Já passou da hora de por fim ao antipetismo doentio, por Marcio Valley

A racionalidade, parece, está retornando à porção conservadora e liberal-econômica da magistratura. E quanto ao antipetismo doentio presente no seio da sociedade?

Já passou da hora de pôr fim ao antipetismo doentio

Por Marcio Valley

Fachin anulou todos os processos contra Lula em andamento na Justiça Federal de Curitiba, declarando a competência da Vara Federal de Brasília. Sabe-se que sua intenção não foi a de beneficiar Lula, mas impedir a total implosão da Lava Jato e preservar Moro. Isso não importa, ao menos não nesse momento. O mais importante é que esses procedimentos injustos e, na verdade, criminosos foram derrubados. Uma justiça mais completa, com a apuração do comportamento criminoso, inclusive traição à pátria, praticado por agentes públicos que deveriam zelar pela materialização da justiça fica para mais tarde, e, não tenham dúvida, esse dia chegará.

No dia seguinte, Gilmar tentou julgar a suspeição de Moro, decisão que poderia ampliar a vitória de Lula, pois o vício do julgador contaminaria todos os atos praticados, inclusive a instrução processual, ou seja, as provas produzidas, que a decisão de Fachin tentara salvar da nulidade. Quando o julgamento estava 2×2, houve o pedido de vista feito pelo ministro Nunes Marques, deixando a finalização do julgamento para data indefinida no tempo. A perspectiva, porém, é de que votará a favor da tese da defesa. Além disso, existe grande chance de que a ministra Carmem Lúcia, que já votara contra Lula, voltará atrás, produzindo novo voto em favor do ex-presidente. E, o mais incrível, há quem preveja que o próprio Fachin reverá o próprio voto como relator e acompanhará o voto de Gilmar pela suspeição, o que pode redundar num acachapante 5×0 contra Moro, deixando para além de qualquer dúvida ter sido ele um julgador parcial, comprometido com o resultado da ação e beneficiário dela, ao se tornar ministro do governo que ajudou a eleger. Não se pode afastar, porque ninguém está isento de suspeitas quando atua em situações suspeitas, a possibilidade de pura e simples corrupção, dada a montanha de dinheiro que transitou das contas bancárias dos acusados para as de seus advogados, até então desconhecidos, que ficaram milionários ao representá-los nos famosos acordos de delação. Vamos aguardar.

Esses fatos recentes, ocorridos no Supremo, pode sinalizar que o antipetismo doentio esteja sendo posto de lado no sistema de justiça do país, até aqui mergulhado até o pescoço no movimento midiático-militar-jurídico de estigmatização e criminalização do PT. A racionalidade, parece, está retornando à porção conservadora e liberal-econômica da magistratura. E quanto ao antipetismo doentio presente no seio da sociedade?

Em texto publicado em 25/10/2014, aqui, logo após o último debate entre Dilma e Aécio, previ que a Dilma venceria a eleição, mas que o antipetismo doentio continuaria a assombrar o país, que saía do pleito extremamente dividido e radicalizado, com três segmentos eleitorais bem delineados: o petismo, o antipetismo e os neutros. Vejam bem, o antipetismo precede esse pleito, tendo ganhado intensidade a partir do mensalão. A eleição de 2014, contudo, tornou abissal de vez um abismo que já vinha sendo construído metodicamente pela imprensa corporativa.

A previsão, em si, não constitui mérito algum, pois na época não era necessária uma grande capacidade de visão política para vislumbrar o que estava às escâncaras. Porém, chamava atenção, no texto, para a circunstância de que o antipetismo se tornara uma grave doença política do Brasil, com os antipetistas sendo capazes do próprio sacrifício e do holocausto do país para derrotar eleitoralmente o PT, o que significava perder renda e desviar o Brasil da rota de desenvolvimento social contínuo iniciado em 2003 com Lula. Para atingir esse propósito, seriam capazes de extremos, como votar em personalidades absolutamente deletérias, dentre elas exemplifiquei com Jair Bolsonaro, na época inexpressivo eleitoralmente. Sinceramente, eu não acreditava nessa possibilidade; era ridícula. Usei uma espécie de hipérbole política para demonstrar o exagero a que conduzia o antipetismo.

Todavia, incrivelmente, fiz bingo. Na eleição seguinte, uma das personalidades mais esdrúxulas e malévolas da política mundial foi eleita presidente desse infeliz país chamado Brasil. Deu no que deu. Com um lunático despreparado na presidência, houve perda de atividade da economia, o Brasil despencou para a 12ª posição no ranking do PIB, quatro posições a menos do que recebeu, e, claro, todos perderam renda, inclusive a classe média bolsonarista que batia panela contra o PT. Se o mantra, na ocasião, era que bastaria o PT ser retirado do poder para sustar a valorização do dólar impeditiva de viagens internacionais e o aumento do preço da gasolina, a realidade os esbofeteou violentamente com o significado de realpolitk. As viagens internacionais praticamente pararam desde então, mesmo antes da pandemia, e a gasolina…, bem, vá até o posto abastecer seu carro e sinta no bolso o custo do antipetismo.

Bolsonaro não se revelou somente mais do mesmo, o que seria melhor para todos. Seus eleitores tinham certa razão. Ele está sendo diferente do modelo tradicional; pena que no sentido negativo de diferente. Demonstrou-se capaz de uma destruição histórica na economia do país, além de apresentar uma certa sociopatia no que concerne às pautas identitárias e preservacionistas. O seu método de composição dos ministérios e demais setores do governo parece ter sido orientada para o acolhimento dos piores currículos. É um órgão governamental que combate o racismo? Coloca lá um negro que se notabiliza por não enxergar a existência do racismo. Nada melhor do que um negro que diz, em alto e bom som, que o racismo é maluquice de certos negros e que racismo estrutural é “mimimi”. O órgão foi pensado e criado para a defesa dos direitos das mulheres? Então, nomeia-se uma mulher que entende que seu próprio gênero deve obediência aos maridos, vestir rosa e ser excelente dona-de-casa. É um ministério nascido para impedir a destruição das florestas, com aproveitamento racional dos recursos extrativistas? Bom, nesse caso procura-se um nome que demonstre a intenção de “passar a boiada” na legislação protetiva, tornando as florestas suscetíveis a intensos desmatamentos e queimadas. O órgão busca privilegiar a cultura? Opa, o nome ideal é de quem seja contra a Lei Rouanet, utilize slogans nazistas e que não se importe em contar com um orçamento que, basicamente, é suficiente apenas para custear a própria estrutura, com pouca ou nenhuma condição de investir em sua atividade-fim cultural. E por aí vai… Os exemplos são muitos.

O Brasil não apenas se desviou da rota de desenvolvimento social contínuo iniciado em 2003 com Lula, como eu disse então, mas foi jogado para fora da estrada do desenvolvimento e não se encontra mais em rota alguma, totalmente perdido e alheio no palco das ações e decisões mundiais. Estamos ao léu.

O que não era possível prever em 2014, era que o lado desumano e cruel de Bolsonaro se revelaria tão intensamente mesmo num momento trágico de abalo na saúde mundial. Contudo, num tuíte que postei em 26/10/2018, no desespero de evitar os votos nulos que beneficiariam o maldito, tive o que parece ser uma breve epifania do que estaria por vir, ao dizer:

Bolsonaro é criação do real poder. Similar a Temer e Cunha, mas falsamente vendido como novidade e remédio político. Se eleito, revelará sua real natureza: não medicina curativa, mas doença que machuca e mata pessoas que amamos. Não anule seu voto. Vote contra a barbárie.

Não poderia estar mais correto: Bolsonaro é a própria doença que mata os brasileiros no momento e que põe em risco, não somente nosso país, mas o mundo inteiro ao se omitir, em total desleixo, em cuidar da saúde dos brasileiros, inclusive os que o elegeram. Organismos internacionais, como a OMS, já se movimentam para pôr fim aos desvarios bolsonaristas na saúde, o que, ao menos em tese, pode culminar com uma inédita intervenção internacional no Brasil; ou uma acusação contra Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional por genocídio ou algo similar.

Esse é o legado do antipetismo até o momento em que escrevo: um fascismo com coloridos tropicais, ou seja, com pendores totalitários, porém desprovido da faceta típica do fascismo que é o nacionalismo, ou seja, a perseguição do interesse nacional. Bolsonaro oprime os brasileiros e, ao mesmo tempo, entrega de bandeja as nossas riquezas, ridiculamente deslumbrado em ser apresentado a outros governantes, notadamente Trump, seu crush, mas também Putin, como se viu; sua preocupação como presidente é apenas a de proteger familiares e amigos envolvidos em situações escusas, o que fez a vida toda, inclusive com suas ex-mulheres.

Dadas as ignominiosas características do bolsonarismo – discurso da violência, práticas antiambientais, expurgo das pautas identitárias, evidentes sinais de corrupção do clã Bolsonaro e de amigos e colaboradores próximos, destruição da economia e outras – o movimento conseguiu se tornar um polo de repulsa política em muito menor tempo (dois anos) e com muito mais intensidade do que o antipetismo, cultivado por décadas na estufa midiática da escandalização do banal. Ao que parece, os eleitores do centro político se uniram aos de esquerda nessa repulsa, objetivando pôr fim à experiência fascistoide do bolsonarismo no país, o que é uma excelente notícia. Parece estar na moda ter nojo de Bolsonaro; apoiadores fanáticos do bolsonarismo na eleição viraram as costas ao movimento, como Lobão, Alexandre Frota e tantos outros. Recentemente uma participante de um reality que era adorada pelo público passou a sofrer intensa rejeição ao se declarar bolsonarista; foi “cancelada” nas redes e sua chance de vencer o jogo virou, literalmente, zero.

Isso não impede, contudo, que o antipetismo continue a produzir aberrações políticas com o propósito de evitar o retorno do PT ao poder. Mantida essa loucura, o Bolsonaro de hoje, amanhã poderá ser outro aventureiro de índole maligna, antidemocrática e com visão unidirecional, voltada somente para os interesses do mercado.

Até aqui, o Brasil teve gás para suportar as perdas provocadas por Temer e por Bolsonaro. Por quanto tempo mais conseguirá arcar com os custos do antipetismo doentio? E há outro perigo, talvez maior: o antipetismo está conduzindo a população a ter uma visão distorcida da política, no sentido de igualar por baixo todos os representantes eleitos. Quando o grau zero da política se instalar definitivamente, ou seja, a descrença total na política e na democracia, o que virá em seguida? Já ronda intensamente as mentes intolerantes ideias perigosas de dominar e se impor a qualquer preço, independentemente do custo. Trata-se de um abismo de polarização com potencial para engolir os dois polos.

É imprescindível que o antipetismo retroceda antes que seja tarde demais. A elite e a mídia majoritária sabem que o PT é um partido político como outro qualquer, com méritos e defeitos; o antipetismo que propagam é uma fraude. Todos os partidos possuem seus corruptos, mas somente o PT foi estigmatizado como instituição corrupta. O antipetismo fraudulento permitiu coisas como a comparação descabida entre Haddad e Bolsonaro, entre um democrata e um fascista. O resultado é esse que estamos assistindo nesses dois anos de governo escabroso, no qual a morte de centenas de milhares de brasileiros se tornou um objetivo político. Já passou da hora de dar um basta nisso, de acabar com essa loucura anticivilizatória, de retornar à sanidade. É preciso aceitar que o PT é um dos maiores partidos políticos do país e representa uma fatia expressiva do pensamento político dos eleitores. Não se encontra na extrema-esquerda, como alardeiam tentando escandalizar e sugerir uma similaridade com Bolsonaro que não existe. O PT encontra-se mais próximo do centro do espectro político, sendo similar a diversos partidos europeus, por exemplo.

Todos os partidos políticos são criados para a conquista do poder. Esse é o objetivo de sua existência. Os eleitores do PT têm o direito de votar num candidato do partido, assim mantendo acesa a chama da esperança de assunção ao governo de alguém que represente o que pensam. Em respeito aos seus eleitores, o partido não pode e não deve sucumbir ao discurso hipócrita e fundamentalmente antipetista de que deve abdicar do seu direito de ser votado, em favor de outros candidatos de outros partidos. O interesse nesse discurso oportunista é óbvio: facilitar e aumentar as próprias chances de ser eleito; não por ser o verdadeiro escolhido do povo, pelo próprio mérito, mas por W.O., por desistência do adversário, pela supressão do direito do eleitor de escolher em quem votar.

Os outros partidos, todos eles, têm o mesmo direito e devem apresentar seus candidatos. Eventuais coligações ou simples adesões visando a derrota de Bolsonaro é algo a ser pensado e projetado para o segundo turno. Não há dúvida de que, se Bolsonaro passar ao segundo turno (e isso não são favas contadas) e o candidato do PT não for seu adversário, os petistas votarão em peso no candidato oponente do bolsonarismo, mesmo naqueles que se afirmam esquerda, mas cujo discurso é absurdamente antipetista. Entre o ególatra coronel Narciso e o monstruoso capitão Leviatã, os petistas certamente optarão pelo primeiro, pois o voto em Bolsonaro, até por uma questão ideológica, não é uma opção de quem se diz preocupado com o Brasil.

A dúvida que fica é se a contrapartida será verdadeira: estarão os demais partidos, de esquerda ou não, comprometidos em dar fim ao perverso governo de Bolsonaro, possivelmente o mais daninho da história do país, se um candidato do PT for com ele ao segundo turno em 2022? Ou o fanatismo antipetista vai, novamente, prevalecer, com os covardes se fingindo de mortos?

O Brasil não suporta mais pagar o preço do antipetismo. Já deu. Chega!

Redação

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