronto para ser descartado, caso saia da linha – basicamente caso se contraponha ao reforço da estrutura perversa de desigualdade social e subordinação total aos interesses estadunidenses (me sinto tão anos 1960 falando isso).
Com o desenrolar dos fatos, volto meu pensamento ao dia seguinte à reeleição de Dilma, e me pergunto se ali já não estava dado o golpe e suas concessões eram tentativas desesperadas e infrutíferas de manter a casca democrática – que permitiria ao menos um alento de reversão do quadro. Sem sucesso na sua empreitada, veio o golpe de Estado encabeçado pelo informante dos EUA, mas que pode durar pouco – ao que tudo indica, dura somente até permitir eleições indiretas, ano que vem.
Grande imprensa, judiciário e capital internacional formam o triunvirato que determina o que pode e o que não pode no país – de políticas macro-econômicas a questões menores de cidadãos quaisquer. Temer é tosco demais para o cargo, e tenho dúvidas se seu saco de bondades ao triunvirato é suficiente para mantê-lo no cargo. Contudo, também tenho dúvidas se o judiciário quer assumir a cabeça da ditadura, ou prefere seguir comandando da surdina – há vantagens e custos em cada uma das escolhas (o §4 do Art. 5º da lei que regulamenta a eleição indireta, de 2013, anula as exigências de desincompatibilização de cargos e funções públicas). Vale lembrar que em 1964, Castello Branco não tomou de assalto o planalto: Jango quem teria abandonado o cargo, e o presidente do congresso chamou eleição indireta, na qual foi eleito o militar – tudo dentro da mais estrita legalidade constitucional e democrática.
Pode soar sem sentido falar em ditadura sem ditador, mas vale lembrar que o Brasil conviveu com uma “ditabranda” em que havia eleições e alternância de poder – jabuticabas é aqui mesmo, por que não uma ditadura sem um ditador, mas um consórcio sem rosto, pouco definido ao grande público?
Independente de quem seja o chefe de Estado ano que vem, há um esboço do que nos espera para os próximos sabe-se lá quantos anos (os otimistas dirão 2, os receosos, 21, os pessimistas preferem não chutar).
A lei será respeitada, como sempre. Se acaso a lei não servir ao donos do butim, muda-se a lei – todo golpe de Estado, depois de sacramentado, se torna legal. Se a lei não for respeitada, também não é problema, a grande imprensa deixa passar – desde que seja um ilegalidade de “boa-fé”. Há um exemplo dessa democracia vindo da Argentina: Macri atropelou as leis e o congresso para desmontar programas kirchneristas que não dependiam do seu voluntarismo – programas que tiveram que passar pelo crivo do legislativo antes de serem implementados.
A exemplo do que fez em São Paulo, em que polícia militar foi transformada em milícia política do PSDB, é de se esperar que as forças de segurança sigam o padrão político de repressão ao crime – por exemplo: PCC pode, torcida organizada que protesta contra o golpe, não. MST é terrorista e estudante logo vai virar. Mesmo diante da imprensa internacional a repressão política tem tido vez – um amadorismo surpreendente.
Não acredito no fim puro e simples do programas sociais – a relevância deles é tanta que não dá pra acabar -, mas haverá um componente extra de humilhação aos que precisarem depender deles – o fiscal de pretitude é um primeiro passo.
A possibilidade de um Estado de bem-estar social, isso virará lenda: a depender do grupo golpista no poder não sobrará pedra sobre pedra: papel do Estado é reprimir movimentos sociais, oposição política e ladrões de galinha. E é aqui que está o ponto fraco do governo atual: Temer sabe fazer política de sombras dos corredores de Brasília – ameaçar, chantagear, corromper -, não sabe fazer política de negociar e conciliar: nisso pode mexer em setores ainda fortes o suficiente para pôr o governo em xeque – professores universitários e diplomatas, por exemplo, ainda que estejam quietos, como se vivessem na Terra do Nunca -, e pôr tudo a perder. Não me parece digno do cargo que ocupada e pode ser ejetado tão logo seja dispensável.
Independente do que se passe na presidência, é de se esperar algumas mudanças legais. Provavelmente virá a tão apregoada reforma política, como modo de dar aparência de legalidade democrática à ditadura em curso e afastar por um tempo mais qualquer força progressista das esferas de decisão. Não consigo nem imaginar muito do que viria numa possível reforma do tipo – Coronel Mendes deve ter o projeto já pronto. Haverá substancial reforço às oligarquias partidárias e regionais, os setores arcaicos-tecnicamente equipados da política tupiniquim. As chances de aprovação do parlamentarismo também são grandes – por mais que o sistema já tenha sido duas vezes rechaçado pela população, mas a população é de pouca importância aos ditadores. Ainda que não haja clima pra tanto, provavelmente novas regras limitarão o número de partidos, e calarão aqueles que se põem à esquerda.
Daí perguntas fulcrais e por ora sem respostas aos que tentam vislumbrar 2018: haverá eleição? Se houver, quem poderá disputar? Se se seguir pelo caminho brando, PSOL poderá participar sem direito a participar de debates – fazendo antes papel de legitimador da farsa. O PT pode sequer existir – se existir, terá novamente a forte oposição goebbelsiana da grande imprensa. O principal nome da disputa, Lula, pode ser considerado desde já um ficha-suja, por mais que ainda não tenha sido julgado – pior, por mais que não tenham conseguido achar crime para imputá-lo. A perseguição aos seus familiares mostra o estado da obra do judiciário brasileiro; Protógenes Queiroz conhecia de dentro e tratou de pedir asilo político na Suíça, seria de bom tom os parentes do ex-presidente fazerem o mesmo, uma vez que se atacado por esse lado, Lula pode sentir. Quanto a Lula, infelizmente se tornou personagem fundamental para tentar evitar um retrocesso gigantesco do país, dado seu peso político interno e externo.
Ao que tudo indica, Temer conseguirá algo que parecia impossível: fazer com que a ditadura militar seja vista até com certa nostalgia: ao menos os militares tinham um projeto de nação e um concepção de desenvolvimento – excludente, parcial e subordinado aos EUA, mas desenvolvimento -; o grupo que tomou o poder tem como único projeto a pilhagem e o butim para fins pessoais, sua subordinação aos EUA não inclui nenhuma perspectiva de desenvolvimento e a exclusão social que suas propostas claramente acarretarão chocaria muitos dos escravocratas do segundo reinado (não, não estou defendendo a ditadura civil-militar, apenas alertando aos que tanto a criticam e acham que a situação está razoável o suficiente para não se mobilizar e ocupar as ruas).

10 de agosto de 2016.

Redação

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