Neste Dia Internacional da Mulher, devemos perguntar: por quem os sinos dobram?

Sabemos que nós mulheres somos metade da humanidade e parimos a outra metade. Entretanto, a discriminação contra as mulheres leva a mortes e danos evitáveis, principalmente durante a gravidez e o parto.

da Associação de Médicas e Médicos pela Democracia

Neste Dia Internacional da Mulher, devemos perguntar: por quem os sinos dobram?

O Dia Internacional da Mulher (8 de março) é um dia em que globalmente celebramos as conquistas sociais, econômicas, culturais e políticas das mulheres. O dia tem como objetivo ajudar as nações do mundo a eliminar a discriminação contra as mulheres, defender suas realizações, reconhecer os desafios e concentrar mais esforços na defesa dos direitos das mulheres e na igualdade gênero. O ano de 2020 representa uma oportunidade imperdível de mobilizarmos nossa sociedade para alcançar esses objetivos, frente os desafios que atualmente enfrentamos.

Em muitos lugares do mundo, e mais especificamente no Brasil, as mulheres, as adolescentes e as meninas continuam sendo subvalorizadas; trabalham mais, ganham menos e têm menos opções na vida; experimentam múltiplas formas de violência em casa, no trabalho, na escola e nos espaços públicos; e muitas são mortas só pelo fato de serem do gênero feminino. As estatísticas de violência são assustadoras para as mulheres. Uma em cada três mulheres sofrem violência todo ano no Brasil. Essa forma de violência constitui-se em uma das principais formas de violação dos seus direitos humanos, atingindo-as em seus direitos à vida, à saúde e à integridade física. Ela é estruturante da desigualdade de gênero, pois além das violações aos direitos das mulheres e a sua integridade física e psicológica, a violência contra mulheres impacta também no desenvolvimento social e econômico de um país.

É importante frisar que as mulheres e meninas são mortas em grande parte vitimas das violências cometidas no âmbito privado, diferentemente da violência praticada contra homens, que ocorrem, em sua maioria, nas ruas. A violência doméstica frequentemente é praticada por pessoas próximas à sua convivência, como namorados, maridos, ex-maridos, companheiros, ex-companheiros, pais, padrastos, avôs, irmãos, etc. Onde deveria existir uma relação de afeto e respeito, existe uma relação de violência, desde agressões físicas até psicológicas e verbais. Estereótipos de gênero, muitas vezes invizibilizada por estar atrelada a papéis que são culturalmente atribuídos para homens e mulheres, conceito ainda muito arraigado em nossa sociedade, agravam ainda mais essa condição. Tal situação torna difícil a denúncia e o relato, pois torna a mulher agredida ainda mais vulnerável à violência.

A legislação nacional brasileira contempla a proteção da mulher quanto à prática de violência na esfera privada. A Lei Maria da Penha – Lei nº 11.340/2006, um dos instrumentos mais potentes para o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra as mulheres, certamente é um avanço civilizatório em nosso país pois garante mecanismos de proteção e prevê a criação de serviços especializados compostos por instituições de segurança pública, justiça, saúde, e da assistência social. Entretanto, após quatorze anos, a pergunta que fica no ar é a seguinte: se temos uma das melhores leis do mundo para o enfrentamento à violência contra a mulher, o que justifica o elevado número de feminicídios no Brasil?

Não é apenas no âmbito privado que as mulheres são expostas à situação de violência. Esta pode atingi-las em diferentes espaços, como a violência institucional, podendo ser caracterizada desde a omissão no atendimento até casos que envolvem maus tratos e preconceitos. Esse tipo de violência também pode revelar outras práticas que atentam contra os direitos das mulheres, como a discriminação racial. A violência institucional se faz presente nos diferentes cenários sociais, porém, são nos serviços de saúde, principalmente nas relações estabelecidas entre profissionais de saúde e usuárias, que se manifesta de forma imperceptível, apesar de ser empregada abertamente a anulação da autonomia e a discriminação por diferenças de gênero, socioeconômicas e culturais.

Sabemos que nós mulheres somos metade da humanidade e parimos a outra metade. Entretanto, a discriminação contra as mulheres leva a mortes e danos evitáveis, principalmente durante a gravidez e o parto. A cada ano, milhares de mulheres e meninas morrem e milhares se tornam deficientes em decorrência da gravidez, parto ou aborto no Brasil. Além da trágica perda de vidas, a mortalidade materna também desencadeia e agrava ciclos de pobreza que causam gerações de sofrimento e desespero. Quando as mães morrem, as crianças, e principalmente as meninas, correm maior risco de abandonarem a escola, ficarem desnutridas e simplesmente não sobreviverem, o que afeta milhares de famílias todos os anos. Não existe uma causa única de morte entre homens em idade fértil que seja próxima da magnitude da mortalidade materna evitável. Inequivocamente, a mortalidade e a morbidade materna são uma questão de gênero e de direitos humanos.

As mulheres têm o direito de participar dos processos de tomada de decisão que afetam sua vida em sociedade, ainda mais no que tange sua saúde sexual e reprodutiva. Permitir que tenham acesso às informações corretas, que desfrutem dos benefícios do progresso científico e se beneficiem destes para alcançar os mais altos padrões de saúde, fará com que a vida delas seja salva todos os dias.

Precisamos de implementação de políticas públicas e dos recursos que as acompanham, precisamos fazer mudanças ambiciosas no status das mulheres na sociedade e nos direitos das mulheres, precisamos rejeitar os estereótipos de papéis sexuais e precisamos que as mulheres sejam acreditadas, respeitadas e valorizadas e que os perpetradores sejam responsabilizados. Precisamos ouvir as demandas das mulheres e ajudar a articular e ampliar essa voz enquanto, ao mesmo tempo, construímos capital social e combatemos às desigualdades. Como as promessas feitas por nossos governos de promover os direitos, garantir a igualdade, o desenvolvimento e a paz para todas as mulheres ainda não foram cumpridas, e mulheres e meninas continuam sofrendo discriminação e violência, é dever do Estado e uma demanda urgente da sociedade enfrentar todas as formas de violência contra mulheres, tanto nos espaços privados quanto nos públicos. Coibir, punir e erradicar todas as formas de violência devem ser preceitos fundamentais de um país que preze por uma sociedade justa e igualitária entre mulheres e homens.

Não há tempo a perder. Quando morre uma mulher, morremos todos, pois somos parte da humanidade; eis porque nunca pergunto por quem os sinos dobram. Eles dobram por todas nós!

Maria Helena Bastos, MD, MSc, PhD

Obstetra e Ginecologista, pesquisadora em saúde da mulher, adolescente e da criança

Associação Nacional de Médicos e Médicas pela Democracia (ABMMD – Rio de Janeiro)

Médica da Rede Feminista de Ginecologistas e Obstetras

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