Aldo Fornazieri
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.
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O Brasil sem futuro e o Judiciário sem pudor, por Aldo Fornazieri

O Brasil sem futuro e o Judiciário sem pudor

por Aldo Fornazieri

Nenhum país que tenha a imensa maioria de sua população pobre ou empobrecida, como é o caso do Brasil, terá futuro. Nenhum país brutalmente desigual como é o Brasil – o nono mais desigual do mundo – será um país social e politicamente pacificado. A paz sem justiça e elevados níveis de igualdade é uma mentira, é um discurso demagógico de políticos para enganar o povo. Sem superar a pobreza  e a desigualdade o Brasil não será um país desenvolvido, grandioso, próspero e feliz. E nenhum país superará a pobreza e a desigualdade se não fizer um ajuste de contas com os mecanismos de concentração de riquezas, a exemplo do sistema tributário; se não fizer um ajuste de contas com os privilégios do setor público, se não fizer um ajuste de contas com a sonegação e com a corrupção. O Brasil não superará a pobreza e a desigualdade se não surgir uma nova geração de políticos radicalmente reformistas, capazes de criar uma maioria social favorável à supressão das instituições iníquas que mantêm a pobreza do povo brasileiro. Não haverá felicidade se a imensa maioria da população não estiver ao abrigo das misérias e das necessidades básicas.

Os dados divulgados pelo IBGE na semana passada, acerca do aumento da pobreza, deveriam cobrir o Brasil inteiro e todos nós cidadãos de vergonha e opróbrio. São 54,8 milhões de brasileiros que vivem na pobreza e 15,3 milhões que vivem na extrema pobreza. Isto quer dizer: são 54,8 milhões de pessoas que vivem com até R$ 406 por mês e 15,3 milhões que vivem com até R$ 140 por mês. O rendimento médio domiciliar é de R$ 1.511. Já 26,9 milhões de pessoas vivem com menos de 1/4 do salário mínimo ou com menos de R$ 234,25 por mês. Os 10% mais ricos recebem 17,6 vezes mais que os mais pobres e concentram 43,1% de toda a massa de rendimentos contra apenas 12,3% da massa de rendimentos dos 40% mais pobres. O que mais violenta o futuro do Brasil é que 5,2 milhões de crianças vivem na extrema pobreza e 18,2 milhões vivem na pobreza. Os brancos ganham 80 vezes mais do que os pretos e pardos e os homens ganham 30 vezes mais do que as mulheres. Nos últimos dois anos a pobreza deu salto de 4%. É um gigantesco retrato de uma enorme tragédia, um aterrador retrato de uma insuportável injustiça.

Dentre os vários males que agravam a pobreza e a desigualdade no Brasil um deles está nos privilégios do setor público, particularmente do Judiciário, incluindo o Ministério Público. A diferença salarial entre o setor privado e o setor público é enorme; o setor público tem um regime previdenciário generoso, tanto no cálculo das aposentadorias quanto na idade; os salários das elites funcionais dos três poderes não só são injustos, mas são criminosos, escandalosos e configuram um crime de corrupção, ao menos do ponto de vista moral. Além de todos esses privilégios, gratificações os vários tipos de penduricalhos tiram ainda mais recursos das necessidades básicas da população.

É neste contexto que o Judiciário perdeu todo o pudor e toda a vergonha ao achar o país com um aumento de 16,5% auferindo um salário de R$ 39,2 mil. Mesmo assim, associações ligadas ao poder Judiciária e a própria procuradora geral da República pleiteiam a continuidade do auxilio moradia. Desta forma, o salário de um juiz é 280 vezes maior do que o que recebem as 15,3 milhões de pessoas que vivem na pobreza extrema; é 96,5 vezes maior das 54,8 milhões de pessoas que vivem na pobreza e é 41,83 vezes maior que o salário mínimo, que é até o que recebem mais de 106 milhões de pessoas. O salário do Judiciário brasileiro é de 3 a 4 vezes maior daquele recebido pelos Judiciários da maioria dos países ricos. Junto com os deputados, os procuradores e a alta cúpula do funcionalismo do Executivo, do Legislativo, das polícias e das Forças Amadas, o Judiciário compõem uma verdadeira casta de marajás que suga o sangue do povo brasileiro.

É preciso dizer ainda que são poucos os partidos e os parlamentares dos partidos progressistas e de esquerda que se colocam na linha de frente no combate a esses privilégios. Há um suspeito silêncio nesses meios. Não há como combater a pobreza e a desigualdade, não há como pugnar pela justiça e pelos direitos, sem proclamar uma guerra contra os privilégios do setor público. Se esta bandeira não for empunhada pelas esquerdas será empunhada por alguém, pois, aos poucos, a sociedade vai tomando consciência de que esta situação é inaceitável.

O Judiciário, um poder que viola sistematicamente a Constituição, a viola também na questão salarial. Os seus salários legais ferem os princípios da moralidade pública e da equidade. Não bastasse os salários escandalosos e inescrupulosos que os juízes recebem, estudos indicam que cerca de 70% deles recebem acima do teto salarial constitucionalmente estabelecido. Que moral têm os juízes e os procuradores em se apresentarem como paladinos do combate à corrupção se eles praticam uma corrupção legalizada?

O que se vê no Brasil  dos últimos anos é o seguinte: avanço das formas de corrupção legalizada através de salários escorchantes e privilégios criminosos no alto funcionalismo do setor público; descrença da sociedade em relação ao sistema político e aos partidos; um poder público incapaz de solucionar de forma satisfatória os inúmeros problemas da população, o que caracteriza uma aviltante ineficiência do setor público; aumento generalizado da violência e da degradação social; aumento da pobreza e das desigualdades; recuo dos direitos sociais em geral; com a eleição de Bolsonaro, recuo dos direitos humanos e perspectiva de aumento da degradação ambiental e da violência contra o ativismo social e político.

Diante deste quadro de recuo histórico e retrocesso civilizacional, que deverá se agravar com as dificuldades contradições que o governo Bolsonaro enfrentará, inclusive com a tendência do aumento da violência política e social, não basta colocar como tarefas a formação de uma frente democrática para defender a soberania, as liberdades e os direitos sociais; não basta desenvolver a campanha Lula Livre, não basta defender os interesses populares. Existe uma tarefa central que os progressistas e as esquerdas vêm negligenciando: a organização de base, a organização das periferias e a constituição de força organizada para resistir e lutar. Sem força organizada, as palavras de ordem, as táticas, podem ser palavras jogadas ao vento. Sem força organizada, ou se dependerá da sorte, da falta de virtude dos inimigos ou se colherá derrotas. Sem força organizada não há poder de mobilização e sem poder de mobilização não ocorrem lutas, enfrentamentos no plano capaz de produzir mudanças nas relações de força. É esta capacidade que os progressistas e as esquerdas perderam nos últimos anos e que precisam recuperar com urgência.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).

 

 
Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

11 Comentários

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  1. Eu as vezes me pergunto……

    Se essa turma do judiciario não estaria “acometida” por algum tipo de demencia…..a “desenvoltura” em “mamar” com toda força e convicção nas “tetas do estado” ao mesmo tempo que pregam as virtudes do “estado minimo” (para os outros e proventos maximos para eles) e “chafurdagem” no moralismo/punitivismo de fachada do tal combate a corrupissão…..Tantos “sinais”contraditorios e sintoma de “descolamento da realidade”……Estão numa trip autodestrutiva, unica explicação….Ou eles acham que “ze povinho” vai ficar assistindo a esbórnia ad infinitum com cara de paisagem?A “moral” do judiciario ta batendo na sola do mocassim italiano…….

    Quanto a:

    É preciso dizer ainda que são poucos os partidos e os parlamentares dos partidos progressistas e de esquerda que se colocam na linha de frente no combate a esses privilégios

    Gostaria muito de ver algumas atitudes exemplares, por parte dos parlamentares de esquerda…..nem digo que devam viver de “salario minimo”…..somente ganhar no maximo o teto constitucional, como diz a lei, e que abdicassem de alguns penduricalhos….que tal ir ao congresso dirigindo o seu proprio automovel?Pagar algumas coisas de seu proprio bolso?Em suma, dar o exemplo…….e ser transparente nos seus ganhos…..Que tal?Ja seria um avanço consideravel, e sempre lembrando que “um ato vale mais que mil palavras”…….

  2. E vamos bailando

    Essa questão dos altos salarios do funcionalismo publico, principalmente no judiciario deve ser debatido e esclarecido proximo à população brasileira. Muitos não tocam nessa questão, incluindo a esquerda, porque os concursos publicos são a maior esperança da classe média brasileira para seus filhos. A isso chamam meritocracia, como se todo brasileiro começasse em igualdade na vida. São tantos os disfuncionamentos na sociedade brasileira que vamos precisar de muito tempo ainda para vermos um dia Pindorama ser um Pais que respeita seu povo. 

    Quanto a organização social. Esta bem claro que o PT, PSOL e demais não estão conseguindo mobilizar como deveriam. Os sindicatos andam calados. Ou foram calados, até pelo proprio Judiciario. Assim a direita, com Bolsonaro, com militares, com Moro, com STF, com vão dando o tom do baile. 

  3. É neste contexto que o

    É neste contexto que o Judiciário perdeu todo o pudor e toda a vergonha ao achar o país com um aumento de 16,5% auferindo um salário de R$ 39,2 mil”

    Há que se ressaltar que R$ 39,20 mil é o SALÁRIO MÍNIMO que estas sanguessgas retiram do suor do povo brasileiro.

    Sugiro estabelecer em lei um repasse de 0,6% do PIB do país de dois anos atrás para bancar o judiciário em sua totalidade. Que se mantenham com isso ou vão procurar outra coisa para fazer.

    Tenho certeza de que  vão pensar duas vezes antes de quebrar segmentos industriais inteiros.

    Quanto ao MPF, sou pela extinção.

    Acho que a carreira de delegado da PF também poderia ser extinta. o até a PF inteira. Já temos polícias civil e militar.

    CGU, TCU, TSE e outras merdas mais, extinção.

    Regras de aposentadoria para o setor público identicas àquelas para o setor privado.

  4. privado = ético ; público = corrupto

    Sem dúvida os privilégios dos servidores públicos são indefensáveis. Mas a análise do prof. Aldo é incompleta.

    Quem ler o último livro de Jessé Souza encontrará uma constatação do autor de que os juízes consideram uma tremenda injustiça terem rendas muito inferiores aos advogados que apresentam-lhes defesa. Com razão, não se acham inferiores em termos de formação jurídica, mas sem razão, apelam à corrupção para compensar a “má” escolha pela carreira pública.

    A corrupção é apenas mais uma faceta do elitismo. Que diferença faz não ser roubado pelos corruptores/corrompidos nos recursos públicos e pagar preços absurdos a bens de consumo, muitas vezes essenciais, tantas outras supérfluos que se tornam exigidos a quem deve cumprir um ritual de classe e pertencimento?

    Não existe dinheiro privado! Todo dinheiro é público. Os sociólogos tem é que ajudar a política em como abordar a injustiça das diferenças grandes. Os salários dos ministro do supremo são grandes quando comparados com os dos miseráveis. Mas compare com salários de qualquer gerentinho de merda de grandes empresas. São menores. Não torna justo o salários dos juízes, mas é absurdo ignorar este fato. O mesmo acontece nos casos de parlamentares, cargos executivos, MP, etc. E, em termos da quantidade de gente em cada função, o setor privado tem mil vezes mais gerentes, diretores, assessores, conselheiros e o diabo a quatro do que os da elite do setor público.

    Temos que pegar esta sociedade hipócrita e enfiar nela uma lei da meritocracia que ela tanto defende. Definir o que seja remuneração do esforço próprio e do serviço prestado e taxar impiedosamente o que exceder.

    1. Dos ou de?


      A meu ver, os privilégios e os salários absurdos no setor público atingem apenas a minoria, com destaque negativo para o Judiciário, o Ministério Público e “Assessores” Parlamentares, além de pouquíssimas carreiras de funcionários encarregados de fiscalização, como auditorias. Os encarregados da execução, no geral, ganham muitíssimo menos. Basta ver, em comparação, quanto ganham os professores, os médicos, os enfermeiros, os engenheiros e técnicos em engenharia, os defensores públicos etc. Então, ao invés de  privilégios dos funcionários públicos, não seria o caso de dizer de funcionários públicos?  E concordo com que nem tudo que é privado é ético e nem tudo que é público é corrupto. Adianto que não sou nem fui funcionário público.

  5. Caro Aldo a generalização é uma m…….

    Prezado Aldo não deveria lhe fazer este convite mas tenho que faze-lo, vá a  Institutos de Pesquisa, visite uma Embrapa, visite uma Petrobrás, visite uma Eletronuclear, visite as Universidades, e converse com seus professores e pesquisadores. Veja tudo que fazem e que já fizeram,   São todos servidores publicos. Vá também a um INEPE, IBGE,  e outros tantos orgãos publicos e veja o que fazem e o que fizeram seus funcionarios e pesquisadores. Alguns são funcionários públicos e outros são aposentados pelos seus respectivos fundos de pensão. Mas todos a quem me refiro trabalham duramente e contribuem de maneira significativa para a própria previdência.

     

    Não se chega ao agro negócio de hoje sem os conhecimentos desenvolvidos na EMBRAPA, não se chega a extrair o barril de petróleo do pre-sal a 9 dolares, sem o desenvolvimento de conhecimento e tecnologia pela  Petrobrás. Não se chega a EMBRAER de hoje sem a EMBRAER estatal.  Não se chega a excelência médica sem os Hospitais Universitários.  A Eletronuclear nos fez dominar o ciclo de refinamento de Urânio desenvolvendo conhecimentos que nos permitem construir uma Industria de Refinamento de Urânio, cuja destruição é um dos objetivos do golpe que aí está, defendendo interesses de outros “competidores. internacionais”, qe preferem usar de meios escusos para ganhar a competição. Não irei nem mencionar os estudos em  biotecnologia e medicina,  fruto das Universidades e nem  os nossos pesquisadores das ciências sociais e humanas que tantas contribuições nos deram para conhecermos a nós mesmos. Não me parece que esta seja uma aviltante ineficiência do setor público. Sim voce se falou no legislativo e no judiciário, mas as suas generalização são aviltantes.

    Todos estes pertencem ao setor publico e seus salários não são os do poder judiciário, e também não se comparam com os pagos a pessoas até de menor competência e conhecimento no setor privado. E me parece que trabalham duramente e sem privilégios.

     O tal privilégio das aposentadorias do setor ṕúblico talvez possa ser desmistificado se souberem de fato como o setor publico  contribui para a previdência. O setor publico paga segundo esta lei:

    A LC 1.012/07 estabelece, em seu artigo 8º, que a contribuição previdenciária será de 11% e incidirá sobre a totalidade da base de contribuição.

    Além disso, esclarece que “base de contribuição” é o total dos vencimentos do servidor, incluindo-se o vencimento do cargo efetivo, acrescido das vantagens pecuniárias permanentes estabelecidas em lei ou por outros atos concessivos, dos adicionais de caráter individual e de quaisquer outras vantagens.

     

    Ou seja o servidor público desconta  em cima da totalidade do salário  e não em cima do teto da previdência, $5000 aproximadamente. È isto que justifica  a integralidade da aposentadoria. O funcionário público não quer receber nada além do que paga. E talvez ganhássemos mais debatendo porque não estender isto para o setor privado. Se todos contribuirem com 11% do salário integral, todos devem se aposentar de acordo. Mas observem que este acrescimo   seria a tal contribuição para a previdência complementar. Mas estão na verdade com este papo de privilégio de “todo o setor público” fazer com que uma parcela entre na previdência privada. Este debate sobre previdência é no fundo um debate sobre a privatização da previdência e não sobre privilégios.

    As generalizações e o foco no funcionalismo publico  esconde outras intenções e  se tornou um discurso fácil.  E não compreendo que Aldo um professor universitário  faça o mesmo tipo de discurso.

    1. Crítica impertinente

      O artigo do professor fala da elite dos servidores do setor público. Em praticamente todas as áreas do setor público, a elite recebe salários exorbitantes, fora gratificações e todo tipo de penduricálho. Ademais, estudos mostram que os salários do setor público com 80% superiores aos salárrios dos níveis correspondentes do setor privado. Na maioria dos Estados e municípios a folha de pagamento consome os recursos e não sobra dinheiro para investimentos nas áreas sociais e na infraestrutura. Um absurdo. A esquerda corporativa gosta de defender privilégios.

  6. Desculpe, mas não é correta
    Desculpe, mas não é correta sua afirmação quanto aos servidores, nem com relação aos critérios para aposentadoria, que é o mesmo para todo o serviço público federal (melhor conferir as regras antes), nem tampouco em relação aos salários. Em seu texto, por exemplo, o Judiciário receberia aumento de 16%,o que não é verdade, este aumento foi para magistratura, elor consequências para os procuradores da república.
    Os salários dos servidores e magistrados são públicos, está no portal da transparência, é só verificar, e vc encontrará em qual segmento do judiciário está o privilégio.
    A este setor, sim, creio que cabe a crítica

    1. O Judiciário terá um aumento geral

      A Câmara e o Senado aprovaram e Temer já promulgou o aumento  16,38% para os ministros do STF e para os membros da Procuradoria Geral da República. O salário agora foi para R$ 39,2 mil. Ocorre que este teto é indexador para o salário dos juízes em geral e membros do ministério público. Eles terão o aumento. Tanto é que o Fux condicionou o fim do auxilio moradia ao recebimento do aumento para os juízes. Quando se fala em Judiciário se está falando do poder Judiciário e dos juízes em geral e não dos funcionários do Judiciário. O Judiciário terá este aumento inescrupuloso sim.

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