Lula e os neo-Bandeirantes caçadores de homens

A História do Brasil é dividida em diversas etapas, cada uma delas contendo características distintas. Algumas coisas, contudo, são permanentes. Uma delas é o racismo. Outra é a caçada ao homem.

As animosidades entre os indígenas são pré-existentes. Mesmo pertencendo ao mesmo grupo étnico e tendo características culturais e linguísticas semelhantes, Tupis e Tupinambás já estavam em guerra quando cá chegaram os portugueses e os franceses. Os Tupis se aliaram aos lusitanos se tornando inimigos mortais dos franceses que, naturalmente, foram apoiados pelos Tupinambás.

O litoral paulista muito disputado acabou sendo totalmente controlado pelos portugueses. A França Antártica foi totalmente destruída e os Tupinambás que sobreviveram à guerra fugiram para o interior do Brasil.

Os colonos portugueses e seus filhos mestiços foram conquistando o território de São Paulo empregando sempre duas táticas: exploração das rivalidades entre as diversas tribos indígenas e; perseguição e caça dos índios bravios no interior para limpar os territórios a serem colonizados e fornecer mão-de-obra escrava aos colonos do litoral, onde os índios excedentes acabavam sendo obrigados a conviver em aldeamentos mistos onde seriam catequizados. A chegada da mão de obra africana, a colonização do planalto paulista, a mortandade dos índios (por causa das guerras, descimentos e morte por doenças adquiridas dos portugueses para as quais os nativos não tinham nem resistência imunológica nem medicamentos naturais), deslocou o foco da caça ao índio para a caça ao negro fugido.

Os mestiços paulistas, que falavam apenas a língua geral, se tornaram especialistas em desbravar territórios em busca de pedras preciosas e ouro e em caçar negros fugidos e em destruir Quilombos por toda Colônia. Os Bandeirantes, que num passado distante, não passavam de caçadores de homens, se tornaram os heróis dos paulistas num passado recente. E isto explica muita coisa sobre o que tem ocorrido na última década.

Através do Mensalão do PT, os descendentes dos Bandeirantes e aqueles que incorporaram os valores e práticas grotescas das Bandeiras caçaram e aprisionaram José Dirceu, João Paulo Cunha e José Genoino. A finalidade daquele espetáculo judiciário-midiático-político era limpar Brasília para que a cidade fosse colonizada por um dos dois candidatos tucanos oriundos de São Paulo: José Serra e Geraldo Alckmin. O fracasso desta empreitada reabriu a temporada de caça após a derrota do mineiro Aécio Neves, cujo vice não por acaso era também um paulista. Agora os neo-Bandeirantes estão caçando Lula. O objetivo continua sendo o mesmo: limpar o Planalto Central para que os caçadores de homens se instalem definitivamente naquele território.

Nesse sentido, a História do Brasil pode ser dividida em dois períodos, profundamente marcados pela mesma mácula. O primeiro, de longa duração, é aquele em que os caçadores tradicionais (os colonos, seus descendentes mestiços e modernos agregados) predominaram auferindo todos os benefícios da exploração do território e da gente sem eira nem beira. O segundo, de duração curtíssima e que ainda estamos vivendo, é aquele em que os descendentes dos caçados chegaram ao poder e começaram a distribuir a riqueza nacional de maneira mais equitativa sendo impiedosamente caçados com ajuda do Poder Judiciário.

Cinco séculos de História e o Brasil continua sendo um território de caça dos Bandeirantes paulistas. Os descendentes dos primeiros caçadores (e aqueles que se uniram aos mesmos apesar de serem filhos e netos de imigrantes recentes) seguem perseguindo impiedosamente suas presas tradicionais: os descendentes de índios e de negros (e os brancos pobres  que são equiparados aos demais em razão de não sermos racistas como disse Ali Kamel). Em algum momento as presas perceberão que a situação política realmente se inverteu e que podem passar da defensiva ao ataque impiedoso ao minúsculo grupo de neo-Bandeirantes que se considera inimigo ancestral da igualdade, da liberdade, da democracia e da pacificação do nosso território.

Quando o PT passar da defensiva à ofensiva, os descendentes dos caçadores de homens (de cujas bolas muitos de nós viemos, como diria Darcy Ribeiro) serão enfim as presas. Mas neste caso a caçada ao homem seguirá sendo a categoria mais importante na História do Brasil. De volta ao passado pré-colonial…

Os Tupinambás caçavam Tupis que caçavam Tupinambás. Segundo o saudoso Florestan Fernandes a finalidade da caça ao homem era a mesma nos dois grupos antagônicos aparentados. Sacrificar o cativo para vingar os agravos passados, recuperar a estabilidade grupal perdida em razão daqueles que foram sacrificados pelo inimigo irredutível e, é claro, causar sofrimento no grupo oposto. A carne do sacrificado era sempre devorada num banquete ritual que reforçava os laços entre os parentes das malocas. O moquém era acompanhado pelo consumo exagerado de cauim. As crianças sorviam um mingau feito com as tripas do falecido. De volta para o futuro…

A caçada ao Lula começou. Lula, contudo, já provou que não gosta de ser presa e que tem poder de reação. Aguardaremos a reviravolta vigorosa comandada pelo petista que transformará em caça os caçadores. Enquanto a caçada aos neo-Bandeirantes não começar e for concluída ficaremos sorvendo um mingau feito com as tripas da nação misturadas com a beberagem alcoólica nauseabunda  regurgitada diariamente pelos jornalistas da Folha, Estadão, Veja, O Globo, TV Cultura, Gazeta, Rede Bandeirantes, etc…

Fábio de Oliveira Ribeiro

2 Comentários

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  1. Darcy Ribeiro está se revirando em seu túmulo

    Fábio, você disse que os tubinambás e tupiniquins viviam em guerra muito antes da chegada dos portugueses? Essa noite Darcy Ribeiro vai puxar o seu pé. Ele garantiu que a vida dos índios brasileiros era “um luxo de viver”, sem guerras nem doenças…

    Os bandeirantes viraram mesmo heróis dos paulistas no século 19, mas apenas como ícones. Todos os retratos pintados que se encontram nos museus paulistas são fantasiosos. Em seu tempo, os bandeirantes eram mesmo um bando de caboclos muito mal vistos e considerados fora-da-lei pelo governo colonial, embora este com frequência utilizasse seus serviços como sertanistas ou mercenários. Os paulistas da atualidade, contudo, nada têm a ver com esses bárbaros ancestrais. Desde o século 19 o estado recebeu um enorme influxo de imigrantes que soterraram completamente a população original. O caráter atual dos paulistas é marcado pela mentalidade desses novos brasileiros, caracterizada pelo pragmatismo, a devoção ao trabalho, o empreendorismo e a construção do patrimônio, em contraste com a busca por um emprego pública que predominava no restante do país. Foi graças a eles que São Paulo tornou-se o estado mais rico e motor da economia brasileira. Embora esses imigrantes, em sua maioria, houvessem chegado aqui muito pobres e fossem tratados como substitutos dos escravos, a prosperidade permitiu-lhes substituir seus antigos patrões escravocratas – hoje em dia quase todos os ricos de São Paulo são descendentes desses imigrantes, e os antigos barões do café pertencem à História, onde fazem companhia aos antigos bandeirantes.

    De resto, é produto da imaginação julgar que esse paulista da atualidade tenha um sentimento nativista e exclusivista a ponto de fazer questão absoluta de ter um presidente paulista em Brasília. Como todo indivíduo pragmático, ele tem sua malha de interesses confessados e inconfessados, e pode tornar-se aliado ou inimigo de quem quer que seja o presidente.

    1. Errado. Darcy Ribeiro nunca

      Errado. Darcy Ribeiro nunca negou a existência de conflitos entre os índios. O que ele afirmou é que estes conflitos tinham uma natureza diferente daquela que passaram a ter após a chegada dos colonos num dia feio.

      Errado novamente. Os bandeirantes prestaram serviços ao governo colonial em quase todo território nacional (Palmares é apenas um exemplo).

      Errado uma vez mais. Os modernos paulistas tem uma mentalidade atrazada, racista e estão tão acostumados à rapina que consideram absolutamente normal a corrupção tucana no Metrô e na Fepasa. Todo paulista típico no fundo é um neo-Bandeirante e, em razão disto, crê que seus antagonistas fazem o mesmo que eles e, pior, que devem ser perseguidos como se fossem índios bravios e negros fugidos em razão de terem se corrompido (pois a corrupção impune é um direito ancestral apenas dos brutais caçadores de homens paulistas).

      Você imagina um Brasil que não existiu e que não existe. Portanto, ninguém estranhará o fato de você considerar imaginosa qualquer tentativa de descrever nossa História que não seja equivalente ao pesadelo que você gostaria de transformar em “Brazilian dream”.

      Entendeu tudo ou terei que ser mais didático?

       

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