Para entender o imbróglio da Procuradoria Geral da República em relação ao inquérito 4.781, das fakenews.
Momento 1 – a abertura do inquérito
O inquérito foi aberto após ataques de procuradores da Lava Jato Paraná a Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O caminho natural seria o STF oficiar a Procuradoria Geral da República para investigar os ataques. Mas havia dúvidas de monta se o corporativismo do Ministério Público Federal permitiria uma investigação isenta.
Por esta razão, recorrendo ao Regimento Interno do STF, o presidente Dias Toffolli abriu o inquérito de ofício. Diz o regimento que o STF pode abrir procedimentos quando se vê ameaçado por fatores externos. Como é uma atribuição do presidente abrir o inquérito, não havia razão para sortear o relator. Toffoli indicou Alexandre Moraes como o chamado longa manos de Toffoli.
A PGR Raquel Dodge se pronunciou contrariamente ao inquérito, mas não entrou com uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental). E o inquérito seguiu em frente. Alexandre Moraes trouxe policiais civis de São Paulo, de sua confiança, e deu início às investigações.
Momento 2 – o aparecimento do Gabinete do Ódio
Sabia-se que grande parte da movimentação do Twitter, contra o Supremo era alimentada por procuradores da Lava Jato Paraná. Eles haviam se tornado os principais alimentadores das redes de ultradireita que surgiram desde então com ataques às instituições.
Com o inquérito, os procuradores recuaram, perderam protagonismo. Sem os vazamentos e os seus comentários diários, as redes de ódio passaram a produzir mensagens mais toscas, de verdadeira guerrilha virtual.
Ao mesmo tempo, começaram a surgir informações sobre os esquemas profissionais de espalhamento de fakenews, os robôs, os empresários financiadores. E defecções no campo bolsonarista trouxeram informações sobre o chamado Gabinete do Ódio, instalado no próprio Palácio do Planalto e comandado pelo filho do presidente, Carlos Bolsonaro.
Momento 3 – a oposição de Augusto Aras
Assim que assumiu a PGR, Augusto Aras concordou com a legalidade do inquérito 4.781, instaurado com base no art. 43, do Regimento Interno. Mas defendeu a ideia de que o Ministério Público deveria ser parte, como titular da persecução penal e, portanto, essencial a toda investigação.
Quando foi deflagrada a última parte da operação, na semana passada, com busca e apreensão de equipamentos em vários locais, Aras opinou pela ilegalidade da operação – ao mesmo tempo em que o próprio MPF abria seu inquérito contra os líderes das manifestações anti-democracia.
Aras diz em sua cautelar que, não obstante o STF possa conduzi-lo, ele só pode determinar “medidas investigativas sujeitas à reserva de jurisdição (quebra de sigilo, busca e apreensão, vedação de uso de redes sociais etc.)”, se o MP concordar.
Daí é que complica.
Alexandre de Morais deu vista para o PGR dessas medidas que ele determinou no dia 27. Portanto, não se pode dizer que o MP não estivesse acompanhando. Estava. Mas se couber ao MP a última palavra diante de uma diligência que, na verdade, sempre vai depender de ordem judicial, haverá uma inversão de papéis.
Ou seja, Aras concorda com o expediente, mas agora decidiu que quer ser o condutor das investigações. Essa sua posição, na verdade, acaba legitimando o argumento de que o STF precisa atuar dessa maneira excepcional, pois não há quem o defenda, já que o próprio PGR está contra medidas importantes que estão chegando no ponto nevrálgico das Fake news.
Se o MP admitiu que o Judiciário poderia conduzir esse inquérito, não pode querer que o Judiciário abra mão de determinar. Seria o mesmo que o delegado concluir que não há crime, em sua conclusão sobre algum inquérito, e o MP ficar obrigado a arquivar por causa disso. Isso não pode ocorrer, pois, afinal, o MP é o titular da decisão de propor ou não a ação.
Paradoxalmente, com sua decisão, Aras convalidou o inquérito de Alexandre. Ao juiz é facultado tomar providências para obtenção de novas provas, se sente que os titulares das investigações não atuaram a contento. Agora, o próprio candidato a titular da investigação se manifesta contra a obtenção de novas provas. Logo, cria-se o vácuo que legitima a atuação de Alexandre Morais.
Momento 4 – o desfecho da operação
Qualquer denúncia contra o Presidente da República deve passar necessariamente pelo PGR. Ele é o titular absoluto da ação. E se Aras se recusar a endossar a denúncia, como fica? Anote que o MPF está correndo em paralelo, investigando os mesmos alvos do inquérito das fakenews.
Aras ficará entre a cruz e a caldeirinha, entre um governo passageiro e as instituições às quais serviu ao longo de sua honrada carreira profissional.
Obviamente há inúmeras dúvidas em relação à imparcialidade de Aras. Foi indicado por Bolsonaro que, hoje ainda, acenou com a possibilidade de indicá-lo para uma eventual terceira vaga no Supremo – uma forma de suborno explícito humilhante.
Por causa disso, já dá para antever um próximo impasse: se o STF concluir o inquérito não há dúvidas de que deve enviar ao MP para a respectiva ação penal. Se o réu tiver foro privilegiado no STF, vai precisar enviar para o Aras. Nesse caso sim, Aras é o titular da ação penal (não da investigação, percebe?) então se o Aras se recusar a entrar com a ação penal, o STF vai precisar aceitar.
É essa ausência de um sistema de freios e contrapesos que fortalece, novamente, a tese da Lista Tríplice para a escolha do PGR.
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