Investir na igualdade das mulheres para que integrem a agenda de desenvolvimento humano

Relatório de Desenvolvimento Humano alerta que as desigualdades de gênero são generalizadas e perpassam todos níveis socioeconômicos de desenvolvimento, o que afeta a autonomia e a liberdade de mulheres e meninas

Investir na igualdade das mulheres e elevar seus padrões de vida e seu poder é fundamental para a agenda de desenvolvimento humano

por Eleonora Menicucci*, Maia Aguilera** e Tereza Campello***

O Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH), do Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento (Pnud) divulgado nesta segunda-feira, dia 9, apresentou novo
recorte, o Índice de Desenvolvimento de Gênero (IDG). O IDG aponta os mesmos
indicadores do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) — de saúde, educação e renda — em 166 países, mas com separação por gênero. Aproxima-se, assim, da orientação de 2015 dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), quando busca ir além das médias, explicitando as desigualdades de gênero, embora tenham passado quatro anos após as diretrizes da ODS.

O IDH já é um alerta para o Brasil, pois apontou que nosso país tem a segunda
maior concentração de renda do mundo, em que 1% dos mais ricos detém 28,3% da renda total do país. Em termos de injustiça, só perde para o Catar, onde 1% detém 29% da renda total da nação.

Pelo levantamento, o IDH dos homens foi de 0,761 e o das mulheres de 0,757, o
que gera um IDG, que mede a desigualdade entre os gêneros, de 0,995. O valor é menor que o de países como Uruguai (1,016), Rússia (1,015) e Venezuela (1,013), e maior que o de Argentina (0,988), Colômbia (0,986) e África do Sul (0,984).

No caso das disparidades de gênero, elas são as mais persistentes formas de
desigualdade entre todos os países do mundo. Considerando que atinge mais da metade da população mundial, a desigualdade de gênero é uma das principais barreiras para o
desenvolvimento humano no planeta. De acordo com o relatório, as desigualdades de
gênero são generalizadas e perpassam todos níveis socioeconômicos de desenvolvimento, e se reflete em discriminação nas áreas da saúde, educação, no espaço doméstico, no mercado de trabalho, o que afeta a autonomia e a liberdade de mulheres e meninas.

Até 1995, ano da IV Conferência Mundial sobre a Mulher, as disparidades de gênero
eram maiores do que atualmente, mas sua tendência era a diminuição, sobretudo nas áreas da educação e saúde. As duas últimas décadas viram progressos significativos na
educação, quase atingindo a paridade no desenvolvimento primário médio, e na saúde,
reduzindo-se a taxa de mortalidade materna em 45% desde 2000.

Mas ganhos em outras dimensões do empoderamento das mulheres não foram tão
intensos, e o avanço em relação à igualdade de gênero vem diminuindo a nível global. Há um revés para as mulheres, com retrocessos em diversos países do mundo, sobretudo aqueles nos quais se infiltraram os combatentes da “ideologia de gênero”, fomentadores internacionais da discriminação contra mulheres e LGBTs.

Trabalho, educação e autonomia econômica

A participação econômica das mulheres mostra uma gradação: quanto mais básicos
e precários são os empregos, maior é a presença das mulheres; conforme se sobe ao topo, menos mulheres estão nas estruturas de poder.

Globalmente, as mulheres realizam mais trabalho não remunerado que os homens,
com uma diferença de 44%. De acordo com o Relatório, as disparidades de gênero entre
trabalho remunerado e não remunerado e as gradações de empoderamento combinam
múltiplos elementos que restringem as possibilidades de escolhas das mulheres, vez que
restringem sua autonomia econômica e resiliência a choques externos. Nos países ditos em desenvolvimento, a maioria das mulheres que exerce trabalho remunerado está no setor informal, principalmente mulheres negras, no caso do Brasil.

Muito embora as mulheres estejam mais qualificadas do que nunca antes na história,
tendo novas gerações alcançado a paridade na educação primária, isso não se reflete na
igualdade no mercado de trabalho.

É o que ocorre no Brasil, em que as mulheres têm mais anos esperados de
escolaridade (15,8 frente a 15 dos homens) e em média (8,1 anos, versus 7,6 dos homens), mas ainda assim ganham 41,5% menos que os homens – a Renda Nacional Bruta (RNB) per capita, medida anualmente, da mulher, no entanto, equivale a US$ 10.432 contra US$ 17.827 do homem, com base em números de 2018.

Participação política

No caso da participação política, o padrão se repete. Quando consideradas como
eleitoras, mulheres e homens têm participação similar; entretanto, elas estão
sub-representadas quando se trata de assentos nos parlamentos.

O Brasil tem apenas 15% de mulheres nos legislativos, índice abaixo até da Nigéria, país com menor IDH do mundo, no qual as mulheres estão em 17% das cadeiras.

Combate à violência

Apesar do Índice de Desigualdade de Gênero levar em conta critérios de saúde,
educação e renda, o Relatório apresenta um anexo que trata da violência contra a mulher. Aponta como fundamentais para o enfrentamento à violência o acesso à educação e a autonomia econômica. Apesar de acontecer independente do nível de escolaridade das vítimas, mulheres com mais educação têm melhor acesso à informação e recursos que lhes permitem identificar que estão em situação de abuso e criar estratégias para romper o ciclo da violência.

Mas, sabemos que nenhuma mulher de nenhuma classe social,rompe o ciclo
sozinha.

Importância da igualdade de gênero

Os dados e análises apresentados no Relatório demonstram que o patriarcado e o
racismo são estruturais, e que o sistema capitalista super-explora as mulheres e, no Brasil, pessoas negras e indígenas, na medida em que lhe é inerente a divisão sexual e racial do trabalho, além da social. Isso, com os estereótipos de papéis de gênero, heteronormativos, nos colocam desafios na superação das desigualdades de gênero.

No nosso país, a ascensão do ultra-neoliberalismo, conjugado com o neo-fascismo,
trazem uma piora significativa para a vida das mulheres. O desmonte de direitos sociais e políticas públicas atingem sobretudo as mulheres, que são as responsáveis pelo cuidado da vida, as que mais trabalham e as mais pobres. O discurso de ódio institucional significa uma escalada de violências para restringir a liberdade e as escolhas das mulheres.

O próprio relatório aponta a necessidade de o Estado garantir uma rede de proteção
social e atuar para enfrentar as desigualdades, exatamente o oposto do que vem fazendo o governo brasileiro.

A expansão de oportunidades para mulheres e meninas, com a promoção de sua
participação política, econômica e social, a melhora do acesso à proteção social, emprego e recursos naturais são medidas fundamentais para fazer as economias mais produtivas, mesmo no âmbito do capitalismo, de acordo com o Relatório. Esses investimentos reduzem a pobreza e as desigualdades, não restando dúvidas que a promoção da equidade e da diversidade de gênero e raça são centrais para a transformação das nossas sociedades em mais justas.

*Eleonora Menicucci, ex-Ministra de Políticas para as Mulheres do governo Dilma Rousseff, é professora titular de Saúde Coletiva da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

**Maia Aguilera é membra co-fundadora da Rede Feminista de Juristas – deFEMde e
mestranda em Sociologia Jurídica na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
(USP).

***Tereza Campello, economista, doutora por notório saber em saúde pública, pesquisadora associada à Universidade de Nottingham e ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (governo Dilma)

Redação

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