MPF usou conversa (deturpada) entre Glenn e hacker para justificar acusação

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Procuradoria argumenta que o jornalista do The Intercept Brasil sabia que o crime estava em andamento, mesmo que a conversa entre Glenn e o hacker diga o contrário

Jornal GGN – Glenn Greenwald não foi investigado pela Polícia Federal porque existia uma medida cautelar do Supremo Tribunal Federal protegendo os direitos do jornalista. Ainda assim, o Ministério Público Federal encontrou um jeito de denunciá-lo na Operação Spoofing.

O procurador Wellington de Oliveira utilizou uma conversa entre Glenn e o hacker Luiz Molição, que ficou guardada em um dos equipamentos apreendidos pela PF quando a operação Spoofing foi deflagrada. A transcrição do diálogo foi divulgada na própria peça de acusação formulada pelo MPF e apresentada à Justiça nesta terça (21).

Pelos dados expostos na denúncia, no dia 7 de junho de 2019, Molição – que hoje é uma espécie de delator da Operação Spoofing – perguntou a “opinião” de Glenn sobre a hipótese de “puxar conversas” do Telegram dos alvos da Vaza Jato, antes que a série de reportagens fosse publicada.

A preocupação do hacker existia porque, um dia antes, Sergio Moro começou a plantar na imprensa a notícia de que teve o celular invadido por um hacker, criando as “chances de, assim que você [Glenn] liberar a notícia [a série da Vaza Jato], todo mundo, todos eles que têm as conversas antigas, que possam ter alguma coisa, eles vão apagar.”

Glenn não respondeu nada sobre a hipótese colocada pelo hacker, mas direcionou a conversa para o histórico de mensagens mantidas entre o jornalista e suas fontes.

O editor-chefe do Intercept Brasil denotou que guardaria as conversas em local seguro para eventualmente provar que o dossiê fora entregue a ele de uma vez só pelos hackers.

“Olha, nós vamos, por que que vai acontecer? É que com certeza eles vão tentar acusar a gente que nós participamos (…) na tentativa de hackear. Eles vão com certeza acusar. Então, para mim, mantendo as conversas, são as provas de que você só falou com a gente depois você tinha tudo. Isso é muito importante para nós, como jornalistas, para mostrar que nossa fonte só falou com a gente depois que ele já tinha tudo.”

Quando Molição insistiu em saber se deveria “puxar conversas” dos alvos da Vaza Jato antes da publicação da série de reportagens, Glenn então passou a falar sobre o “cuidado” com as fontes.

“Isso é nossa obrigação. Então, nós não podemos fazer nada que pode criar um risco que eles podem descobrir ‘o identidade’ de nossa fonte. Então, para gente, nós vamos… como eu disse, não podemos apagar todas as conversas porque precisamos manter, mas vamos ter uma cópia num lugar muito seguro… se precisarmos.”

O que mais implicou Glenn, na visão da Procuradoria, foi o jornalista ter dito que não via “nenhum propósito, nenhum motivo” para os hackers manterem consigo as conversas com a redação. “Mas isso é sua, sua escolha”, frisou o jornalista. “(…) isso não vai prejudicar nada que estamos fazendo, se você apaga.”

Glenn ainda acrescentou que “é difícil porque eu não posso te dar conselho, mas eu tenho a obrigação para proteger meu fonte e essa obrigação é uma obrigação pra mim que é muito séria, muito grave.”

A conversa encerrou-se sem que Molição deixasse claro se iria ou não prosseguir com a ideia de “puxar conversas” de membros da Lava Jato antes da divulgação do dossiê que já estava em posse do Intercept Brasil.

Molição, inclusive, tinha motivos para proceder com a ação, porque porque havia “o risco de acabar saindo mais notícia [sobre as invasões]. Então isso pode, de alguma forma, é… prejudicar [a série da Vaza Jato], então isso que é a nossa preocupação.”

A série de reportagens do Intercept Brasil começou a ser publicada dois dias depois, em 9 de junho de 2019.

Glenn frisou mais uma vez que compreendia a preocupação do hacker, e acrescentou que a dele era publicar o dossiê mantendo o sigilo da fonte e informando que o material fora recebido “muito antes ‘dessas artigos’ da outra semana sobre Moro” ter sido hackeado.

A conversa entre Glenn e Molição é uma prova de que o Intercept Brasil não recebeu documentos frutos de um “crime em andamento”, ao contrário do que alega Sergio Moro e a Lava Jato.

Ainda assim, o MPF deturpou trechos da conversa para acusar o jornalista de receber “material de origem ilícita enquanto a organização criminosa ainda praticava condutas semelhantes”.

Glenn também é denunciado por “subverter ‘a noção de proteção ao ‘sigilo da fonte’ para, inclusive, orientar que o grupo deveria se desfazer das mensagens que estavam armazenadas para evitar ligação dos autores com os conteúdos ‘hackeados’, demonstrando uma participação direta nas condutas criminosas.”

Confira o diálogo a partir da página 57, do documento abaixo:

spoofing
Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

1 Comentário

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  1. O Ministério Público Federal, agora sob nova “administração” devidamente afinada com o Executivo, certamente vai tentar “passar pano e escovão”, no que foi, e continua sendo, um dos maiores escândalos jurídicos ocorridos no país, qual seja, a inusitada e criminosa parceria entre o dito Parquet e um juiz de primeira instância visando objetivos políticos.
    Só quem pode, e deve, sustar essa patomima é o Supremo.

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