Recusar vacina contra doença contagiosa é crime e pode dar cadeia

Apesar de fala de Bolsonaro, não se vacina quem quer. Código Penal prevê pena para quem infringir determinação do poder público destinada a impedir propagação de doença contagiosa

(Foz do Iguaçu – PR, 27/08/2020) Presidente da República Jair Bolsonaro. sem mascara e aglomeração Lançamento da Pedra Fundamental para a duplicação da BR – 469 Foto: Carolina Antunes/PR

Por Claudia Motta

Da RBA

Ao dizer aos brasileiros que só se vacina quem quer, o presidente Jair Bolsonaro pode estar incentivando um crime. A Lei 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que ele mesmo editou, assinou e foi aprovada pelo Congresso Nacional, estabelece a vacinação compulsória, entre outras medidas. Está no artigo 3º, inciso 3, alínea d. “E no caso de se recusar a vacina ou descumprir o que for determinado por força dessa própria lei, podemos nos reportar ao artigo 268 do Código Penal, sobre infringir determinação do poder público destinada a impedir a propagação de doença contagiosa. É crime, está capitulado como pena de detenção de um mês a um ano e multa”, afirma o advogado Carlos Nicodemos.

Integrante da Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB e presidente da Comissão de Direito Internacional da OAB-RJ, Nicodemos é taxativo. “Estamos falando de uma pandemia, de um vírus que está matando pessoas. As vítimas já ultrapassam 120 mil. É nesse sentido que as autoridades, tanto do Ministério da Saúde, quando os gestores locais, devem intervir estabelecendo protocolos de obrigatoriedade e prioridade para os grupos em extrema vulnerabilidade.”

O advogado explica a previsão legal de criminalizar aqueles que estimulam recusar a vacina e que acabam levando à propagação da doença. “A obrigatoriedade está regulamentada no campo administrativo cível e encontra amparo penal a título de coibir aqueles que se negarem a fazê-lo. Qualquer omissão da autoridade pública – leia-se do Ministério da Saúde ou mesmo dos gestores locais – poderá ser apurada também a título de improbidade administrativa.”

Crime internacional
O Brasil pode ser penalizado internacionalmente, caso a vacinação compulsória não seja adotada. “Existem representações em face do Estado brasileiro na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, formulada por vários movimentos sociais”, relata Nicodemos. “Assim como existe no STF uma Adin (ação de inconstitucionalidade) no que tange ao descumprimento de normas constitucionais no enfrentamento à pandemia.”

O representante da OAB lembra, ainda, representações no Tribunal Penal Internacional, em Haia, Holanda, que responsabilizam o chefe de Estado, ou seja Jair Bolsonaro, e não o Estado, a nação brasileira. “Nesse sentido essa decisão, assim encaminhada, de se omitir e propagar o caráter facultativo da vacinação, pode ser dado como um elemento a incrementar essas denúncias e a própria ação no STF. E se apurar a responsabilidade não só do Estado brasileiro mas também do seu chefe de Estado, em razão da posição que ele adotou (estimular pessoas a recusar a vacina).”

O médico infectologista Caio Rosenthal lembra dos tempos em que brasileiros iam para a Europa e os países ficavam preocupados que poderiam levar doenças transmissíveis. “Hoje são eles que trazem para cá”, diz, lembrando o recente surto de sarampo trazido por turistas europeus, que não são vacinados.

Graças ao SUS
O SUS, destaca Caio Rosenthal, é o responsável por esse sucesso na imunização dos brasileiros contra uma série de doenças. “Contamos com o maior e um dos melhores programas gratuitos de imunização do mundo. E graças a isso não temos mais no Brasil poliomielite, rubéola , difteria, catapora etc., doenças que eram tão comuns no passado. E foi graças ao SUS e pelas extensas campanhas de vacinação que essas doenças foram praticamente erradicadas.”

O infectologista lamenta que nos últimos anos esse programa público de imunizações do SUS venha diminuindo por falta de incentivos governamentais. “Nos anos do governo Lula, o trabalhador quando colocava o filho na escola, tinha de apresentar a carteirinha de vacinações. Essa cultura está caindo, infelizmente, e não há incentivo governamental.”

Coordenador da Comissão Intersetorial de Vigilância em Saúde do Conselho Nacional de Saúde, Artur Custodio lembra que o programa de imunizações do SUS, um dos patrimônios do Brasil e que tem sido fundamental na defesa da vida, é estudado e admirado no mundo todo. “Um país deste consegue coberturas enormes, com campanhas públicas, para ricos, pobres”, observa.

Vacina está chegando
Caio Rosenthal reforça a importância da vacinação. “Vamos prestar muita atenção: as vacinas contra a covid-19 estão chegando e já que o presidente não acredita que a covid-19 é uma doença grave, pelo menos nós brasileiros que temos boa informação temos de divulgar que vacinas de modo geral são muito importantes, e as que chegarem para proteger, fazer a prevenção da covid, são fundamentais.”

Rosenthal lembra a vacinação contra gripe que reduz, ano a ano, o número de pessoas adoecidas. “Este ano a porcentagem foi baixíssima, porque tem campanha de vacinação anual contra a gripe e é de graça. As pessoas tomam para não morrer porque essa gripe mata. Nos Estados Unidos morreram milhões de pessoas com gripe.”

A vacinação, alerta o médico, é um direito de todos os brasileiros, e das crianças. “E deve ser obrigação dos pais levar seus filhos para receber todas as vacinas, que não são poucas. O Brasil é um dos países que mais vacina e que tem mais vacinas para prevenção de doenças. Na história da medicina, a vacina, depois da descoberta da penicilina, é o armamento que mais poupou vidas. Mais de 30 milhões de vidas, no mundo, são salvas porque existem vacinas para essas doenças.”

Veio para confundir
“Lamentável que a Presidência da República, mais uma vez, confunda a opinião pública, em vez de assumir o papel de proteção das pessoas”, diz Artur Custodio, sobre o incentivo de Bolsonaro a quem quiser recusar a vacina. Mestre em Saúde Pública, ele ressalta que a decisão sobre a vacinação contra a covid-19 não trata de direitos individuais, mas de proteção à coletividade. “Inclusive a importância disso para a saúde pública mundial, internacional. Uma pessoa consciente, que se negue a uma medida preventiva desse tipo, e que depois seja responsável pela contaminação de outra, com perigo de morte, está cometendo um crime contra saúde pública”, afirma.

Custodio critica ainda o fato de a Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom) repercutir a fala do presidente. “Faz um papel contra-educativo que beira as notícias falsas, as fake news.”

A “frase infeliz do presidente Messias Bolsonaro, e divulgada ainda por cima pela Secom”, também é citada por Caio Rosenthal. Para o infectologista, Bolsonaro presta um enorme desserviço. “A população já é tão carente, até de água potável. Agora vai querer destruir também o programa de imunizações do SUS. Porque não é uma frase solta ao vento. Tem uma mensagem por trás, obviamente pensada e dirigida. É a mesma coisa, a mesma estratégia daqueles que pensam que a Terra é plana, pessoas radicais, fundamentalistas como ele.”

Redação

4 Comentários

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    1. MEU CORPO MINHAS REGRAS.

      Não e assim que se fala?

      Tomar uma vacina feita a toque de caixa, sem ensaios robustos científicos que comprovem a eficácia e a segurança?

      Quem vai escolher por mim entre a vacina Russa, Chinesa, inglesa ou americana?

  1. Mais difícil do que vacina contra o coronavírus é uma para a estupidez do presidente

    Bolsonaro disse que ‘ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina’

    2.set.2020 às 23h15

    A estupidez do movimento antivacina ganhou a chancela presidencial. Sabe-se lá que estrago pode provocar a declaração feita por Jair Bolsonaro sobre uma possível imunização contra o novo coronavírus. “Ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina”, disse.

    Na sequência, veio a Secom (Secretaria de Comunicação) confirmar que não está nos planos do governo “impor obrigações”. Do presidente à sua equipe, é muita gente desinformada. Ou mentirosa. Ou irresponsável. Provavelmente tudo isso. Vacinação é uma das medidas compulsórias que podem ser adotadas no combate à Covid-19, prevista em lei assinada por Bolsonaro.

    É possível que ele desconheça que há vacinas obrigatórias na infância e que o descumprimento pode penalizar os responsáveis, inclusive com prisão. Mas sabemos que negacionistas estão aí desde sempre. A onda mais recente vem desde 1998, depois que um artigo publicado —e depois rejeitado— pela revista The Lancet relacionou a tríplice viral ao autismo. Um desastre.
    Sei de pessoas, aqui e acolá, inclusive conhecidos, que devem se achar o próprio alecrim dourado e resolveram não vacinar os filhos pelos “riscos”. É gente culta, preocupada com a desigualdade, PhD em namastê, que só come orgânico, recicla e compra na livraria do bairro, mas acha que vacina só no rabo dos outros.

    Além desses que não acreditam na segurança da profilaxia, uma pesquisa da Universidade de Pittsburgh (EUA) identificou mais três grupos. Os que desconfiam da ciência, aqueles que adoram tratamentos alternativos e os que compram teorias conspiratórias, incluindo a de que a gravidade da pandemia é falsa.
    Bolsonaro alimenta a insensatez até de quem se opõe ao seu governo mas desdenha desse tipo de prevenção. Ele se mostra de novo o pior líder diante da crise. O mundo inteiro quer uma vacina contra o coronavírus. Mas mais difícil do que essa só uma para a estupidez do presidente.

    Mariliz Pereira Jorge
    Jornalista e roteirista de TV.

  2. Meu corpo minhas regras!

    Quem vai tomar a decisão por mim e escolher entre a vacina Russa, a vacina chinesa, a vacina Inglesa, a brasileira e a norte americana?

    Bolsonaro?

    João Dória?

    Rodrigo Maia?

    Gilmar Mendes?

    Paulo Guedes?

    Donald Trump?

    Xi Jiping?

    Quem vai tomar a decisão por mim?

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