Tecnologia de Israel não corresponde à natureza do que aconteceu em Brumadinho

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por outro lado, o histórico de acidentes com mineradoras mostra que as técnicas de resgate empregadas no Brasil estão muito “aquém” das tecnologias disponíveis
 
Foto: Acervo pessoal/Leonard de Castro Farah 
 
Jornal GGN – A eficiência ou não dos equipamentos que Israel emprestou ao Brasil para o resgate de vítimas do rompimento da barragem da mineradora da empresa Vale, em Brumadinho (MG), já é motivo de polêmica mesmo entre os militares brasileiros que formam a cúpula da operação.
 
Na segunda (28), o tenente-coronel Eduardo Ângelo disse que os equipamentos “não são efetivos” diante da natureza do que ocorreu em Brumadinho. Referia-se, especialmente, a um “imagiador” que detecta corpos quentes e que não funciona com os corpos soterrados na lama. 
 
Há ainda outro equipamento que detecta sinal de celular, mas a experiência com o rompimento das barragens das mineradoras Herculano (2014) e Samarco (2015) mostra que as vítimas são quase sempre encontradas sem seus pertences, dada a força do movimento das massas.
 
O embaixador de Israel saiu em defesa de um outro dispositivo, um “sonar que pode detectar o corpo, fazer imagem dos corpos na lama.” Para isso, porém, amostras do solo precisam ser analisadas, de modo que o sonar seja “adaptado” para diferenciar um corpo dos demais elementos. 
 
“Dos equipamentos que eles trouxeram, nenhum se aplica a esse tipo de desastre”, disse Ângelo, que acabou desautorizado pelo porta-voz do Corpo de Bombeiros na manhã desta terça (29).
 
Embora tenha criado uma saia justa com os israelenses, a reclamação do tenente tem respaldo nas peculiaridades do que ocorreu em Brumadinho e em episódios similares no passado.
 
A NATUREZA DO DESASTRE
 
Israel afirmou ter experiência em soterramentos de vítimas de acidentes de outra natureza, como bombardeios. Nestes casos, a área de busca é muitas vezes limitada à região dos escombros e as chances de pessoas terem ficado presas em vácuos formados pelos destroços são maiores do que num deslizamento de terra. 
 
“No caso de uma estrutura colapsada (induzida por um evento sísmico, por exemplo), muitas pessoas tendem a ficar confinadas pelos escombros nos chamados ‘Espaços Vitais Isolados’ (EVI) ou células vitais. Estes locais possibilitam à vítima ter um certo espaço para respirar, para gritar e até mesmo permitem que os odores sejam mais facilmente captados pelos cães de busca e salvamento”, escreveu o tenente Leonard Castro de Farah, responsável pela operação dos bombeiros no desastre de Mariana.
 
“No caso de soterramento, estes espaços vitais são praticamente inexistentes, uma vez que o solo fluidificado ocupa como se fosse água os espaços que  poderiam existir. (…) Nessa questão, encontra-se o grande problema do soterramento em relação às ocorrências envolvendo estruturas colapsadas. É muito mais fácil detectar alguém em escombros do que alguém que tenha sido soterrado. Até mesmo cães treinados têm grandes dificuldades de encontrar pessoas soterradas, ainda mais dependendo da profundidade do soterramento.”
 
Além disso, no rompimento de barragens de mineradoras, as vítimas são arrastadas pelos movimentos de grandes massas formadas pelos dejetos, fluídos e outros materiais (em Mariana, corpos foram encontrados a 150 km do epicentro do desastre), ou soterradas em profundidade que, no caso de Brumadinho, chega a até 15 metros. Pelo que se tem notícia, os dispositivos israelenses detectam corpos em até 4 metros de profundidade.
 
As condições do solo nas duas situações também são diferentes. As toneladas de equipamentos que Israel trouxe na missão ao Brasil costumam ser usadas em superfícies lisas e muito mais estáveis do que o solo encontrado em Brumadinho após o acidente. 
 
Nas operações nas cidades de Itabirito – onde rompeu a barragem da Herculano Mineradora, em 2014 – e em Bento Rodrigues – distrito de Mariana, no ano de 2015 – os militares do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais descartaram ação em extensas áreas por conta da instabilidade do solo. Os relatos davam conta de que o chão parecia “areia movediça”, prejudicando as buscas por terra.
 
Ao que tudo indica, a tecnologia de Israel responde melhor a um tipo de desastre que destoa das características dos eventos em Minas Gerais. Ainda que venham a ser mais efetivos, os equipamentos demandam um tempo de adaptação (já estamos no quarto dia de operação quando o embaixador anuncia a análise das amostras de terra), frustrando expectativas com o rápido anúncio da ajuda humanitária.
 
À parte a questão do desprezo pela tecnologia desenvolvida pelas nossas forças militares, o efetivo de mais de 100 homens enviados ao Brasil pode representar vantagem de ordem econômica. 
 
No desastre de Herculano, em 15 dias de operação, somente com o empenho de profissionais, aeronaves, viaturas deslocadas, depreciação de equipamentos e outros custos, estima-se que somente o Corpo de Bombeiros tenha despendido R$ 665 mil no resgate de 3 vítimas. Em Mariana, os custos para o resgate de 18 de um total de 19 mortos chegaram à casa dos R$ 7 milhões, sendo que R$ 6 milhões correspondem ao salário dos oficiais envolvidos.
 
A estimativa dos gastos, as particularidades de fenômenos envolvendo barragens e as técnicas utilizadas na busca e resgate, nos casos Herculano e Samarco, foram registrados pelo tenente Leonard de Castro Farah em sua dissertação de mestrado profissional em engenharia geotécnica, concluído em março de 2017 pela Universidade Federal de Ouro Preto.
 
Farah – que comandou a força-tarefa do Corpo de Bombeiros na tragédia de Mariana – deixou claro, naquela dissertação [em anexo], que se o Brasil dispõe de tecnologia, elas não estão sendo plenamente utilizadas em desastres envolvendo mineradoras. Nas palavras do tenente, as operações ocorreram “muito aquém da efetiva tecnologia disponível.
 
AS TÉCNICAS EMPREGADAS EM MARIANA (2015)
 
São “enormes” as “dificuldades de se tratar com a natureza e a magnitude de um evento relacionado à ruptura de uma barragem de contenção de rejeitos de grande porte.” O principal obstáculo, segundo os relatos do responsável pela operação em Mariana, é “delimitar uma área de busca central”. 
 
No rompimento de barragens, “a extensão e as peculiaridades da dinâmica do fluxo tornam de uma complexidade intransponível a exata localização dos corpos, que passa a ser regida por processos meramente indutivos.”
 
Pela experiência acumulada pelos bombeiros, “é razoável supor que os corpos das vítimas possam estar localizados em zonas confinadas do fluxo (por exemplo, em um reservatório de uma barragem a jusante) ou em zonas de remanso e de contrafluxo (fluxo secundário em relação ao fluxo principal). Que tais hipóteses se mostrem bastante realistas é fato notório, pela maciça recuperação dos corpos vitimados nos acidentes descritos, mas implica em áreas de busca e tempos de resgate extremamente elevados e onerosos.”
 
Nas operações envolvendo soterramentos, de maneira geral, os bombeiros lançam mão dos seguintes recursos:
 
– Helicóptores, binóculos ou VANTs (veículos aéreos não tripulados) com câmeras, nas chamadas “buscas visuais”. Nas primeiras horas após o acidente, são maiores as chances de um sobrevivente acima da superfície ser encontrado e resgatado.
 
– Quando em terra, as equipes fazem “chamada e escuta”, gritando e observando qualquer som que possa sugerir a localização de uma vítima. O emprego de uma “nova tecnologia” do tipo sonora tem ajudado a “captar ruidos mínimos feitos pela vítima para se fazer a sua detecção espacial, sem uma definição exatada da localização.”
 
– Há, também um aparelho de identificação de CO2 “capaz de detectar a concentração de dióxido de carbono em pontos localizados. É muito utilizado para confirmar a existência de vítimas inconscientes em determinado ponto, enfatizando-se, porém, que o resultado pode estar associado à presença de animais e não de pessoas.”
 
– Câmera termal é opção para “captar a emissão de calor de qualquer fonte, não necessariamente de uma pessoa, mas que fornece indícios gerais para a realização de uma busca mais minuciosa em determinados locais.”
 
– Cães farejadores também são treinados para “varrer” em cerca de 1 hora uma área que necessitaria de 80 bombeiros para buscas. Eles podem localizar vítimas que não se ouvem ou que estejam inconsciente, pois são guiados pelo odor.
 
Apesar dessa lista, em Mariana, a equipe de resgate usou em escala maior as buscas visuais, o auxílio de cães treinados e, “em larga escala, a técnica dos chamados bastões de tato.”
 
“Esta técnica consiste em acessar corpos soterrados a pequenas profundidades numa massa
razoavelmente fluida de detritos utilizando bastões de madeira. Além da possibilidade de contato direto do bastão com o corpo soterrado, a perfuração favorece a liberação de odores que facilita a ação dos cães treinados na busca de corpos.”
 
Para o tenente Farah, as atividades dos bombeiros, “além de exaustivas, impõem demandas de pressões enormes sobre a efetividade e acurácia das operações de busca, que estão muito aquém da efetiva tecnologia disponível para o trabalho destes profissionais.”
 
“Neste sentido, a relação expressa entre corpos resgatados/corpos vitimados das operações da Samarco Mineração [foram 19 mortos, mas 1 corpo não foi encontrado] representa uma grande exceção, uma vez que ela está longe de representar a realidade comum entre o potencial do resgate de  pessoas soterradas e as consequências impostas pelo soterramento de grandes movimentos de massa.”
 
Diante das dificuldades, o tenente sugeriu a criação de um sistema de geolocalização de vítimas, com uso de tecnologia preventivamente. A ideia seria desenvolver um dispositivo que deveria ser usado, a curto prazo, por pessoas que vivem ou trabalham em áreas de risco.
 
Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

5 Comentários

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  1. O regime golpista, conduzido
    O regime golpista, conduzido por uns bostas bananeiros, que só sabem rapinar o país e entregar nossas riquezas, se cagam de medo de Lula. Como diria Darcy Ribeiro: temos uma elite má, sovina, perversa, que não deixa o país avançar. Que o povo se organize e ponha abaixo esse circo de horrores….

  2. Capetinha..
    Com relação a detecção de sinais de celular, a massa de resíduos ferruginosos condutivos, se comporta como uma “gaiola de Faraday”, ou mesmo ao famoso “Capetinha” que os bandidos usam para bloquear os sinais de GPS dos rastreadores de carga. Neste aspecto, a tecnologia empregada pelos voluntários sionistas é particularmente inútil!
    Porém, como ferramenta de marketing político, é uma beleza! Me lembra o Elon Musk e seu mini-submarino no resgate dos Javalis Selvagens na Tailândia!! Foi acusado pelos mergulhadores britânicos de tentar uma tal de “PR stunt” !

    1. Gaiola de Faraday.
      Já ouvi falar no Faraday, quando eu estudava física no segundo grau mas não ouvi falar na sua gaiola.
      Vou fazer uma pesquisa a respeito. Valeu, Mestre

  3. Oras,se o equipamento do

    Oras,se o equipamento do estado sionista não funciona em lama,vamos começar a bombardear edifícios,com pobres dentro é claro,para poder justificar a vinda dessa gente.

  4. O maior custo direto é o dos helicópteros, q não são israelenses

    O custo de salários (ex. bombeiros, etc.) não é custo direto dos resgates, pois serão pagos independentemente deles.

    Portanto, a citada “vantagem” de se utilizar soldados importados é mínima (ainda que “gratuitos”), devendo-se considerar que eles (como os locais) tem um custo de infraestrutura (alimentação, hospedagem, etc.).

    Como já dito, não se pode deixar de agradecer qualquer ajuda. Mas a ajuda local desprezada que poderia ter sido usada mais no início, com maiores chances de se resgatar vidas e não apenas cadáveres, teria certamente sido mais eficaz.

    O viralatismo e o marquetismo politico tem consequências. E elas não são boas.

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