O diplomata brasileiro que foi afastado de organização que ganhou o Nobel

Sugerido por implacavel

Da Istoé

Lições amargas de um Nobel que não se poder festejar

Por pressões dos EUA, o diplomata brasileiro José Mauricio Bustani foi afastado da Opaq, que ganhou o Nobel

Paulo Moreira Leite

Num país onde tantos cidadãos lamentam a ausência de um Prêmio Nobel na lista de orgulhos nacionais, o diplomata brasileiro José Mauricio Bustani cumpriu um destino mais do que exemplar.

Nenhum brasileiro ficou tão perto de um Nobel como ele.

Em abril de 2002, Bustani foi afastado da direção geral da Opaq, sigla de Organização Mundial pela Proibição de Armas Químicas, por pressão do governo norte-americano. Na semana passada, onze anos e cinco meses depois, a Opaq recebeu o Prêmio Nobel da Paz, uma homenagem indireta a Bustani, dirigente que, a frente da organização, conseguiu lhe dar estatura de organismo internacional relevante.

Mas o Brasil não pode fazer uma festa. Na hora necessária, em 2002, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, o governo brasileiro entregou Bustani a própria sorte.

Eleito e reeleito para direção-geral da Opaq, posto que o colocava no centro de diversos acontecimentos mundiais do período, Bustani trouxe dezenas de países para integrar os quadros da Opaq, situação que permitia a realização de inspeções internacionais para apontar e destruir armas químicas.

Os problemas com os Estados Unidos começaram quando ele insistiu em fazer inspeções naquele país, sempre disposto a verificar arsenais de outras nações, mas sem a mesma disposição para fazer o mesmo em suas fronteiras.

A situação agravou-se quando Bustani se mobilizou pela filiação do Iraque de Sadham Hussein na Opaq. Era uma medida que permitiria dar uma solução pacífica para um impasse que se acumulava depois do 11 de setembro. Se o Iraque possuía armas químicas, como Washington denunciava, seus arsenais poderiam ser localizados e destruídos. Se isso não era verdade, como se demonstrou, seria possível questionar um pretexto cultivado pela Casa Branca para justificar a invasão daquele país, que acabou ocorrendo 13 meses depois da queda de Bustani, numa operação militar que produziu pelo menos 200 000 mortos, gerou um custo de 4 trilhões de dólares e ajudou a colocar a economia mundial num precipício que iria explodir em 2008, do qual não se recuperou até hoje.

Talvez fosse ilusório imaginar que um diplomata poderia, sozinho, impedir uma ação desse vulto. Mohammed Elbaradei, diretor da Agencia Internacional de Energia Nuclear, chegou a denunciar, no Conselho de Segurança da ONU, que os argumentos de que Sadham Hussein possuía “armas de destruição em massa” se apoiavam em documentos forjados e a guerra foi declarada mesmo assim.

Mas havia uma possibilidade de resistência, e foi isso que o Nobel premiou. (O próprio Baradei foi premiado pela mesma razão em 2005).

O esforço de Bustani foi anulado pela pressão direta de Washington, que passou a trabalhar por seu afastamento assim que se verificou que a atuação do diplomada poderia atrapalhar os planos de guerra.

Pressionado pela Casa Branca, o Itamaraty assumiu uma postura submetida. Sequer mobilizou aliados para defender o diplomata contra uma decisão que não era prevista pelos estatutos da entidade. Bustani cumpria seu segundo mandato a frente da Opaq. Nas duas vezes, fora eleito com apoio dos votos dos Estados Unidos.

Numa tentativa de barganhar a destituição, funcionários americanos de segundo escalão chegaram a sugerir que o Brasil assumisse o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, em substituição à irlandesa Mary Robinson.

O próprio diplomata recusou, conforme explicou, na naquele momento, em entrevista a Eduardo Salgado: “Se tivesse saído quieto quando os americanos mandaram, eu poderia estar num belo posto. Mas não seria uma pessoa feliz.” Ele também disse: “Fui um obstáculo para os americanos porque agi de maneira independente, fazendo com que as regras valessem para todos. Dos Estados Unidos ao Paraguai. Em tese, os americanos aceitam que as regras valem para todos, mas talvez não queiram que seja assim na prática. “

Bustani foi afastado numa decisão de 48 votos a favor da destituição, 6 contra e 43 abstenções. Se não parecia possível garantir a transformação de todos as abstenções em votos a favor da permanência de Bustani, o Itamaraty não assumiu uma postura mais firme diante uma diplomacia imperial que empurrava o mundo para uma guerra com base num pretexto que já poderia ter sido desmascarado naquele momento. “Basta verificar os votos dos países latino-americanos para constatar se houve ou não empenho do governo brasileiro. Quando o próprio governo brasileiro diz que a direção da Opaq não é importante para o Brasil, sinaliza para os outros países que não deseja o apoio deles”, disse a ISTOÉ, em 2002, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães.

Afastado da Opaq, Bustani foi mantido na geladeira profissional do Itamaraty nos meses finais do governo FHC e só voltou a ocupar um posto a altura depois da posse de Luiz Inácio Lula da Silva. Foi nomeado embaixador em Londres e, depois, em Paris.

Redação

8 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Questão de pontos de vista

    No dia da definição da Opaq como ganhadora do Nobel da Paz, a TV5, estatal francesa de televisão para o estrangeiro, no seu jornal das 20 horas, o principal do dia, entrevistou uma pessoa só. Quem foi?

    Sim, foi o embaixador Bustani, hoje embaixador do Brasil na França, mas entrevistado pela sua passagem na Opaq, considerada pela emissora como o momento decisivo da entidade.

    E nosso embaixador respondeu francamente, com os limites que a diplomacia exige, e num perfeito françês.

    Parabens ao embaixador Bustani, ao Itamaraty que o formou, ao governo que o reabilitou, e “shame on you Brazilian government that obeyed the boss without any restriction nor honor” (usei o inglês para aquele “governo brasileiro” que rifou o embaixador Bustani já que eles entendem melhor aquela lingua).

  2. ….  parece q o BRASIL

    ….  parece q o BRASIL  nunca vai perder a sina de “capacho”, de ‘subserviencia” para manter sua sobrevivencia.

    sao as forças ocultas agindo “sempre”.  e o FHC ??

  3.  
    http://www.nytimes.com/2013

     

    http://www.nytimes.com/2013/10/14/world/to-ousted-boss-arms-watchdog-was-seen-as-an-obstacle-in-iraq.html

    To Ousted Boss, Arms Watchdog Was Seen as an Obstacle in Iraq

    Serge Ligtenberg/Associated Press

    José Bustani, front, before a special session in 2002 that called for his removal as head of the Organization for the Prohibition of Chemical Weapons.

    FACEBOOKTWITTERGOOGLE+SAVEE-MAILSHAREPRINTSINGLE PAGEREPRINTS

    PARIS — More than a decade before the international agency that monitors chemical weapons won the Nobel Peace Prize, John R. Bolton marched into the office of its boss to inform him that he would be fired.

    World Twitter Logo.

    Connect With Us on Twitter

    Follow@nytimesworldfor international breaking news and headlines.

    Twitter List: Reporters and Editors

    Enlarge This Image

    Doug Mills/The New York Times

    John R. Bolton in 2005. Mr. Bolton disputed José Bustani’s account of why he lost his job, saying it was for incompetence.

    “He told me I had 24 hours to resign,” said José Bustani, who was director general of the agency, the Organization for the Prohibition of Chemical Weapons in The Hague. “And if I didn’t I would have to face the consequences.”

    Mr. Bolton, then an under secretary of state and later the American ambassador to the United Nations, told Mr. Bustani that the Bush administration was unhappy with his management style.

    But Mr. Bustani, 68, who had been re-elected unanimously just 11 months earlier, refused, and weeks later, on April 22, 2002, he was ousted in a special session of the 145-nation chemical weapons watchdog.

    The story behind his ouster has been the subject of interpretation and speculation for years, and Mr. Bustani, a Brazilian diplomat, has kept a low profile since then. But with the agency thrust into the spotlight with news of the Nobel Prize last week, Mr. Bustani agreed to discuss what he said was the real reason: the Bush administration’s fear that chemical weapons inspections in Iraq would conflict with Washington’s rationale for invading it. Several officials involved in the events, some speaking publicly about them for the first time, confirmed his account.

    Mr. Bolton insists that Mr. Bustani was ousted for incompetence. In a telephone interview on Friday, he confirmed that he had confronted Mr. Bustani. “I told him if he left voluntarily we would give him a gracious and dignified exit,” he said.

    As Mr. Bustani tells the story, the campaign against him began in late 2001, after Iraq and Libya had indicated that they wanted to join the Chemical Weapons Convention, the international treaty that the watchdog agency oversees. To join, countries have to provide a list of stockpiles and agree to the inspection and destruction of weapons, as Syria did last month after applying. Inspectors from the agency were making plans to visit Iraq in late January 2002, he said.

    “We had a lot of discussions because we knew it would be difficult,” Mr. Bustani, who is now Brazil’s ambassador to France, said Friday in his embassy office in Paris. The plans, which he had conveyed to a number of countries, “caused an uproar in Washington,” he said. Soon, he was receiving warnings from American and other diplomats.

    “By the end of December 2001, it became evident that the Americans were serious about getting rid of me,” he said. “People were telling me, ‘They want your head.’ ”

    Mr. Bolton called on Mr. Bustani a second time. “I tried to persuade him not to put the organization through the vote,” Mr. Bolton said.

    But still Mr. Bustani refused, and his fate was sealed. The United States had marshaled its allies, and at an extraordinary session, Mr. Bustani was ousted by a vote of 48 to 7, with 43 abstentions. He was reportedly the first head of an international organization to be pushed out of office this way, and some diplomats said the pressure campaign had made them uneasy.

    Mr. Bolton’s office had also circulated a document that accused Mr. Bustani of abrasive conduct and taking “ill-considered initiatives” without consulting with the United States and other member nations, diplomats said.

    But Mr. Bustani and some senior officials, both in Brazil and the United States, say Washington acted because it believed that the organization under Mr. Bustani threatened to become an obstacle to the administration’s plans to invade Iraq. As justification, Washington was claiming that Saddam Hussein, the Iraqi leader, possessed chemical weapons, but Mr. Bustani said his own experts had told him that those weapons were destroyed in the 1990s, after the Persian Gulf war.

    “Everybody knew there weren’t any,” he said. “An inspection would make it obvious there were no weapons to destroy. This would completely nullify the decision to invade.”

    Mr. Bolton disputed that account. “He made that argument after we invaded,” he said. Twice during the interview, Mr. Bolton said, “The kind of person who believes that argument is the kind who puts tin foil on his ears to ward off cosmic waves.”

    But diplomats in The Hague said officials in Washington had circulated a document saying that the chemical weapons watchdog under Mr. Bustani was seeking an “inappropriate role in Iraq,” which was really a matter for the United Nations Security Council.

    Avis Bohlen, a career diplomat who served as Mr. Bolton’s deputy before her retirement, said in a telephone interview from Washington on Saturday that others besides Mr. Bolton believed that Mr. Bustani had “stepped over some lines” in connection with Iraq and other matters. “The episode was very unpleasant for all concerned,” she said.

    World Twitter Logo.

    Connect With Us on Twitter

    Follow@nytimesworldfor international breaking news and headlines.

    Twitter List: Reporters and Editors

    Speaking from São Paulo, Brazil, on Saturday, Celso Lafer, the former Brazilian foreign minister, said that in early 2002, he was asked to meet privately with Secretary of State Colin L. Powell, who a year earlier had praised Mr. Bustani’s leadership in a letter.

    Mr. Lafer said Mr. Powell told him, “ ‘I have people in the administration who don’t want Bustani to stay, and my role is to inform you of this.’ ”

    “It was a complicated process,” Mr. Lafer recalled, “with the United States and particularly John Bolton and Donald Rumsfeld wanting the head of Bustani.”

    “My view,” he continued, “is that the neocons wanted the freedom to act without multilateral constraints and, with Bustani wanting to act with more independence, this would limit their freedom of action.”

    Getting Mr. Bustani fired took some doing. Washington failed to obtain a no-confidence motion from the chemical weapons watchdog’s executive council. Then the United States, which was responsible for 22 percent of the agency’s budget at the time, threatened to cut off its financing and warned that several other countries, including Japan, would follow suit, diplomats have said.

    Mr. Bustani recalled that the ambassador from Britain, one of the agency’s most committed member nations, told him that London had sent instructions to vote with Washington. With the United States and Japan covering almost half the budget, the organization ran the risk of collapsing, Mr. Bustani said.

    On Friday, while fielding a flow of messages in his office, Mr. Bustani said he felt gratified about the Nobel Prize news and did not regret his days at the agency. “I had to start it from the beginning, create a code of conduct, a program of technical assistance,” he said. “We almost doubled the membership.”

    He reflected on the contrast between Iraq and Syria. Inspectors from the agency are there now, cataloging the government’s stockpiles of chemical weapons as a step forward in Syria’s civil war, now in its third year.

    “In 2002, the U.S. was determined to oppose Iraq joining the convention against the weapons, which it did not even have,” he said. “This time, joining the convention and having the inspectors present is part of the Syrian peace plan. It is such a fundamental shift.”

     

     

  4. A máxima de Tio Sam é:  Faça

    A máxima de Tio Sam é:  Faça o que eu mando, mas não faça o que eu faço.  Bustani foi punido por não tirar os sapatos.  

  5. fhc

    O fhc é tão transnacional e entreguista, que até nesta questão ele cedeu às pressões do governo Norte Americano. Que pintura de governo foi este fhc !

  6. Qual a maxima da turma do

    Qual a maxima da turma do Fernadinho ? Os brasileiros são uns jecas-incultos, nos somos a Intelligentsia do Pais e o resto é bobagem, nenhenhenhém, a gente sabe o que esta fazendo, afinal, somos os melhores. Essa é a parte endogena. Na Exogena, eles abaixam a cabeça e piam fino a todos que falem grosso com eles.

    E aqueles mesmo que sentem vergonha do apedeuta Lula, admiram deslumbrados essa patota.

  7. A OPCW foi condenada pela demissão – e NYT não falou nada!

    Nassif e amigos, fiar-se na reportagem do NYT é furada – vejam o porquê:

    “…Imediatamente depois de demitido por pressão dos EUA, Bustani recorreu à justiça, em ação que apresentou à Organização do Trabalho Internacional, que tem jurisdição sobre as organizações internacionais. O processo concluiu, em sentença perfeitamente clara, ao processo n. 2.232, que:

     1. A DECISÃO TOMADA EM CONFERÊNCIA DOS ESTADOS-MEMBROS DA OPCW DIA 22/4/2002 É NULA. 2. A OPCW DEVE PAGAR AO RECLAMANTE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS, A SEREM CALCULADOS NOS TERMOS ADIANTE ESPECIFICADOS (…). 3. A ORGANIZAÇÃO DEVE PAGAR AO RECLAMANTE, 50 MIL EUROS, PARA REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. 4. A ORGANIZAÇÃO DEVE PAGAR AO RECLAMANTE 5 MIL EUROS, DE CUSTAS PROCESSUAIS. A corte concluiu que a indevida influência política dos EUA levou à demissão ilegal do diretor Bustani, o que caracteriza demissão por interesses políticos, e agride o princípio da neutralidade de organizações internacionais como a Organização para a Proibição de Armas Químicas, OPCW. A organização foi condenada a indenizar o diretor ilegalmente demitido, por danos morais e pelos custos processuais, e a pagar-lhe todos os salários a que faria jus até 2005, quando terminaria o mandato para o qual fora eleito. Pois… para o New York Times não aconteceram nem o processo nem a sentença! Não são referidos na matéria publicada. Para o Times, a questão continua a ser de ‘interpretação e especulação’…” (fonte: http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2013/10/o-embaixador-brasileiro-demitido-da.html)  

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador