O Embate Histórico

Podemos analisar a conjuntura político-econômica do Brasil sob as óticas de um grande conflito ideológico, de projetos de país ou distributivo.

O conflito ideológico é o mais evidentes e transpira pelos poros de todos. Alguns o colocam num ultrapassado embate entre socialismoXcapitalismo, outros bolivarianismoXcapitalismo, ambos falaciosos, pois  não se trata de um conflito dessa natureza! Trata-se dum conflito ideológico sobre o papel do Estado e a quem ele serve, sobre quem são os legítimos agentes econômicos para empreender ou que detêm capacidade para engendrar o desenvolvimento nacional. Ou seja, EstadoXIniciativa Privada, que se traduz num embate entre PrivatizarXPublicizar.

Mas o que é publicizar?

Publicizar é o verdadeiro antônimo de privatizar e não o desgastado Estatizar. Explico, publicizar é tornar público. O fato de ser Estatal não implica necessariamente em tornar algo público no sentido de efetivamente pertencer à sociedade ou servir a ela. Estar sob controle do Estado é condição necessária, porém não suficiente, para tornar algo público. A melhor forma de melhorar a gestão dos negócios de interesse coletivo não é a privatização, nem tampouco a estatização, mas sim a publicização desses, mediante aumento da transparência e da participação popular nas decisões políticas, desde escolhas sobre as obras do bairro, passando pela escola dos filhos e indo até a definição de como o Estado deve gastar seus recursos em âmbito nacional.

A publicização também requer o aumento na eficiência da gestão pública e que essa tenha seu foco nas necessidades de seu cliente, a população, e não seja o que é hoje, um fim em si mesmo, uma gestão autocrática, burocrática e CORPORATIVISTA! Publicizar é difícil por sermos um país onde não houve efetivamente a criação de um conceito de “coisa pública” ou “bem público”.
 
O oposto de publicizar é privatizar. Privatizar só se presta a atender aos interesses privados (Lucros) daqueles que passarão a deter os negócios outrora públicos. O resultado de longo prazo de amplas privatizações é um aumento de transferência de riqueza a poucos, o sucateamento de bens públicos (os quais serão superexplorados até a exaustão).

Sob a ótica de projeto de país, o embate é entre um projeto que chamo por “Brasil Nação” e um projeto que chamo por “Brasil Legado”. O Brasil Legado é o projeto de continuidade histórica do país como ator marginal no sistema econômico (e político) internacional. Esse projeto é aquele do interesse de nossa elite econômica,  a qual se associa historicamente aos interesses estrangeiros pra se locupletar facilmente do restante do país. É a versão moderna do velho pacto colonial, onde os escravos fomos/somos/seremos nós, os não-elite.

O Projeto Brasil Nação é o projeto focado no desenvolvimento econômico e social nacional, inclusivo, independente, altivo e soberano. O embate político nacional também deve ser colocado nesse sistemas de coordenadas e não apenas numa divisão importada entre esquerda e direita. Senão vejamos, esse é o embate do Brasil desde a revolução de 1930. Getúlio, JK, Jango, Lula, Dilma. Esses são alguns dos representantes que incomodaram os donos do país ao iniciar um modelo de desenvolvimento nacional, Getúlio e JK jamais foram de esquerda, porém também foram perseguidos e sofreram linchamento político similar ao de Lula, mas por que?

Porque nesse sistema de coordenadas políticas há uma clara disfuncionalidade no sistema democrático para o Brasil. Pois o projeto Brasil Nação tem num de seus eixos a inclusão econômica e social, o que lhe proporciona amplo apoio popular e o faz vencer as eleições. Só que, em algum momento, entrará em conflito com o interesse daqueles que se beneficiam da coordenação de subserviência ao exterior e de manutenção de privilégios. Essa disfuncionalidade da democracia levou Getúlio ao suicídio, fez com que JK fosse cassado pela ditadura (e possivelmente morto por ela) fez com que Jango fosse deposto e por último que Dilma o PT e Lula fossem destruídos pela máquina jurídico-midiática.

O conflito distributivo está no bojo desse embate. É o conflito entre o restante do país e uma meia dúzia que sempre se locupletaram da renda nacional. À medida que um projeto de Brasil Nação se desenvolve, inevitavelmente chegará um momento de briga de faca no escuro. Os recursos necessários ao desenvolvimento nacional são surrupiados para as mãos de meia dúzia! Quando se opta pelo desenvolvimento nacional, esses recursos começam a escorrer das mãos deles.

Todo esse embate político e sobretudo ECONÔMICO é o que constrói e financia um aparato ideológico com vistas a demonizar uma opção política e glorificar a outra. Os interesses da elite são então colocados como os interesses da nação, numa grande enganação. Sendo a maior das enganações a substituição do debate político pelo debate moralista em torno da corrupção.

Na política há corruptos (e aposto que em todos as demais profissões) mas o núcleo do debate político não é a corrupção, não é aquilo que corre por debaixo dos panos, mas sim aquilo que é feito às claras. O centro do debate político é como os recursos produzidos pela sociedade toda devem ser aplicados, redistribuídos, investidos, com vistas ao interesse comum.

Ao se substituir o debate político pela sanha moralista só há o esvaziamento político por parte da população e a demonização daqueles que são os únicos capazes de fazer frente ao poder do grande capital, do Brasil Legado e sua máquina de propaganda (mídia). Enfraquecer os políticos é enfraquecer a nós mesmos e à capacidade da população em fazer frente a esses interesses econômicos privados e alheios ao bem público!

Essa confusão e o esvaziamento da política e sua substituição pelo moralismo gera fenômenos proto-fascistas como Bolsonaro e Sergio Moro, que são efetivamente irmãos siameses a complementarem um ao outro.

Mas por que isso ocorre?

Á medida que esse conflito vai se acirrando, as violências sistêmicas vão se transmutando e descendo na escala. Temos 3 grandes violências sistêmicas, a violência física, a violência simbólica/intelectual e a violência econômica. Elas são sistêmicas por serem a base de funcionamento do sistema produtivo e social vigente.

A violência física tem a função histórica de oprimir os mais fracos, de manter aqueles que pouco possuem em seu lugar na estrutura social. As polícias militares são, essencialmente, forças de repressão política e não forças de segurança pública. Por isso os seus desvios de atuação são “relevados” pelas classes de cima, uma ou outra vítima  e os abusos contra os oprimidos são tolerados, desde que a missão de manter a base na linha seja alcançada.

Já as violências simbólicas e intelectual são destinadas à classe média, a qual, pela natureza de atividades que desempenha no sistema produtivo, não podem ser dominadas à força.  A função dessas é desprover o indivíduo de qualquer processo crítico em relação ao mundo e sociedade e criar bons “servos” e guardiões da elite.  O ser de classe média ideal deve defender as coisas como estão, deve ser conservador em essência, deve ser um autômato movido a consumo e trabalho, um robô! O objetivo último dessa violência é a de legitimar a dominação.

A violência econômica é a derradeira violência que origina todas as demais. É a violência do sistema produtivo voltado a enriquecer poucos às custas de milhares.

No esgarçar do embate entre os projetos de país há um recrudescimento das violências. A violência econômica desce um degrau na escala “evolutiva” e intensifica a violência simbólica: linchamento ideológico e social do pensamento crítico, ataque às minorias, supressão direitos fundamentais,  escola sem partido,  MBL e congêneres. A violência simbólica desce um degrau e vira violência física: assasinato de Marielle; ovos, pedras e tiros  contra comitiva de Lula, a prisão de Lula e o aumento da violência no campo. E a violência física, sendo a mais primitiva das violências, não pode se transmutar, porém ela se intensifica: intervenção militar do rio e  predominância do discurso da segurança pública.

Podemos chamar esse revés civilizatório de fascismo! O qual é um processo de crise econômica e política do sistema capitalista, que no caso brasileiro é um embate entre os representantes locais do capitalismo (Brasil Legado) com o restante do país, resultando numa dominação e subjugação mais crua e evidente.

Redação

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