Uso de dados da população pobre por Bolsonaro precisa ser investigado, diz Tereza Campello

"Por que o governo quer alguém da ABIN pegando dados da população pobre?", questiona a ex-ministra do Desenvolvimento Social. Assista na TVGGN

Jornal GGN – Enquanto todos os holofotes se voltam para a pandemia do novo coronavírus e a crise econômica, a destruição total do Sistema Único da Assistência Social (SUAS) está em curso no governo Bolsonaro, colocando em xeque o futuro de programas reconhecidos mundialmente, como o Bolsa Família, e da própria rede de assistência social criada há 17 anos para atender os brasileiros em situação de vulnerabilidade.

Para além da destruição da rede de atendimento e serviços sociais, há uma sombra pairando sobre as intenções do governo Bolsonaro com o Cadastro Único – a base de dados que reúne informações sobre praticamente metade da população brasileira, usada na elaboração e execução das políticas sociais para os mais pobres.

Na última segunda (25), uma reportagem do UOL mostrou que o Ministério da Cidadania trabalha hoje na substituição dos assistentes sociais em todo o Brasil, que dão vida ao CadÚnico, por um aplicativo semelhante ao que foi usado pelo governo federal para pagar o auxílio emergencial na pandemia.

Quem encabeça essa empreitada são uma agente da ABIN (Agência Brasileira de Informação) e um delegado da Polícia Federal que não têm qualificação técnica na área de assistência social.

“Por que o governo federal quer alguém da Abin pegando informação sobre a população pobre?”, é o que questiona a ex-ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campello, em entrevista exclusiva ao jornalista Luis Nassif, na TV GGN.

Para ela, “não tem justificativa nenhuma, a não ser comercial ou alguma outra coisa espúria, que tem que ser investigada, para que a gente tire essa riqueza de informação importante para o setor público e importante para o Estado, para se tirar essas pessoas da vulnerabilidade, e passar essas informações para o setor privado.”

 

Abaixo, um resumo dos principais comentários da ex-ministra Tereza Campello:

A situação é gravíssima.

Muita gente está preocupada com o SUS (Sistema Único de Saúde), mas não está se dando conta do desmonte das demais políticas sociais e, em especial, do Sistema Único da Assistência Social (o SUAS) e o próprio Cadastro Único.

São 3 grandes blocos de questões discutidas no governo federal que merecem nossa atenção:

O CADASTRO ÚNICO

Primeiro, eu diria claramente que não estamos tratando de uma ameaça. O CadÚnico e o SUAS estão em processo de desaparecimento e desmonte. Isso está acontecendo agora.

O governo federal se aproveitou do aplicativo do auxílio emergencial para sucatear o Cadastro Único. O CadÚnico vai ser transformado num aplicativo.

O Cadúnico é o castrado que organiza as políticas sociais para a população de baixa renda. Ele tem informação sobre 114 milhões de brasileiros. É o maior cadastro do ponto de vista de dados organizados que temos no mundo. Temos dados sobre educação, nível escolar, como as pessoas moram, se tem água em casa, esgoto, quem mora na casa, um conjunto de informações que permite ao gestor organizar a oferta de políticas públicas para essa população. Portanto, o Cadastro Único não é um aplicativo!

O que se tem por trás do CadÚnico é uma pactuação com mais de 5.575 municípios e informações sobre 114 milhões de brasileiros, ou seja, metade da população brasileira. Um conjunto de informações fundamentais para se conhecer essa população pobre e vulnerável, e quem faz isso é a assistência social. A pessoa não vai lá e preenche um aplicativo. Ela senta com a assistência social, que vai identificando as grandes questões que envolvem aquela família – se tem criança fora da escola, se vive alguma violência, quais as desproteções. É isso que está sendo destruído em forma acelerada.

Destruir uma ferramenta que em 17 anos, fundamental para a gestão municipal, é um passo a mais para a destruição da própria federação, eliminando o prefeito e eliminando o gestor da assistência social do processo. Então [a assistência social] passa a ter uma ligação direta do governo federal com o beneficiário de um dos programas. Essa relação direta é monetizada, como se a grande tecnologia fosse a tecnologia bancária. Não é, a grande tecnologia é a tecnologia social. É de uma grande burrice.

A assistência social sofreu corte de 67% em 2020. Dois terços dos recursos para os serviços que envolvem atendimento à criança, idoso, tudo que é feito pela assistência social, já sofreu corte de dois terços dos recursos. O que está acontecendo é fechamento de CRAS, os centros de referência da assistência social, demitindo servidor… A rede pública e privada têm mais de 600 mil profissionais atendendo a população vulnerável.

AGENTE DA ABIN

Uma [segunda] questão que não foi muito valorizada é que a área social do governo federal, que é o Ministério da Cidadania, foi tomado por agentes da ABIN (Agência Brasileira de Informação).

Hoje a secretaria nacional que coordena o CadÚnico é uma agente da ABIN. Não são pessoas técnicas, nunca trabalharam com políticas sociais, nunca trabalhou com BigData, não entende de CadÚnico, portanto não tem a menor expertise para estar lá.

Por que o governo federal quer alguém da ABIN pegando informação sobre a população pobre? Não é estranho? Acende todas as luzes.

Então, o CadÚnico foi apartado do Bolsa Família, virou uma secretaria nacional que é coordenada por uma agente da ABIN. A área de monitoramento das politicas sociais está sendo coordenada por um delegado da Polícia Federal que também não tem nenhuma expertise.

Nós temos uma riqueza no Brasil com os gestores públicos do governo federal que trabalham na área social que são chamados no mundo todo para falar. O Banco Mundial contrata ex-gestor aqui para ir montar Cadastro Único em Angola, Moçambique, em todos os países da Africa. Nós temos o que existe de melhor. A nata do conhecimento em políticas sociais no mundo está no Brasil. Eles tiraram essas pessoas e colocaram uma agente da ABIN e um delegado da PF! O que está por trás desse desmonte e dessa tentativa de se apoderar dos dados?

USO DOS DADOS PRIVADOS

Nós temos notícia de que está muito avançado esse processo, acabar com o CadÚnico e transformar em aplicativo. Agora, com quem estão negociando a gestão desse aplicativo? Google e Facebook. É gente que cometeu crime de invasão de privacidade na Inglaterra, nos EUA, na Alemanha… Imagina o que farão com [dados de] 114 milhões de brasileiros pobres, vulneráveis, que também têm direito à privacidade. Não é porque e pobre que pode ter a vida vendida não sei para quem.

Não tem justificativa nenhuma, a não ser comercial ou alguma outra coisa espúria, que tem que ser investigada, para que a gente tire essa riqueza de informação importante para o setor público e importante para o Estado, para se tirar essas pessoas da vulnerabilidade, e passar essas informações para o setor privado.

Eles dizem que é para combater as fraudes. Não é verdade. As fraudes no Bolsa Família são as menores que temos no governo federal. Segundo, eles criaram esse aplicativo fajuto e tivemos milhares de fraudes, inclusive milhares de militares e madames recebendo o auxilio emergencial indevidamente.

É revoltante.

Redação

1 Comentário

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  1. Esses aplicativos – ou, melhor dizendo, sua alma, o algoritmo – são a ante-sala da realização da distopia favorita do cinema mundial.
    Aquela em que o Estado (seja qual for, e seja o que for) controla, do berço ao túmulo, a vida de todos os cidadãos.
    Não pode haver qualquer dúvida quanto às intenções de qualquer governo – seja qual for – de não apenas controlar, mas decidir que vida será vivida, e como, por qualquer um de nós.
    George Orwell pode ter tido, como inspiração para o que imaginou em “1984”, o estado totalitário-burocrático da URSS sob Stálin.
    Que, como se sabe, não durou mais que 70 anos.
    Mas o verdadeiro estado totalitário-burocrático, aquele que se aperfeiçoa e resiste, é aquele em que predomina o sistema capitalista.
    ‘Predomina’, é verdade, está mal colocado. Domina, é a palavra certa. A menos que ainda haja quem considere a China um país comunista. Politicamente, até se parece com um.
    Na aparência, o Estado totalitário-burocrático (simplificando: o Estado Privado) é colorido, charmoso, e livre; ainda que a liberdade, nele, só desfrute quem (ainda) tem um emprego. Quem ainda tem um emprego compra o que quiser, quando quiser, e quando puder. E, fazendo isso, sente-se o mais livre dos homens.
    Pode escolher a cor da camisa, o modelo do celular, os mais taludinhos, o modelo do carro.
    Em resumo: Emprego+Consumo=Liberdade, no paraíso capitalista.
    Um dos fatores dessa equação está sendo eliminado, paulatinamente, de nossa realidade.
    Desnecessário dizer qual é.
    Sem ele, um outro fator diminuirá, diminuirá, até ficar restrito a uma parcela tão insignificante da população, que terminará por engolir, para si, o que restar do resultado da equação.
    Será necessário, então, controlar (ou, melhor dizendo, eliminar) um vasto contingente de orfãos dessa liberdade doentia.
    Que desânimo, que desalento, que tristeza.

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