
A presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Rosa Weber, votou pela descriminalização do aborto até a 12ª semana de gravidez às vésperas de deixar a corte. O julgamento da ADPF 442 estava sendo feito em plenário virtual, mas foi interrompido a pedido do ministro Luís Roberto Barroso e será retomado no plenário físico, ainda sem data marcada.
Relatora da ADPF, a ministra Rosa Weber deixará a Corte no dia 2 de outubro, quando completa 75 anos, e pretende votar no caso antes de aposentar compulsoriamente.
A ação foi ajuizada em 2017 pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). A sigla afirma que os artigos 124 e 126 do Código de Processo Penal (CPP), que tratam do crime de aborto, violam direitos fundamentais das mulheres.
A ação pede que o aborto feito voluntariamente nas 12 primeiras semanas de gestação não seja mais um crime. Hoje, quem faz um aborto pode ser condenado a até 3 anos de prisão, e a pessoa que ajuda na realização do aborto (profissional de saúde, amiga, familiar, por exemplo), pode ser condenada a até 4 anos.
O panorama atual
O aborto no Brasil só é permitido nos casos de risco de vida para a gestante, nos casos de violência sexual ou quando o feto é anencefálico.
A Pesquisa Nacional do Aborto (PNA) mostra que apesar da proibição, o aborto não é um evento incomum na vida das mulheres. Uma em cada sete já realizou um aborto até os 40 anos.
A pesquisa foi realizada em 2021 e entrevistou 2.000 mulheres, selecionadas aleatoriamente entre mulheres alfabetizadas com idades entre 18 e 39 anos que residem em áreas urbanas.
O que pede a ADPF 442
A ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) é um mecanismo que pode ser acionado por organizações da sociedade civil ou pelo Ministério Público, para questionar, junto ao STF, alguma lei que esteja em desacordo com a Constituição.
De acordo com o Psol, os direitos das mulheres à dignidade, à cidadania, direito de não ser discriminada, direito à vida, à igualdade, à liberdade, direito de não sofrer tortura ou tratamento desumano, cruel ou degradante, direito à saúde e ao planejamento familiar, todos esses previstos na Constituição Federal, são violados quando se proíbe o aborto.
Descriminalização x legalização
A ADPF 442 pede a descriminalização do aborto até a 12ª semana. Isso significa que, caso seja aprovada, mulheres e pessoas aptas a gestar poderão realizar o aborto seguro e gratuito sem sofrer penalizações por isso.
O STF pode descriminalizar o aborto, já que uma de suas principais competências é analisar se as leis e suas interpretações são compatíveis com a Constituição. No caso da ADPF 442, a alegação é de que a criminalização do aborto é inconstuticional, pois fere os direitos de liberdade das mulheres.
No caso da legalização, seria necessário um projeto de lei que passe pelo Congresso Nacional. Caso aprovado na Câmara dos Deputados e no Senado, a legalização estaria vigente em forma de lei. No entanto, tendo maioria no STF, o aborto também deixa de ser criminalizado.
O que mata é a discriminação
“O aborto até a 12ª semana é tão seguro, que a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que o aborto seja feita com medicamentos e pode ser até um atendimento ambulatorial, ou pode ser até mesmo na casa da mulher”, explica Paula Viana, enfermeira e parteira domiciliar, integrante da Coordenação Geral Colegiada do Grupo Curumim, em entrevista ao GGN.
“Ela recebendo os medicamentos, recebendo todas as orientações e ficando com um profissional de saúde atento a ela quando e se ela precisar, em geral esses procedimentos dão super certo e pouquíssimas complicações são reportadas”, afirma Viana.
Aborto inseguro e a mortalidade materna
A mortalidade materna acontece quando a morte da gestante ocorre durante a gravidez ou até 42 dias depois do seu término. O Ministério da Saúde classifica a mortalidade materna como uma das mais graves violações aos direitos das mulheres, por se tratar de algo evitável em aproximadamente 92% dos casos e ocorrer predominantemente nos países em desenvolvimento.
De acordo com a PNA, no Brasil, a cada dois dias, uma mulher morre em decorrência de aborto inseguro, sendo que este é uma das principais causas da mortalidade materna no país. Quase metade das mulheres brasileiras que fizeram um aborto em 2021 (43%), precisaram ser internadas para finalizar o procedimento.
O grande malefício da criminalização é que tem um fato que é importantíssimo e que os comitês de morte materna sempre revelaram: toda morte por aborto é evitável. Imagine que todas as mulheres que morreram de aborto nesse país, morreram de causa evitável. Elas não precisavam ter morrido.
Paula Viana, enfermeira e parteira domiciliar
Paula explica que as mortes dessas mulheres vítimas de aborto clandestino poderiam ter sido evitadas, caso o aborto fosse legalizado, com programas como planejamento reprodutivo, programas de pós-aborto e outros.
Além disso, o aborto como crime tem um enorme custo para o bolso do SUS. “As complicações de um aborto inseguro traz muito mais prejuízo financeiro para o Sistema Único de Saúde do que nos países onde o aborto é legalizado e onde os custos são mínimos”, explica Viana.
“Os insumos [para a realização do aborto] são mínimos. Até a 12ª semana, há uma facilidade em termo de insumos, a tecnologia apropriada, fazendo com que se reduza drasticamente as complicações e, como aconteceu em Portugal, zerou o número de morte materna”, pontua a enfermeira.
Mulheres pretas morrem mais
Segundo o estudo “Aborto no Brasil: o que dizem os dados oficiais?”, a taxa de óbitos por aborto é maior entre as mulheres de cor preta e indígenas, de baixa escolaridade, com menos de 14 e mais de 40 anos, vivendo nas regiões Norte, Nordeste, e Centro-Oeste e, sem companheiro. São também as que tem mais chance de serem presas por abortos ilegais.
Sem condições de arcar com os custos do Misoprostol, conhecido popularmente como Cytotec, mulheres de baixa renda ou de baixa escolaridade acabam recorrendo a métodos perigosos.
O aborto descriminalizado vai fazer com o sistema de saúde não aterrorize as mulheres. As mulheres precisam ter confiança para se tratar.
Paula Viana, enfermeira e parteira domiciliar
Em 2018, Ingriane Barbosa, uma mulher negra da região de Petrópolis, no Rio de Janeiro, morreu ao tentar interromper uma gravidez com um talo de mamona inserido no útero. A mulher que a ajudou no aborto foi presa.
Casos como o de Ingriane e de muitas outras mulheres poderiam ser evitados se o aborto fosse descriminalizado. Isso porque realizar a interrupção da gravidez é muito seguro, se feito da maneira correta.
“O estigma do aborto é o grande malefício da criminalização. Isso faz com que, tanto a informação sobre o aborto quanto o atendimento lá na ponta seja prejudicado por conta da criminalização”, ressalta Viana.
Aborto na América Latina
O aborto é legalizado em quatro países da América do Sul e descriminalizado em outros dois. A Argentina, em 2020, aprovou uma lei que permite a interrupção da gravidez de forma segura e gratuita até a 14ª semana. O Uruguai permite a interrupção da gestação até a 12ª semana desde 2012, e a Guiana legalizou em 1995 o aborto até a 14ª semana de gravidez.
A Guiana Francesa é considerada um território da França e, por isso, segue a legislação do país que, desde 1975, permite a interrupção voluntária da gestação até a 10ª semana de gestação. Em 2001, o país aumentou o prazo legal para 12 semanas e, em fevereiro de 2022, o direito foi estendido até a 14ª semana de gestação. Em Cuba o aborto é descriminalizado desde 1965.
No entanto, nem todos os países da América Latina adotaram essa postura em relação à escolha da mulher e de pessoas que podem gestar. Em países como Suriname, por exemplo, não se pode abortar nem em casos de estupro ou risco de vida para a mulher. Em El Salvador, o aborto é totalmente criminalizado, até mesmo em casos de aborto espontâneo.
Na Guatemala, o aborto induzido pode render até dez anos de prisão. Desde 1895 o Haiti proíbe o aborto em qualquer circunstância, podendo chegar a prisão perpétua.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.
Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.