O acaso vai me proteger: Dinheiro Vivo na TV Gazeta, por Luís Nassif

O suspiro final no Dinheiro Vivo foi um acordo da Globo

Quando fui assistir o show dos Titãs, pela primeira vez me dei conta de como a minha vida foi uma sucessão de casos. 

O acaso vai me proteger / Enquanto eu andar distraído 

A música me veio à cabeça quando escrevi o artigo sobre Edemar Cid Ferreira, o amigo íntimo de José Sarney. 

Nos anos 80, com o tema BNH, tornei-me um jornalista mais conhecido. Na época, a Abril Vídeo acertou um contrato com a TV Gazeta e montou uma espécie de jornal local, apresentado pelo Paulo Markun e a Silvia Poppovic. 

A direção era do grande Luiz Fernando Mercadante. Ele tentou, primeiro, o Marco Antonio Rocha como comentarista econômico. Marquito já tinha passado pela Globo. Ele recusou e o segundo convite foi para mim. 

Durante algum tempo fiz dobradinha com uma amiga economista, Lidia Goldestein. 

Logo depois, Mercadante saiu, sendo substituído pelo também grande Narciso Kalili. E ele cismou de fazer um programa econômico, que cobrisse mercado. Convidou-me para montar o projeto, assumir a ancoragem e montar a equipe. 

Aliás, Narciso montou um timaço, com Caco Barcelos, Miltainho e outros. Como lembrou o Museu Brasileiro de Rádio e TV:

“São Paulo na TV“, que ia ao ar de segunda a sexta das 20h30 às 21h30, era um programa de variedades apresentado por Paulo Markun e Silvia Poppovic. Entre os vários quadros do programa havia “O Assunto É” com Helena Grammont, “Caso Polícia” com Caco Barcelos, “Carro e Moto” com Emilio Camanzi, “Tá na Moda” com Cristina Duarte, “O Futuro Agora” com Ethewaldo Siqueira, “Dinheiro Vivo” com Luiz Nassif, “Controle de Qualidade” com Célia Bardi, “Olga Del Volga” com a divertida sexóloga interpretada por Patrício Bisso, “Redação” com Juca Kfouri, “Humor” com Helfil e muitos outros quadros.

Na faixa das 21h30 tinha na segunda o programa “Placar”, esportivo apresentado por Juca Kfouri. Na terça era o “Veja Entrevista”, comandado por Augusto Nunes. ”Negócios em Exame”, atração de quarta, era um debate apresentado por José Roberto Nassar e Guilherme Velloso. Na quinta a faixa mostrava o “Dois na Cidade”, com as opções de lazer para o fim-de-semana na cidade, apresentado por Cláudia Matarazzo e Otávio Ceschi Jr. E na sexta era a vez do programa “Bastidores”, com entrevistas a cargo de Thomaz Souto Corrêa.

Eu já tinha a coluna Dinheiro Vivo, na Folha. O programa se chamaria Cash. Levei meu braço direito, José Ochiuso, como chefe de reportagem. Hoje em dia ele chefia a reportagem no SBT. Minha irmã Lourdes foi comigo e montei a equipe com duas repórteres: Salete Lemos, que eu tinha conhecido no Jornal da Tarde, e Miriam Leitão, que tinha coberto o Itamarati, em Brasília e, depois, havia se mudado para São Paulo. 

Miriam não admite que tenha começado como minha repórter. Em todos os eventos em que pode, atribui sua ida para o jornalismo econômico a Sidney Basile, que era da Gazeta Mercantil. Mas ela e eu sabemos que foi o Cash. Cheguei a convidá-la para debatedora em seminários com mais de 500 pessoas do mercado, no Hilton Hotel.

Após alguns meses, a Abril resolveu desistir de sua parceria. E aí me apareceram oportunidades esplêndidas: um convite da Globo, que me foi feito pelo Pinheirinho e pelo Volnei Guimarães. Havia também um convite da SBT – feito por um cunhado do Silvio Santos – para levar o programa para lá. 

Nesse ínterim, me liga Gilberto Dupas, presidente da Caixa Estadual de São Paulo, perguntando dos meus planos. Disse que havia recebido um telefonema do Luiz Fernando Levy, para que a Caixa patrocinasse o “Crítica e Autocrítica”, na TV Bandeirantes. Mas que ele gostava mesmo era do Cash. 

  • Olha, para onde você for, conte com uma cota de patrocínio da Nossa Caixa. 

O acaso veio e eu peguei carona: decidi ficar na Gazeta, recusar convite da Globo, e criar o programa Dinheiro Vivo, no lugar do Cash. 

O programa pegou, apesar da baixa penetração da Gazeta. Logo depois, saí da Folha, depois de ter denunciado uma tramoia de Saulo Ramos, Consultor-geral da República e, depois, Ministro da Justiça de Sarney. 

Foi um período barra-pesada. Como o programa não passava em Brasília, Saulo incumbiu o publicitário Mauro Salles de gravar todos os programas e enviar para ele. Certamente preocupado com minhas denúncias sobre a Operação Patrícia, outro golpe articulado por ele. 

Pouco antes de sair da Folha, suspeitei de escuta em casa. A Phillips tinha instalado a primeira Central de Programação Armazenada (a telefonia digital) na Vila Mariana. E meu apartamento, no Paraíso, estava ligado a ela. O telefone tinha uma programação que, quando houvesse uma outra ligação chegando, bastava você apertar uma tecla determinada e conseguiria falar com a segunda ligação sem perder a primeira. 

Se desligasse o telefone com uma ligação pendente, ele tocava avisando. 

De repente, sempre que falava ao telefone, desligava e ele tocava. Eu atendia, ninguém respondia. Desconfiei que estava sendo grampeado. 

Por aqueles dias peguei o Metrô e fui à Praça da Sé, para visitar um fiscal aposentado do Banco Central, que levantara um inquérito contra Saulo Ramos. Ele morava no Viaduto Maria Paula. Na volta, passei pela Bolsa de Valores e comentei minhas suspeitas com Fernando Sandoval, chefe de gabinete do presidente da Bolsa, e meu antigo colega de Veja. 

Sandoval ironizou: 

  • Para de paranóia! 

Voiltei para casa. Mal chegando, recebo uma ligação dele: 

  • Me ligue de um orelhão. 

Aí me avisou que consultara seu amigo juiz Walter Maiarovitch, corregedor da Polícia Civil, e ele, depois de pesquisar, confirmou o grampo, colocado pela Polícia Federal, comandada à época por Romeu Tuma. 

Pedia que eu fosse até seu gabinete e fizesse a denúncia contra a Polícia Civil – para ele poder agir. 

No dia seguinte viajei para uma palestra. Na volta, fui até o gabinete do Valter, formalizei a denúncia. 

À noite, uma equipe dele foi até o prédio e identificou o grampo. Era um gravador colocado no poste. Avisei a Folha sobre o grampo, mas não quiseram cobrir a sua descoberta. 

Na época, perguntei à minha ex o que ela poderia ter falado nas conversas. Ela se lembrava de uma conversa dela com nosso pediatra, o Laco, na qual ela dizia que eu não entendia a insistência do Saulo em me processar, pois eu tinha material suficiente para derrubá-lo. 

Dias depois, Tuma apareceu na Gazeta para uma entrevista para outro programa. Abordei-o: 

  • Salve, delegado, deu agora de grampear jornalista para o Saulo Ramos? 

E ele, muito sem graça: 

  • De jeito nenhum. Aliás, quando levei Saulo ao aeroporto, alertei-o que deveria parar com essa briga, pois você poderia ter muito material contra ele. 

Justamente a frase da Ica. A ida ao aeroporto ocorreu depois que o processo de Saulo provocou uma comoção na mídia e ele passou a ser atacado por outro jornais, até pelo JB, dirigido na época pelo Augusto Nunes. Houve um jantar de solidariedade no Bar Avenida, promovido por ex-colegas do JT, que contou até com a presença ilustre do Chico Buarque, levado pelo meu amigo Baiano. 

Saulo foi aconselhado a se afastar do país por um tempo e foi levado ao aeroporto pelo próprio Tuma. Aliás, preciso de outro artigo para contar o que levantei sobre Saulo na época.  

A luta continuou pesada, mas o impacto maior foi no final do ano. Àquela altura de defensor do Cruzado, passei a ser um crítico acerbo. 

Em um determinado dia recebo uma ligação de um economista amigo, que sucedeu Dupas na Caixa. 

  • Olha, Nassif, o Luiz Crisóstomo (diretor de publicidade do governo) convenceu o governador (Franco Montoro) a cortar a publicidade do Dinheiro Vivo, devido às suas críticas ao Cruzado. Consegui negociar um mês, para você tentar outro patrocinador. 

Aí, o acaso veio me socorrer. O programa passou a ter o patrocínio do Adubos Copas. Não entendi nada. O dono, Luiz Bocalatto, era do círculo de amigos de Sarney. 

Semanas depois, marquei um almoço com ele, para entender o que pretendia. Foi o almoço mais surreal que tive. Eu, de um lado, ele. um senhor já de certa idade, e a filha do outro. 

No almoço ele me disse, primeiro, que gostava muito do programa, a ponto de ter instalado uma antena parabólica em sua fazenda, para assisti-lo quando estivesse por lá. 

Aí, entrei no assunto: 

  • Mas o senhor não é amigo do Sarney? 

E ele: 

  • Sou, sim. Mas depois que ele se tornou presidente, ficou muito enjoado. 

De fato, Sarney gostava muito de se referir à “liturgia do cargo”. 

O patrocínio permitiu ao programa atravessar períodos turbulentos. 

Mas a relação com o grupo de Sarney era muito intrigante. Dia sim, dia não, eu sentava a pua nele. Como, por exemplo, no dia do vencimento de opções da Petrobras, em que ele apareceu na sala de imprensa do Planalto com uma garrafa cheia de um líquido, e quase chorando, anunciou: 

  • A Petrobras descobriu petróleo na ilha de Marajó. 

Imediatamente liguei para meu amigo José Roberto Alencar, setorista da Gazeta Mercantil na Petrobras, que desmentiu na hora: 

  • Petróleo não dá em garrafa. 

Era jogada de Sarney para beneficiar Mathias Machline, que estava na ponta comprada de Petrobras. 

Mas uma vez, meu amigo Vicente Barreto – emérito compositor de “Morena Tropicana”, entre centenas de outras músicas – foi se apresentar em São Luiz, na rádio dos Sarney. E voltou curioso: 

  • Bicho, o Fernando Sarney disse que te admira. 

Como assim? Outro caso foi o de Maurício Machline, o filho de Mathias responsável pelo Prêmio Sharp. Me convidou para um almoço no Mássimo e eu fui. De tarde, me ligou dizendo do espanto do círculo de amigos do pai, vendo que eu tinha topado um almoço com ele. 

No governo seguinte, de Fernando Collor, Carlos Chiarelli assumiu o Ministério da Educação, e acertou com a Fundação Cásper Líbero a retransmissão do programa na TV Educativa do Rio e na Nacional, de Brasília. 

Quando comecei a criticar Collor, o responsável pelas emissoras – Marcelo Netto, pai dos filhos da Mirian Leitão – tirou os programas do ar. 

O suspiro final no Dinheiro Vivo foi um acordo da Globo com a TV Gazeta. Permitiria à Gazeta transmitir seus blockbusters (filmes de grande audiência), com a condição de tirar o programa do ar. 

Luis Nassif

7 Comentários

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  1. No Brasil, brancos querem ter o monopólio ilegal de praticar atos violentos ficando impunes, evangélicos tentam usufruir o monopólio de se aliar a traficantes para controlar a política e o Estado, juízes e promotores tentar dar golpes de estado quando alguém ameaça o monopólio deles de roubar legalmente os cofres públicos, policiais monopolizam o controle das ruas para explorar criminosos e não para cuidar do bem estar da população, produtores rurais almejam o monopólio de vender produtos envenenados com lucro, o CFM monopoliza a saúde deixando os pobres sem médicos, empresas de comunicação monopolizam o direito de mentir para impor sua própria agenda política enquanto extorquem verbas de publicidade dos Estados, Municípos, União, autarquias, empresas e fundações públicas e as Big Techs norte-americanas tem monopólio total sobre a internet sendo ativamente protegidas pelo Judiciário. Se os trabalhadores tentarem ter monopólio de sua força de trabalho, o Supremo Tribunal Federal certamente irá proteger os lucros como de costume daqueles que exploram empregados em situação precátia e sem quaisquer direitos. O monopólio da mediocridade não foi inventado pelo Brasil, mas certamente foi muito aperfeiçoado pelos brasileiros ricos (os quais aliás monopolizam o mercado para reduzi-lo a um punhadinho de picaretas bem vestidos e proxenetas cheirosos).

  2. Eu era da equipe do Henfil, nessa época da “Abril Video” na TV Gazeta. Era um programa de humor de um minuto, de segunda a sexta. Um dia a Abril quis censurar um desses programas de um minuto, o Henfil não aceitou, rompeu com a direção e saiu… e acabou minha carreira de “artista”.
    Gostei da sua história, Nassif.

  3. Embora uma frase manjada, dessas que se encontram aos borbotões pelo feice, esta de Goethe – gigante e sábio demais -, cai como uma luva:

    “Seja ousado e forças poderosas virão em sua ajuda”.

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