O PL Antiterroristas e o terrorismo legislativo

A perseguição de sem-terras com base na Lei anti-terrorismo já começou https://jornalggn.com.br/noticia/apos-lei-antiterrorismo-mst-e-taxado-de-organizacao-criminosa-e-lideres-sao-presos. Infelizmente eu estava certo sobre os descaminhos que seriam produzidos por esta Lei quando ela estava apenas em discussão.

O PL Antiterroristas http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=0A9D59255421F631785675245D360F51.proposicoesWeb1?codteor=1373970&filename=REDACAO+FINAL+-+PL+2016/2015 avançou no Senado e pode ser aprovado hoje na Câmara dos Deputados.  Em razão disto resolvi fazer uma pequena avaliação do mesmo:

Art. 2º O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública. 

§ 1º São atos de terrorismo:

I – usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos, nucleares ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa;

O crime que é de resultado (usar) se torna crime de mera conduta (ameaçar usar). Em razão disto, poderá ser tratado com terrorista qualquer pessoa que faça uma piada de mal gosto considerada ameaçadora mesmo que não tenha condição material de realizar o dano prometido.

II – incendiar, depredar, saquear, destruir ou explodir meios de transporte ou qualquer bem público ou privado;

Todo crime de dano (art. 163, do Código Penal) poderá em tese ser tratado como crime terrorismo. As discussões sobre quando ocorreu um tipo ou outro serão intensas e provocarão disputas judiciárias intermináveis.

III – interferir, sabotar ou danificar sistemas de informática ou bancos de dados;

Este tipo é elástico demais. Toda e qualquer ação de um hacker poderá ser considerada ato terrorista, inclusive quando a vítima for uma empresa privada ou um único cidadão. Se o ato for praticado por um hacker dentro do Brasil contra alguém fora do país há crime? Se um hacker cometer o ato fora do Brasil provocando dano dentro do país a legislação brasileira o alcançará fora da jurisdição do nosso país?

IV – sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com violência, grave ameaça a pessoa ou servindo-se de mecanismos cibernéticos, do controle total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meio de comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia, instalações militares, instalações de exploração, refino e processamento de petróleo e gás e instituições bancárias e sua rede de atendimento;

Há aqui uma redundância. O crime de sabotar ou apoderar-se servindo-se de mecanismo cibernético já está definido no inciso III de maneira mais ampla.

V – atentar contra a vida ou a integridade física de pessoa:

Também neste caso haverá discussão quando ocorre este tipo e quando a ação do agente poderá ser subsumida a um dos tipos prescritos nos arts. 130 a 136 do Código Penal.

Art. 3º Promover, constituir, integrar ou prestar auxílio, pessoalmente ou por interposta pessoa, a organização terrorista:

Noticiar uma ação considerada terrorista, entrevistar uma pessoa acusada de terrorismo ou divulgar manifestos políticos indesejados poderá ser considerado crime com evidente limitação da liberdade de expressão e de imprensa. Os abusos com base neste tipo serão imensos. Em breve a PF começará a ser acionada sempre que um político quiser calar a boca de um blogueiro ou de um desafeto que não tenha imunidade em razão de exercer cargo público. 

Art. 4º Fazer, publicamente, apologia de fato tipificado como crime nesta Lei ou de seu autor:

A apologia é um discurso de defesa ou louvor. Portanto, todo advogado faz a apologia de seu cliente em Juízo. Como as autoridades se comportarão caso sejam divulgadas peças dos processos envolvendo terrorismo? Elas condenarão o advogado com base neste artigo, limitando o direito dele de defender o réu? Condenarão quem divulgar as teses de defesa do acusado de terrorismo mesmo não tenham escrito as mesmas e estas sejam públicas e constem de processos judiciários?

Art. 5º Realizar atos preparatórios de terrorismo com o propósito inequívoco de consumar tal delito:  

Há dois problemas neste artigo. O primeiro diz respeito à punição dos atos preparatórios. Comprar uma arma pode ser considerado um ato preparatório mesmo que o adquirente da mesma não tenha intenção de usá-la. Portá-la em público também poderá ser considerada ato preparatório, portanto, em tese, todo policial poderia em tese ser considerado terrorista quando pratique atos criminosos no exercício da função.  A expressão “propósito inequívoco” é ambígua demais. Intenções não podem ser provadas, no máximo podem ser interpretadas. Vem daí que este tipo deixará ao arbítrio do julgador condenar ou não o réu com base nos indícios do crime.

Art. 6º Receber, prover, oferecer, obter, guardar, manter em depósito, solicitar, investir, de qualquer modo, direta ou indiretamente, recursos, ativos, bens, direitos, valores ou serviços de qualquer natureza, para o planejamento, a preparação ou a execução dos crimes previstos nesta Lei:

Este tipo é o único que parece ter sido bem definido, mas ainda contém um problema. O crime é de mera conduta. Qualquer pessoa que receba ou guarde algo considerado necessário à preparação de um ato terrorista poderá ser condenado por sua conduta. O dono do Banco onde estavam depositados os recursos do grupo terrorista ou do terrorista também será condenado caso o réu seja detido antes de cometer o ato que planejava executar?

Art. 11. Para todos os efeitos legais, considera-se que os crimes previstos nesta Lei são praticados contra o interesse da União, cabendo à Polícia Federal a investigação criminal, em sede de inquérito policial, e à Justiça Federal o seu processamento e julgamento, nos termos do inciso IV do art. 109 da Constituição Federal.

Disputas de competência entre a União e Estados da federação ocorrerão sempre que ocorrer um fato que possa ser considerado terrorismo ou crime comum prescrito no Código Penal. 

Tudo bem pesado é inevitável a conclusão de que o PL em questão foi mal redigido e criará mais problemas do que soluções. O Brasil não está se modernizando, está voltando aos bons tempos em que o Estado condenava por suspeita, perseguia por razões políticas e garantia a liberdade de expressão e o direito de defesa apenas aos amigos do Rei. Quem será nosso novo Rei? O Delegado da PF mais próximo, o Ministro da Justiça ao qual está subordinada a PF ou o Presidente da República que nomeia o Ministro da Justiça?

Fábio de Oliveira Ribeiro

4 Comentários

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  1. Será?

    Mas, com todo o respeito possível, também não haveria a necessidade de se tipificar o terrorismo no País, especialmente tendo em vista à Rio 2016? Se ficarmos o tempo todo discutindo, discutindo, discutindo: sei não.

    Porém, por que você não propõe sugestões ao texto, então?

    1. A legislação penal já é mais

      A legislação penal já é mais o que suficiente para reprimir condutas violentas. 

      Terrorismo é um fenômeno que pressupõe guerra externa ou interna (não estamos em guerra).

      A Copa do Mundo foi realizada com sucesso sem graves incidentes… e sem Lei anti-Terrorismo.

      A necessidade desta Lei é portanto, inexistente.

      O que o Estado deve fazer é contratar, treinar e colocar policiais para garantir a segurança das pessoas. E não só durante a Olimpiada. 

      No mais, o que eu podia fazer fiz: comentar o Projeto de Lei que está prestes a virar mais uma lei de merda.

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