PIO & MÁRIO – diálogo da vida inteira

  Palestra do professor e crítico Antonio Candido sobre Pio Lourenço Corrêa, cuja correspondência com Mário de Andrade foi publicada no livro “PIO & MÁRIO – diálogo da vida inteira”. Personagem interessantíssima, figura singular, Pio Lourenço tinha ao mesmo tempo traços tirânicos e personalidade extremamente generosa e despreendida, parecia querer afeiçoar o mundo ao seu modo de ser. Fazendeiro, intelectual, conhecedor profundo de linguística, etnografia e geografia do Brasil, era obcecado pela história da região de Araraquara, nome tupi que significa, segundo ele defendeu a vida toda, “lugar onde nasce o sol, cova de onde nasce o sol” e não “toca de arará (formiga) ou toca de arara (ave)”, como se dizia na época e como, inclusive, consta da wikipedia. clique aqui para assistir ao vídeo em 4 partes

 
 

 
 

Para folhear o livro acesse aqui
 
 

 

 

PIO & MÁRIO – diálogo da vida inteira

 – A correspondência entre o fazendeiro Pio Lourenço Corrêa e Mário de Andrade (1917 – 1945)

– Autores: Antonio CandidoMário de AndradePio Lourenço Corrêa

 – Editora: Ouro sobre Azul

 

 

De O Estado de S.Paulo –  23/05/2009

 

De Mário para Tio Pio. De Tio Pio para Mário

 

Livro traz cartas trocadas entre Mário de Andrade e Pio Corrêa, seu maior interlocutorO escritor Mário de Andrade (1893-1945) instaurou na palavra o seu império – e na correspondência um canal vital para compartilhar sentimentos, alegrias e ansiedades. Ao longo de sua carreira literária, o autor de Macunaíma trocou um impressionante volume de cartas com pintores, pesquisadores, jornalistas e, principalmente, escritores, esparramando-se em textos que muitas vezes pareciam poema em prosa. Os destinatários tanto eram iniciantes, que buscavam (e recebiam) valiosos conselhos, como artistas já seguros em sua arte, cujos contatos apontaram novos caminhos estéticos.

O volume Pio & Mário – Diálogos da Vida Inteira, lançamento da editora Ouro Sobre Azul em parceria com Edições Sesc SP (424 páginas, R$ 96), aponta para uma nova vertente na correspondência andradina. Se os livros já publicados trazem as cartas destinadas a notáveis como Manuel Bandeira, Cândido Portinari, Fernando Sabino, Anita Malfatti, Tarsila do Amaral e Luís da Câmara Cascudo, entre outros, Pio & Mário reúne as confidências trocadas com um interlocutor conhecido por poucos, o fazendeiro Pio Lourenço Corrêa (1875-1957). Homem de personalidade original, com um toque de excentricidade, Pio era um parente distante e proprietário da Chácara da Sapucaia, em Araraquara, na qual Mário buscava refúgio de sua rotina estafante. Foi ali, por exemplo, acomodado em um universo ordenado e protegido, que o autor escreveu Macunaíma em seis dias febris de inspiração. “Mas a obra não sofreu interferência do local”, alerta o crítico Antonio Candido, também amigo de Pio Lourenço e autor do texto que traz traços biográficos do fazendeiro, presente no livro (leia entrevista na página 2). “O impulso aconteceu lá”, comenta ele, que vai participar do lançamento oficial da obra, amanhã, quando faz uma palestra, a partir das 20 horas, no Teatro Anchieta do Sesc Consolação.

Pio foi grande amigo do pai de Mário de Andrade e sua aproximação com o escritor aconteceu depois de dois momentos trágicos: a morte do irmão mais moço e do pai de Mário. Em carta a Manuel Bandeira, datada de 1931, o autor de Amar Verbo Intransitivo relata como foi o bom senso do fazendeiro que o salvou depois da primeira perda: tomado por uma séria depressão nervosa, ele foi deixado sozinho na fazenda, de onde saiu curado, dias depois. “É esta a primeira vez que a mão amiga de Pio Lourenço intervém no seu destino”, escreveu a pesquisadora Gilda de Mello Souza (1919-2005), autora de um detalhado estudo sobre ele, que era seu tio-avô – ela também era prima em segundo grau de Mário. “E a chácara transforma-se em seu vício, a sua Pasárgada, onde são satisfeitas a suas “vontades rurais?.”

Era o início de uma relação respeitosa e afetiva, em que o escritor passou a tratar o amigo de Tio Pio, ainda que tal parentesco não existisse. Embora distintos, o homem maduro do interior e o jovem intelectual urbano, que guardavam uma diferença de 18 anos nas idades, iniciaram uma improvável correspondência. E, ao contrário da grande maioria das cartas que Mário trocou com outros, aqui os detalhes de sua vida cotidiana estão em evidência.

O conjunto traz 105 cartas e bilhetes de Pio Lourenço e 84 cartas de Mário de Andrade, datadas de 1917 a 1945, quando o escritor morreu. Foi o mais longo período de correspondência trocada por Mário com seus vários missivistas. Um interlocutor culto, que não aceitava suas experiências com a língua portuguesa – detestou, por isso, Macunaíma, preferindo Amar Verbo Intransitivo.

 

De O Estado de S.Paulo –  23/05/2009

 

Entrevista 

 

Pio discordava radicalmente do modernismo de Mário de Andrade”

 

Segundo o crítico Antonio Candido, o fazendeiro de Araraquara não aceitava as inovações literárias propostas pelo escritor

 

Ubiratan Brasil

O crítico Antonio Candido ainda guarda recordações afetivas de Pio Lourenço Corrêa, fazendeiro que se tornou o principal interlocutor de Mário de Andrade – e também seu, mantendo um contato constante de 1944 até o ano da morte de Corrêa, 1957. “Foi um dos homens mais inteligentes e originais que conheci”, comenta ele, em entrevista ao Estado, realizada por e-mail. “Apesar de ser 43 anos mais moço, fui amigo dele.” Na introdução escrita para Pio & Mário, em que revela traços biográficos do fazendeiro, o crítico o descreve como um homem pequeno, magro, de feições corretas, voz grave e bem empostada, a serviço de uma dicção perfeita. “Possuía grande senso de humor, se divertia com facilidade e era conservador incomparável”, comenta.

Candido acompanhou o trabalho de sua mulher, Gilda de Mello e Souza, na reunião de todo material relativo a Corrêa, que era seu tio-avô paterno. A intenção da pesquisadora era escrever um estudo detalhado sobre o fazendeiro. A morte, no entanto, em 2005, a impediu de dar a redação final.

 

Quem foi Pio Lourenço Corrêa, com o qual Mário de Andrade manteve a mais longa troca de cartas? É bom esclarecer que não era tio de Mário de Andrade, embora este o trate assim o tempo todo na correspondência. Mário e os irmãos se acostumaram a este tratamento por imitação de um sobrinho de Pio Lourenço, com o qual conviveram em meninos. Mas era primo de sua mulher, Zulmira de Moraes Rocha. Pio Lourenço foi fazendeiro eficiente e homem muito culto, dedicado sobretudo aos estudos linguísticos. Como era um pouco maníaco, acabou tendo como preocupação central demonstrar sistematicamente que o nome da sua cidade significa “morada do sol”, ou “cova onde nasce o sol”, não “cova das araras”. Neste sentido publicou um livro interessante: Monografia da Palavra Araraquara. Publicou também muitas dezenas de artigos sobre questões de linguística. Era extremamente conservador e, como se dizia, “sistemático”, chegando a elaborar um modo de viver peculiar em sua chácara Sapucaia. Conhecia bem quatro línguas estrangeiras, pronunciando-as com perfeição, e tinha uma biblioteca de qualidade, que compreendia inclusive um setor de ciências naturais, das quais era amador. Apesar de severo e autoritário, era sociável, hospitaleiro e tinha uma conversa encantadora, marcada pelo senso de humor. Era notável a firmeza inflexível do seu caráter. Foi um dos homens mais inteligentes e originais que conheci, num convívio que durou até a sua morte em 1957, porque, apesar de ser 43 anos mais moço, fui amigo dele.

 

Como as cartas de Mário a Pio abrem caminho para a compreensão das angústias do escritor? Na introdução deste livro, Gilda de Mello e Souza sugere, a meu ver com razão, que as relações de ambos tiveram certo caráter de apoio do mais velho ao mais moço. Muitas delas mostram Mário inquieto e deprimido, despertando no amigo uma atitude de quem conforta e estimula. É provável que esta tenha sido a base da grande amizade deles. Gilda observa também que o pai de Mário morreu num momento em que as relações com o filho não estavam afinadas, o que deve ter gerado algum remorso neste. Então, Pio Lourenço avultou como amparo e abrigo, tanto mais quanto Mário via nele, segundo diz numa carta, semelhança com seu pai: a mesma severidade intransigente, a mesma retidão sem quebra, a mesma disciplina. Pio Lourenço, do seu lado, foi amigo do pai de Mário, Carlos Augusto de Andrade, do qual era 26 anos mais moço, e tinha por ele não apenas admiração, mas veneração. Lembro que invocava o seu nome com muita frequência a propósito de vários assuntos.

 

Houve influência de Pio sobre Macunaíma, escrito na sua chácara? A resposta é negativa. Mário escreveu o livro na chácara porque o impulso ocorreu lá. O quarto do casal e o quarto de hóspedes ficavam lado a lado, com portas contíguas dando para um pequeno vestíbulo. Estas portas tinham a parte superior de vidro fosco rugoso, de modo que era possível saber, de um, se a luz do outro estava acesa. Dona Zulmira queria que o primo dormisse cedo para descansar; ele, então, a fim de não alertá-la, ia para o grande banheiro privativo do quarto, fechava a porta e escrevia até quando quisesse, numa pequena mesa encimada por um espelho oval. Foi assim que redigiu de jato o famoso livro, mas retocou-o em seguida, inclusive na fazenda do irmão de dona Zulmira, Cândido de Moraes Rocha, onde contava episódios aos filhos pequenos deste. A mais velha, Maria Elisa, que tinha uns 11 ou 12 anos, foi quem sugeriu que Venceslau Pietro Pietra morresse afogado num tacho de macarronada. Pio Lourenço discordava radicalmente do modernismo e da escrita de Mário, mas noutros setores podiam trocar ideias: fala popular, ditos, tradições paulistas, problemas de linguística. Numa carta vemos que gostou de Os Filhos da Candinha, cuja escrita lhe pareceu mais ?normal?. A correspondência mostra que Mário discutia muita coisa com o amigo, do qual diferia intelectualmente. Mas se admiravam e eram unidos por um grande afeto.

 

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Pio e Mário, diálogo da vida inteira, traz a público a correspondência inédita e praticamente completa do fazendeiro Pio Lourenço Corrêa com Mário de Andrade, transcorrida entre 1917 e 1945, ano da morte do autor de Macunaíma.

Iniciada em função do forte laço afetivo que unia as famílias de ambos, a improvável troca de cartas entre o homem maduro do interior e o jovem intelectual urbano – que guardavam uma diferença de idade de 18 anos entre eles – permite um contato com a vida cotidiana do escritor paulista, por ângulo pouco conhecido, além de revelar a fascinante personalidade de Pio Lourenço Corrêa.

Contando com um ensaio inédito e extremamente inspirado de Gilda de Mello e Souza, essa edição, longamente ansiada por Gilda, é lançada agora por iniciativa da Ouro sobre Azul, que concebeu editorial e graficamente o volume e realizou a pesquisa iconográfica que acompanha a transcrição das cartas.

As 353 imagens do livro, grande parte delas inéditas, percorrem um arco de tempo que vai de fins do séc. XIX a meados do séc. XX, permitindo uma aproximação bastante fiel do universo dos correspondentes.

O estabelecimento de texto, a transcrição e as notas tiveram origem na dissertação de mestrado de Denise Guaragna, A riqueza nas diferenças, defendida em 2007 na área de Literatura Brasileira da FFLCH-USP. A pesquisa, orientada pelo professor Marcos Antonio de Moraes e co-orientada pela professora Telê Ancona Lopez, foi subsidiada pelo CNPq.

Ainda no que se refere às notas, como também às observações que acompanham cada uma das cartas, foi usada a metodologia desenvolvida pela Equipe Mário de Andrade do IEB – Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo.

Finalmente, para situar Pio Lourenço Corrêa, figura desconhecida do público, a Ouro sobre Azul contou, nessa edição, com uma nota biográfica suscinta mas muito precisa feita por Antonio Candido, grande amigo de Pio e seu interlocutor constante entre os anos de 1944 e 1957. UMA MARAVILHOSA EDIÇÃO ILUSTRADA, COM CAPA DURA Prefácio | Antonio Candido Introdução | Gilda de Mello e Souza Editora responsável | Ana Luisa Escorel Estabelecimento de texto e notas | Denise Guaranha Estabelecimento de texto, datas e revisão ortográfica | Tatiana Longo Figueiredo Projeto Gráfico Pesquisa Iconográfica Edicão de Imagens | Ana Luisa Escorel Formato 18cm x 27.6cm Número de páginas 424 Número de imagens 353 Papel | Couché Garda fosco 150 g Impressão cores

Co-edição | Edições SESC SP | Ouro sobre Azul

 

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Redação

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