Livro analisa surgimento das redes de extrema-direita quatro anos antes da eleição de Bolsonaro

Jornalista mostra as ligações entre páginas antipetistas surgidas ainda em 2014 que vão servir de base para a ação virtual da campanha de Bolsonaro na eleição seguinte

Fotos Públicas

Por Tiago Pereira

Da RBA

Ainda antes das eleições de 2014, quando grupos como o Movimento Brasil Livre e o Vem Pra Rua – que ficariam conhecidos pela mobilização virtual pelo impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff – sequer existiam, começava a se formar, no Facebook, uma rede de direita que, quatro anos mais tarde, desempenharia papel fundamental na eleição de Jair Bolsonaro à Presidência da República. Eram páginas com posicionamentos ainda difusos, que pregavam desde um discurso antifeminista a críticas às instituições democráticas. O que as unia era o radicalismo antipetista, que se resumia a um slogan conhecido que projetava um inimigo comum a ser combatido.

Esse é o tema do livro #Vaipracuba! : A Gênese das Redes de Direita no Facebook (Appris Editora), do jornalista Marcelo Alves dos Santos Júnior. Naquele momento, segundo o autor, havia certa euforia com o potencial político emancipador das redes sociais, que servia como ferramenta para articular mobilizações que derrubaram ditaduras no Oriente Médio, na chamada Primavera Árabe.

Por aqui, crescia o entusiasmo com iniciativas inovadoras de comunicação, como o coletivo Mídia Ninja, que também fazia o uso das redes sociais. Ao mesmo tempo, fora do radar dos principais atores e analistas políticos, se estruturava a rede que naquele momento se especializava em campanhas de difamação contra o PT e seus candidatos.

O que chamou a atenção do autor foi o crescimento expressivo da página TV Revolta, que produzia memes e outros conteúdos “antipolíticos”. Em menos de um mês, a página angariou mais de 1,5 milhão de curtidas no Facebook, tendo registrado o maior crescimento em todo o mundo no período, destaca Santos Júnior. Procurando por iniciativas similares, ele se deparou com o que chamou de “rede antipetista”, com mais de 400 páginas que se articulavam, com diversos tons e estilos, disparando conteúdos contra o partido.

“Era um ecossistema de direita bem amplo, com grupos mais militares, grupos mais conservadores na moral e nos costumes, outros mais liberais, que advogavam pela redução da participação do estado na economia. Algumas páginas utilizavam muito do humor, um humor vexatório, difamatório, ácido e hostil. Outras eram de nicho, com conteúdos antifeministas e misóginos, por exemplo.”

Ele relata que, já naquele momento, o então deputado federal Jair Bolsonaro e o autointitulado filósofo Olavo de Carvalho passam a figurar como lideranças desse “ecossistema”. “O principal argumento do livro é que não é possível entender o que aconteceu em 2018, sem entender o que aconteceu naquele período”, diz Santos Júnior. E diz também que o seu estudo demonstra que não é possível montar uma estratégia política de comunicação online de um dia para o outro. “Isso surgiu muito antes. O primeiro teste foi em 2014.”

Ele aponta três características básicas dessa rede de direita identificadas desde a sua origem. Para além do antipetismo, o conteúdo dessas páginas era “anti-esquerda”. Qualquer pauta minimamente associada a esse campo político, como a defesa dos direitos humanos, por exemplo, era imediatamente atacada por toda a rede. Se destacavam também como antipartidários, pois identificavam nos partidos estruturas de defesa dos interesses das elites e da burocracia. E mais do que isso, eram também antissistema, que segundo o autor, é “a antipolítica levada às últimas consequências, atentando contra o próprio jogo democrático e a divisão de poderes”.

Após o resultado das eleições, em 2014, esses grupos racham com a centro-direita, apontando a fraqueza do candidato do PSDB, o então senador Aécio Neves, derrotado por Dilma nas urnas. Passam também a acusar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso de ser “comunista”. É quando o Revoltados Online, outra página que ficou conhecida, passa a defender uma intervenção militar no país. Tudo isso abre caminho para Bolsonaro, na sequência, emergir como candidato natural desses grupos, que vão ter papel de destaque na campanha de 2018.

Além de chamar a atenção para um período ainda obscuro de atuação da direita nas redes sociais, Santos Júnior diz que as condições do seu surgimento ajudam a entender a dificuldade de articulação política desses grupos, agora que ascenderam ao poder a partir da eleição de Bolsonaro. “Eles utilizam um tipo de estratégia muito útil para se opor a um governo. Mas é péssimo quando é preciso compor com diferentes, quando precisam montar uma maioria no Congresso e defender suas próprias pautas. Não serve à conciliação e à composição. Funciona bem no caos, porque provoca o caos. Isso se volta contra esses mesmos grupos agora.”

Redação

4 Comentários

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  1. O “todos contra o PT, PT, PT” começou a ser montado em 2012. Foi quando ocorreram as demissões dos diretores da Petrobrás e as taxas de juros bateram no menor patamar. A renda fixa não estava “dando nada”. Neste momento o Sr FH percorria com desenvoltura todos os salões movendo mundos e fundos. Ainda em 2011 ele escreverá artigo na imprensa falando em “bater bumbo pra classe média”. É só ligar os pontos. Em 2013 a histeria com os preços do tomate foram “espontânea” só para quem acha que o prêmio de homem do ano para FH foi gratuito.

  2. O texto remete a 2014 como início dos movimentos de direita, quiçá 2012 como registrou um leitor. Fica então evidente que bolsonaro foi um bode escolhido, pois ele, e a turma que o cerca, não tem capacidade de planejamento para a semana seguinte.
    Vale destacar contudo que não foi um bucha escolhido ao acaso. Tratou-se de selecionar o pior entre os piores seres, pois desta forma qualquer merda posterior será bem vinda. O sr. Gilmar Mendes deveria agora vociferar contra este “projeto de poder”, assim como fez no curso do golpe juridico-parlamentar.
    Já no extrato do texto:
    “…quando precisam montar uma maioria no Congresso e defender suas próprias pautas.”
    Vale perguntar: Que pautas possuiriam esses bando de boca aberta?

  3. Há trës aspectos que devem ser considerados:
    1. Reportagens que antecederam as eleições de 2014 mostram que o PSDB, com Aécio Neves, recebeu assessoria de um estadunidense que trabalhou para o partido republicano.
    2. Foi nesse período que organizou-se a estratégia tipo marketing multinível ou al-quaeda, como desejarem.
    Isso pode ser visto por esses dias, quando células disseminavam informações aos seus membros.
    3. O PSDB foi engolido pelo monstro que criou, e o monstro escolheu um candidato antiPT.

    A conduta do monstro é interessante, pelo alto grau de coordenação.

  4. GUERRA HÍBRIDA
    Muito instigante a temática levantada sobre o livro #Vaipracuba! : A Gênese das Redes de Direita no Facebook (Appris Editora), do jornalista Marcelo Alves dos Santos Júnior.

    Como disse o comentário de Lucinei:
    [O “todos contra o PT, PT, PT” começou a ser montado em 2012 …. quando ocorreram as demissões dos diretores da Petrobrás e as taxas de juros bateram no menor patamar.] Note-se que, em 2012, realizou-se também o primeiro exercício de atuação conjunta da parceria estabelecida entre as organizações ativistas dominantes no judiciário e o Comando Vermelho da média empresarial, controlado pela GLOBO, com a apresentação de novos talentos,na série televisiva tragicômica – O MENSALÃO.

    Os estudos mais aprofundados, todavia, demonstram que a trama do GOLPE começou antes. Os estudos do Nassif apontam para o início da judicialização da política, em vários países, sob coordenação do DOJ – Department Of Justice, dos EUA, com base em legislação norte americana anti corrupção promulgada nos primeiros anos da década passada. A descoberta do Pré-Sal foi tornada pública em 2007. Em 2009 a 4ª Frota dos EUA voltou a operar em águas territoriais brasileiras e o, então, candidato do Capital à Presidência da República prometeu a Patricia Pradal, da Chevron, revogar a Lei da Partilha, que desagradava as grandes petroleiras internacionais, porque contemplava o interesse do povo brasileiro.
    https://www.pragmatismopolitico.com.br/2016/02/pre-sal-jose-serra-prometeu-a-chevron-que-entregaria-nosso-petroleo.html

    Também foi a partir de 2007 que a espionagem internacional passou a atuar mais fortemente no território nacional, quando foram roubados dados sigilosos da Petrobras.
    http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI2430297-EI6578,00-Exclusivo+furtados+dados+sigilosos+da+Petrobras.html

    Em 2012 foram identificados grampos telefònicos em áreas sensíveis da Petrobras e, até mesmo, no Gabinete da Presidência da República do Brasil.
    https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/09/130908_eua_snowden_petrobras_dilma_mm

    Em 2009 o DOJ-EUA realizou seminário para integrantes selecionados do judiciário brasileiro, em São Paulo. O único palestrista, até então, considerado brasileiro, era o agente Sérgio Moro.

    Iniciam-se efetivamente as operações de GUERRA HÍBRIDA em 2013.

    Com base nos levantamentos de dados realizados pelas agências de espionagem internacionais, foi realizado em 2013 o primeiro exercício de aplicação de tecnologias para mobilização de massas (PSYOPS). Cujo laboratório teria sido o extraordinário fenômeno observado em 2013, quando milhões de pessoas saíram às ruas, sem saber muito bem o que foram fazer lá. Como eles não sabiam (tem um ditado antigo que diz, cabeça vazia é o instrumento do Capeta), a GLOBO se encarregou de dar-lhes uma motivação para a revolta. Eles deveriam insurgir-se contra a PEC 37, que propunha colocar algum controle sobre as organizações militantes que se formavam no Ministério Público e, outro tema interessante seria protestar contra a “corrupção” no Governo Dilma.

    A partir daqui começa a importância da conexão dos fatos com o objeto do estudo descrito na temática proposta pelo livro “Vaipracuba!”. Porque é a partir daqui que as coisas se encaixam.

    Como ensina o mestre Steve Bannon, a base da técnica aplicada para mobilização de massas consiste em identificar as tendências do pensamento de diversos grupos da população e, uma vez identificados os grupos de interesse, eleger aqueles grupos que se destacam pelo alinhamento com o tema a ser propagado e, a partir daí, investir pesadamente em treinamento e tecnologias para impulsionar mensagens destinadas a atingir o maior número possível de segmentos de toda a população a ser influenciada. Como é que se faz isso?

    O jornalista Marcelo Alves dos Santos Júnior explica em seu texto, nesse trecho:
    (…)
    “O que chamou a atenção do autor foi o crescimento expressivo da página TV Revolta, que produzia memes e outros conteúdos “antipolíticos”. Em menos de um mês, a página angariou mais de 1,5 milhão de curtidas no Facebook, tendo registrado o maior crescimento em todo o mundo no período, destaca Santos Júnior. Procurando por iniciativas similares, ele se deparou com o que chamou de “rede antipetista”, com mais de 400 páginas que se articulavam, com diversos tons e estilos, disparando conteúdos contra o partido.”
    (…)
    Ora, se alguém se deparar com um jabuti trepado numa árvore, imediatamente saberá que alguém o colocou lá.
    Assim como uma manada de milhões de pessoas de classe média não se levanta de seus confortáveis sofás, elegantemente instalados em suas salas de dois ou três ambientes, e vai pra rua protestar, sem uma poderosa força que a impulsione, tampouco umas centenas de milhares de pessoas medíocres conseguiriam montar sites bem projetados e atingir audiências de milhões de pessoas, sem patrocínio, apoio de tecnologias sofisticadas e treinamentos de inteligência e estratégia especializados.

    Não se deve esquecer que essa turba já vinha sendo preparada há anos para enxergar na “política” a razão de todos os males, graças ao treinamento gratuito oferecido pela GLOBO diariamente, ensinando que os integrantes eleitos dos poderes Legislativo e Executivo são todos corruptos! Ponto. Ao passo que os integrantes do sistema judiciário, o empresariado, em geral (excetuados aqueles que se relacionam com referidos poderes) e, especialmente, os banqueiros, são exemplos de cidadãos capacitados e dignos, moral e legalmente inatacáveis.

    Prossegue o autor descrevendo características da Guerra Híbrida?
    (…)
    [Se destacavam também como antipartidários, pois identificavam nos partidos estruturas de defesa dos interesses das elites e da burocracia. E mais do que isso, eram também antissistema, que segundo o autor, é “a antipolítica levada às últimas consequências, atentando contra o próprio jogo democrático e a divisão de poderes”.]

    Ora, quem não se lembra do discurso pronto que propalavam os integrantes dos movimentos denominados pela imprensa de “jornadas de Junho” e “Não vai ter Copa”? Eles se diziam todos “apartidários, apolíticos e horizontais”, não era mesmo!!??

    Segue o autor na mesma vertente:
    (…)
    “Eles utilizam um tipo de estratégia muito útil para se opor a um governo. Mas é péssimo quando é preciso compor com diferentes, quando precisam montar uma maioria no Congresso e defender suas próprias pautas. Não serve à conciliação e à composição. Funciona bem no caos, porque provoca o caos. Isso se volta contra esses mesmos grupos agora.”
    (…)
    Esse trecho do texto, sob o ponto de vista da temática, ora em exame, poderia ser resumido numa única oração: Eles seguem exatamente o que foram orientados a seguir.

    Porque o objetivo das técnicas da Guerra Híbrida é exatamente esse. Impulsionar a formação do caos até que seja alcançado o objetivo definido. Depois de alcançado a força impulsionadora se retira e entra em campo os lobbies para recolher o espólio que sobrou sobre a terra arrasada, assim como aconteceu no Iraque, na Libia e na Ucrânia, onde, para coroar de êxito a operação, elegeram um palhaço para governar o país.
    Qualquer semelhança com fatos ou pessoas ou histórias reais não é mera coincidência.

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