Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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O ovo da serpente do PT e a concepção fascista de vida

A política econômica neodesenvolvimentista do PT resgatou o povo não das misérias do capitalismo moderno, mas das misérias herdadas do passado colonial-escravista da Casa Grande e Senzala. Por isso, a sociedade do consumo, a precarização do trabalho e a ideologia meritocrática chocaram o ovo da serpente cujos filhotes surgem agora, polarizando o cenário político. Esses filhotes vão reeditar a mesma psicogênese da chamada “personalidade autoritária” encontrada em pesquisas empíricas feitas pela Universidade de Bekerley, Califórnia, coordenadas pelo pesquisador alemão Theodor Adorno há 64 anos. Naquela oportunidade a pesquisa descobriu uma conexão entre o conservadorismo político e o “caráter neurótico” marcado por nove traços de personalidade como “convencionalismo”, “submissão acrítica”, “destruição” e “cinismo”. Em um contexto diferente, o Brasil estaria repetindo o mesmo cenário psicossocial daquela época, a concepção fascista de vida?

O que há em comum nessas três cenas abaixo?

(a) Um jovem profissional, imerso e confinado numa dessas baias dos modernos ambiente corporativos, alterna páginas do Facebook, pesquisas profissionais e consulta ao calendário buscando as datas dos próximos feriados e os dias que poderão ser “enforcados”. Um pequeno devaneio em meio à estressante ordem meritocrática em busca de desempenho, resultados e promoções;

(b) Manifestação pelo impeachment da presidenta Dilma na avenida Paulista em São Paulo na semana passada. “Não queremos o vermelho na nossa bandeira!”, bradam enfurecidos manifestantes trajando amarelo, muitos deles com a bandeira brasileira sobre os ombros. Pouco depois na mesma manifestação, agora gritam “São Paulo é o meu país!”… porem, há a cor vermelha na bandeira desse Estado…;

(c) Um jovem universitário lê na coluna do filosofo Luiz Pondé na Folha a defesa da necessidade de uma “secessão política” entre os que votaram em Dilma Rousseff e os que não votaram: “uma militância de secessão para que os bolivarianos durmam inseguros”, escreveu o filósofo. Beneficiado por um programa público do Governo Federal, este jovem está em uma universidade cujo discurso é o do talento individual como o caminho para o sucesso profissional.

O ovo da serpente foi chocado nas baias
das modernas corporações?

Na cena (a) temos a submissão acrítica ou uma orientação ambígua em relação à autoridade e poder: nutre ódio e desprezo pelo sistema no qual está imerso (o sintoma são as fantasias escapistas) e, ao mesmo tempo, sabe que depende desse sistema para ascender na meritocracia. O resultado psíquico é o ressentimento;

Na cena (b) vemos a lógica estereotipada onde se pensa por categorias rígidas, sem perceber a contradição entre elas – Brasil X São Paulo X cor vermelha;

E na cena (c) o fenômeno psíquico da projeção, isto é, acreditar que coisas perigosas e violentas ocorrem no mundo, projetando para o exterior contradições emocionais internas – contradição inerente à própria contradição do jovem universitário beneficiado por uma política pública de inserção educacional que o insere em uma vida acadêmica cuja motivação é o discurso do sucesso profissional baseado em características inatas individuais.

O que há em comum nessas cenas é aquilo que há 64 anos o pesquisador Theodor Adorno, associado a psicólogos da Universidade de Berkeley na Califórnia, denominou personalidade autoritária.

Adorno, Frenkel e Sanford, através de pesquisas empíricas em psicologia social que resultaram nas mil páginas do livro The Authoritarian Personality, tentavam compreender não só como era possível a maioria da população em países industrializados agir num sentido favorável a um sistema que o oprimia mas, principalmente, detectar a gênese psicológica do surgimento do preconceito etnocêntrico, conservadorismo político e disposições latentes de uma “concepção fascista da vida”. O temor deles era reprodução de traços psicológicos proto-fascistas  que poderia conduzir à repetição do nazi-fascismo europeu em pleno território norte-americano.

Se lá em 1950 o cenário era o crescimento econômico e a sociedade de consumo do pós-guerra, aqui no Brasil temos os filhotes da serpente cujos ovos foram chocados pela chamada política econômica neo-desenvolvimentista dos governos do PT – e muitos deles pudemos ver nas furiosas expressões fisionômicas e xingamentos nas manifestações na avenida Paulista.

O Neodesenvolvimentismo deixou rolar a miséria do capitalismo moderno

A personalidade autoritária
descrita há 64 anos
mantém-se atual

Como coloca o professor da Unesp Giovanni Alves, ao buscar redistribuir a renda e diminuir a desigualdade social por meio de programas estatais de transferência de renda (bolsas, salário-mínimo etc.) o neodesenvolvimentismo tenta resgatar o povo não das misérias modernas do capitalismo, mas das misérias herdadas do nosso passado colonial-escravista. Na verdade, um modelo de desenvolvimento que modernizou o capitalismo brasileiro ao normalizar as funções de reprodução da força do trabalho e consumo ótimas para o capital, além da manutenção da financeirização – sobre isso leia ALVES, Giovanni. “Neodesenvolvimentismo e precarização do trabalho no Brasil” In: Blog da Boitempo..

Porém, como dizia Marx “somos atormentados não só pelos vivos, como também pelos mortos”. Assim como o Nazismo trouxe os antigos mitos nacionalistas da família, terra e pureza do sangue como respostas ao ressentimento das massas imersas no caos hiperinflacionário, da mesma forma no Brasil os preconceitos, ódio e intolerância ainda presentes como herança atávica da Casa Grande e Senzala (o “quarto de empregada” e o “elevador de serviço” são uma dessas pequenas tragédias) são o combustível para o ressentimento por ser projetado.

Um ressentimento cuja origem está paradoxalmente na modernização capitalista que o neodesenvolvimentismo estimulou: o acirramento da ideologia meritocrática (seja por meio da publicidade ou consumo, seja pelas universidades privadas e cultura corporativa) combinado com a precarização do trabalho.

A “modernização” das mazelas do capitalismo globalizado como precarização e flexibilização das relações trabalhistas (trabalhadores terceirizados, estagiários, temporários etc.) ocorre  paralela à sofisticação do discurso meritocrático: o fracasso somente pode ter causa na fraqueza do indivíduo. O resultado é aquilo que Adorno chamava de “dureza da vida” ou “vida prejudicada” e a valorização da “educação pela dor” como moralmente necessária para o indivíduo enfrentar a rudeza do dia-a-dia.

A concepção fascista de vida

Essa é a gênese da concepção fascista da vida, cuja fórmula Adorno sintetizou da seguinte maneira: “aquele que é duro contra si mesmo adquire o direito de sê-lo contra os demais e se vinga da dor que não teve a liberdade de demonstrar, que precisou reprimir” (“Educação após Auschwitz”In: Theodor W. Adorno – coleção grandes cientistas sociais, São Paulo: Ática, p.39).

 

O resultado é a personalidade autoritária que pesquisadores à época da pesquisa da Universidade de Berkeley como Fromm e Reich descreviam como de “caráter neurótico”: fixações sadomasoquistas, superego punitivo fonte de exigências impossíveis e de um sentimento extremo de culpabilidade, resultando num ego fraco que esgota toda sua energia na defesa contra pulsões reprimidas.

A pesquisa The Authoritarian Personality de Adorno, Frenkel e Sanford demonstrou como esse caráter neurótico cria nove traços de personalidade que compõem a personalidade autoritária. Sessenta e quatro anos depois, podemos encontrar no atual quadro de polarização política brasileira e nas oposições políticas suicidas (rejeição à política e golpismo)  esses mesmos traços.

Os 9 traços da personalidade autoritária

(1) Convencionalismo – a inclinação para o fascismo é característica de quem gravita em torno das classes médias, com rígida adesão ao convencional ou ao “bom senso” seja estética ou intelectualmente. Do “coxinha” de um ambiente corporativo com extrema convenção no modo de se vestir e falar a uma figura como a do cantor Lobão que, incapaz de se reinventar na sua carreira persegue o papel convencional de “oposição aloprada” desde os tempos em que posava com camiseta do MST.

 
Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

14 Comentários

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  1. A única explicação,

    A única explicação, comprovada científicamente, como motivo para levar um eleitor a votar em Aécio, segundo propaganda comercial do próprio candidato em horário eleitoral gratuito, é adorar churrasco e detestar ovos.

  2. Post muito ruim

    Li do começo ao fim. Duas vezes. Post muito bem elaborado; com ilustrações, inclusive.. Deve ter dado um trabalho danado. Começa com uma “baia” (isso já foi eliminado, há muito, nas empresas) e parte para suposições. Depois fala de vermelho na bandeira paulista. Bom, não vou me estender. Perda de tempo. Não convence nem convertido. Numa escala de 0 a 5…….dou 1…….pra não desestimular.

      1. Pelo menos o video mostra um

        Pelo menos o video mostra um aspecto identificante do fascista que o Wilson nao abordou porque a literatura nao o aborda:  o cara do video fala em Che Guevara e “Uniao Sovietica”(!).

        Isso nao eh so ignorancia.  Eh analfabetismo mental mesmo.  O cara nao sabe nem pensar direito!

        A marca identificante da direita mundial, em geral, eh a completa incapacidade de assimilar informacoes e de formar um todo coherente.

      2. Tá bom

        “…..mas das misérias herdadas do passado colonial-escravista da Casa Grande e Senzala. Por isso, a sociedade do consumo, a precarização do trabalho e a ideologia meritocrática chocaram o ovo da serpente……”

        Vá mais longe: o que tem o livro Casa Grande e Senzala do Gilberfto Freyre (é o livro que é citado) e a precarização do trabalho com as manifestações contra Dilma (que por sinal discordo e condeno)?

        Bom, se voce aceita essa miscelânia sem sentido, tudo bem. Eu sou um pouco mais exigente.

         

        1. “se voce aceita essa

          “se voce aceita essa miscelânia sem sentido, tudo bem. Eu sou um pouco mais exigente”:

          Eu tambem e sua tolice nao vai passar em branco:  o que o livro “Caga Grosso e Senzala” tem a ver com as manifestacoes contra Dilma?

          1. O que tem a ver?!?!

            O que “Casa Grande e Senzala” tem a ver com as manifestações contra Dilma? Ora, caros comentaristas… aconselho o sr. Pereira LF a ler o texto pela terceira vez, e dessa vez não ficar tão preocupado com as ilustrações.

            A relação com Casa Grande e Senzala, não o livro propriamente dito, mas a expressão que significa as influências da mentalidade colonial-escravocrata ainda presentes no século XXI, é que o neodesenvolvimentismo econômico produz tanto ódio porque diminui as desigualdades sociais, batendo de frente nessa mentalidade retrógrada.

            Esse ódio volta-se contra Dilma. O agravante desta questão levantada pela postagem ao fazer referência à pesquisa de Adorno é que as mazelas do capitalismo moderno como a precarização e a mentalidade meritocrática, acabam servindo de combustível a esse ódio, produzindo a configuração da personalidade autoritária.

            O paradoxo (ou a “dialética”, se o leitor for hegeliano) é que o ódio atávico da “Casa Grande e Senzala” (não o livro, mas a expressão que corresponde a essa mentalidade) acaba sendo alimentado por fatores atuais – a modernização do capitalismo brasileiro (precarização e flexibilização do trabalho e ideologia meritocrática inculcado na cabeça das classes médias) trazido pelas políticas neodesenvolvimentistas.

            Abs!

      3. Tem mais

        esqueci de citar: “ideologia meritocrática”………….caraca, meu! o que isso significa. Se vc me explicar eu volto e confesso a minha ignorância sem qualquer constrangimento..

         

         

        1. Meritocracia da podridão.

          Pereira LF, ideologia meritocrática, em linguagem simplória, para os tolos entenderem, é acreditar que fulano está no cargo tal por mérito. Exemplo. No início da Ditadura, o pai do Maluf, apoiador do golpe, exigiu um cargo para o filho, formado pela Escola Politécnica da USP. Engenheiro da Poli seria um mérito, mas havia centenas de outros engenheiros formados pela mesma Politécnica mais capazes do que Maluf. Maluf ganhou o cargo de presidente da Caixa Econômica Federal de São Paulo. Anos depois as caixas econômicas federais dos estados tornaram-se uma única entidade. Então, o “mérito” de Maluf não era mais meritocrático do que seus colegas de faculdade. Outro exemplo, mais recente. O genro de Fernando Henrique, David Zylbersztajn (copiei p/não errar a ortografia) foi secretário de energia de SP, pelo simples fato de ser casado com a filha do Presidente. Há milhares de engenheiros no Brasil mais qualificados do que ele, mas ele, engenheiro mecânico pela PUC-Rio, foi escolhido para presidier a ANP, embora não distinga uma bacia de alumínio de uma bacia sedimentar, onde ficam as jazidas de petróleo. E por aí vai. Quando Lula nomeou para a ANATEL um engenheiro eletrônico formado pelo ITA, nossa querida imprensa rotulou-o como “sindicalista”, por ter sido presidente do Sindicato dos Engenheiros. Mente podre lê imprensa podre e apodrece filhos, mulher e amigos.

  3. Esse trabalho clássico de

    Esse trabalho clássico de Adorno e outros já foi citado aqui e eu lembro que na oportunidade eu saudei a adequação do post. Esse agora é bem melhor; bem mais completo.

    Saudações mais uma vez.

  4. Bois brabos à solta, fugidos do curral eletrônico da direita.

      Uma cena que era comum no interior se repete cada vez mais mesmo nos grandes centros. Cuidado se tiver “ostentando” um pano vermleho que eles ciscam e correm em disparada pra cima de você sem aviso, é bom aprender a dar um belo olé.

  5. o ovo da serpente é dos

    o ovo da serpente é dos fascistas-nazista.

    ver o film de bergman…

    dali nasce o ódio.

    o pt foi generoso, pensou o outro, o fascismo não. .

    mas de resto oartigo está ótimo, como sempre faz o articulista.

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