O capital gafanhoto e a tragédia brasileira, por Luís Nassif

Sem o peso da dívida pública, o dinheiro estaria sendo investido em infraestrutura, em programas de redução dos custos do financiamento.

Na Coluna Econômica de ontem mostrei as armadilhas da ultrafinanceirização da economia. Todo recurso gerado, seja pelo aumento da receita ou da venda de ativos, seria unicamente para o serviço da dívida pública.

No ano passado, R$736 bilhões foram subtraídos das empresas, na forma de spread bancário adicional (o que supera, por exemplo, o spread médio da França. Outros R$256 bilhões foram subtraídos de pessoas físicas.

O que aconteceria se esse excedente ficasse com os clientes? No caso de Pessoas Físicas, parte considerável seria canalizado para consumo – isto é, para o setor produtivo da economia. No caso das Pessoas Jurídicas, parte considerável reverteria em investimentos, em ampliação e modernização da capacidade produtiva.

Compare com os R$45 bilhões de reaplicação de lucros das empresas listadas na B3. Reaplicaram R$45 bilhões de lucros e pagaram R$120 bilhões de custos financeiros.

Processo similar ocorre com o orçamento público. No ano passado, os juros da dívida interna levaram R$290 bilhões do orçamento. Sem esse peso, o dinheiro estaria sendo investido em infraestrutura, em programas de redução dos custos do financiamento. Em qualquer hipótese, reverteria para o setor privado.

A volta dos lucros financeiros para a economia se dá da forma mais espúria possível. Não se trata de um sacrifício provisório visando capitalizar as empresas, permitindo um crescimento futuro. Trata-se da esterilização de toda a riqueza produtiva, que se esvai pelos escaninhos da financeirização, servindo apenas para enriquecer financistas, sem nenhum reflexo nos investimentos privados.

Controlando a riqueza financeira, os investimentos são sempre predatórios.

Um dos caminhos é a compra de empresas descapitalizadas. Ou seja, o empresário do setor produtivo é esmagado por juros, pelo custo do capital de giro, pela fragilidade do mercado de consumo. Sua empresa perde valor e é vendida na bacia das almas para o financista.

Outro negócio são os investimentos em startups. Com a carência de recursos, empreendedores são obrigados a vender uma curva de crescimento extorsivo.

Outro dos caminhos é a aquisição de empresas públicas para serem depenadas. Adquire-se a empresa, infla-se a distribuição de lucros através da venda de ativos, redução da manutenção e dos investimentos. Literalmente sacam contra o futuro. Depois de depenada, a empresa é devolvida ao Estado.

Analise-se o caso da Thames Water, a maior empresa de saneamento da Inglaterra. Basta consultar a imprensa internacional, já que a nacional é incapaz sequer de analisar o caso Sabesp.

A Thames Water tem dívidas de 14 bilhões de libras. A maior razão foram empréstimos vultuosos contraídos para pagar dividendos elevados aos seus acionistas. Nenhum centavo foi aplicado na infraestrutura.

Sem manutenção, passou a sofrer multas pesadas, por não cumprir padrões ambientais. Em 2021, foram 4 milhões de libras em multas por jogar esgoto não tratado em um rio. E não cumpriu metas de redução da poluição.

Hoje em dia, discute-se a intervenção do governo, para garantir a continuidade dos serviços de água e saneamento. Tudo isso no país de Margaret Thatcher. 

O episódio deflagrou um debate nacional sobre a possibilidade de reestatização do setor de saneamento. 

Por aqui há uma cegueira generalizada em relação a essa financeirização. O Plano Real desindexou toda a economia. Manteve indexados os aluguéis comerciais – corrigidos pelo IGP-M – e os títulos públicos, corrigidos pela taxa Selic ou pelo CDI.

Esse predomínio da financeirização tornou-se tão irracional, a ponto das principais vítimas desse modelo – industriais – acreditarem na fábula da gastança.

Aqui, um pequeno levantamento de como as principais economias do mundo tratam as taxas de juros:

Vários países ao redor do mundo estabelecem limites para as taxas de juros que podem ser cobradas em empréstimos e financiamentos. Essas restrições, conhecidas como leis de **usura**, são aplicadas para proteger os consumidores contra práticas abusivas e garantir que as taxas de juros sejam justas e razoáveis. A seguir, alguns exemplos de países que têm limites para as taxas de juros:

Estados Unidos

Nos EUA, a regulamentação das taxas de juros é feita a nível estadual. Cada estado define seus próprios limites de usura para diferentes tipos de empréstimos (como cartões de crédito, empréstimos pessoais, hipotecas, etc.). Em alguns estados, os limites podem variar de 6% a 36%, dependendo do tipo de empréstimo e do credor.

Canadá

No Canadá, a taxa de juros máxima que pode ser cobrada é de 60% ao ano, de acordo com o **Criminal Code** (Código Penal). Este limite se aplica a todos os tipos de empréstimos, exceto aqueles oferecidos por credores regulamentados, como bancos e cooperativas de crédito.

Reino Unido

O Reino Unido não tem um limite fixo de usura, mas a Financial Conduct Authority (FCA) regula o mercado de crédito ao consumidor, incluindo limites específicos para o custo de empréstimos de curto prazo, como o “payday loans”. Por exemplo, a FCA impõe um teto de custo total de 0,8% ao dia do valor emprestado e uma proibição de cobranças que ultrapassem o valor do empréstimo original.

França

Na França, existe um limite de usura definido pelo Banco da França, que varia dependendo do tipo de empréstimo e do montante. As taxas de usura são ajustadas trimestralmente e divulgadas publicamente. O limite é geralmente calculado como uma porcentagem acima da taxa média de mercado para cada tipo de crédito.

Alemanha

A Alemanha também aplica um limite de usura. A lei alemã considera que uma taxa de juros é “usurária” se exceder em mais de 100% a taxa média do mercado para o tipo específico de crédito. Se um credor cobrar uma taxa considerada excessiva, o contrato pode ser considerado nulo, e o credor pode ser penalizado.

Japão

No Japão, a taxa de juros máxima permitida para empréstimos ao consumidor é de 20% ao ano, de acordo com a **Lei de Regulação de Empresas de Empréstimos**. O Japão também possui mecanismos de controle rigorosos e regulamentação para proteger os consumidores contra práticas abusivas de cobrança de juros.

Itália

Na Itália, os limites de juros são estabelecidos trimestralmente pelo **Ministério da Economia e Finanças**. As taxas máximas permitidas são baseadas em médias de mercado e variam de acordo com o tipo de empréstimo. As taxas de juros usurárias são proibidas e podem resultar em sanções.

Espanha

Na Espanha, não há um limite fixo para taxas de juros, mas o Supremo Tribunal Espanhol já determinou que uma taxa de juros é usurária se exceder em 2,5 vezes a média do mercado para o tipo específico de crédito.

África do Sul

Na África do Sul, a **National Credit Act (Lei Nacional de Crédito)** define limites máximos para as taxas de juros de diferentes tipos de crédito. Os limites variam de acordo com a categoria do crédito e são revisados periodicamente.

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3 Comentários

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  1. A pressão por uma nova reforma da previdência é o centro da disputa atual. Lula e o PT podem esquecer de qualquer veleidade eleitoral em 2026 caso cedam e enviem ao Congresso uma proposta de reforma. Seria o fim do que resta de confiança política nesse grupo que aí está. Sua múltiplas traições aos trabalhadores do serviço público federal nesses 21 meses de governo já bastam.

  2. Não sei se isso ocorre em escala global, também não sei como esse acúmulo de capital financeiro (poder do dinheiro) se reflete no mundo real das coisas (ocupação do solo, expansão urbana e etc), mas o que ocorreria com os recursos naturais e o meio-ambiente se todo esse dinheiro fosse “despejado” na economia real neste modelo econômico da atualidade?

    A realidade de muitas pessoas é perversa diante do acúmulo de dinheiro de uma minoria.

    Uma grande maioria vive sem condições dignas enquanto outras pessoas usufruem de luxo e desperdiçam recursos naturais. Tanto isso é verdade que há muita pobreza no mundo, mas também há uma degradação terrível do meio ambiente pelo setor produtivo, pela economia real.
    Parece que há um dilema que pode ser falso: a concentração de renda gera a pobreza de muitos (pobreza relacionada ao acesso ao mercado de consumo de bens e serviços – água potável, roupas, habitação e também tratamento de saúde especializado), mas o setor produtivo gera devastação ambiental e crise climática (devastação ambiental materializada em destruição de biomas pela extração de minerais como petróleo, minério de ferro, terras raras e etc para geração de energia, alimentos, remédios, celulares, carros e etc.).

    No fundo mesmo é o modelo econômico global vigente na atualidade (capitalismo como resultado de uma civilização baseada na satisfação total dos desejos de consumo como sentido de felicidade induzidos pela propaganda) que é destrutivo, com ou sem distribuição de renda, tomando como base o conceito de economia: conjunto de atividades visando a obtenção de recursos necessários à sobrevivência humana.

    Não adianta distribuir os produtos da economia se o modelo de obtenção é predatório para com espaço no qual se vive de modo a tornar a vida inviável como subproduto da exploração dos recursos, seja pela super exploração concentradora de riqueza seja pela super exploração distribuída numa sociedade hedonista na sua totalidade.

    Essa é uma questão bem interessante para se refletir e discutir.

  3. Como chegamos a esse valor de dívida pública? A culpa é da selic desde quanto tempo? Ou governos após governos a tratam como os Estados que devem e continuam aumentando a dívida pois sabe que o fiel pagador de impostos tai para bancar? Se tá ruim porque temos orçamento paroquial de bilhões? E fundo para bancar facç…ops federações partidárias? E mais de 1,4 TRILHÃO em impostos arrecadados? Essa estória precisa ser melhor contada.

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