Aldo Fornazieri
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

A fortuna e a estabilização do governo Lula, por Aldo Fornazieri

A virtù é conceito que expressa qualidades e virtudes do líder para comandar e conferir direção e sentido aos acontecimentos políticos.

Pexels – Steve Johnson

A ‘fortuna’ e a estabilização do governo Lula, por Aldo Fornazieri

Se aplicarmos os conceitos maquiavelianos de virtù e fortuna para analisar o governo Lula, podemos constatar alguns paradoxos e ambivalências de como eles operam na conjuntura dos últimos meses. Relembrando que, de modo geral, a virtù é um conceito que expressa as qualidades e as virtudes do líder, sua capacidade de comandar e de conferir direção e sentido aos acontecimentos políticos. Ela está relacionada, por um lado, com meios (de diversas ordens como, por exemplo, a capacidade persuasiva e a força política e social) que o líder dispõe para agir e, por outro, com as qualidades morais para manejar os meios e liderar. Isto quer dizer que se um líder dispor de muitos meios de poder, mas não tem qualidades de comando e de liderança, poderá fracassar.

Já, a fortuna, é força que dá origem aos eventos contingentes, aos acasos e aos imprevistos. Ela está presente em todas as ações humanas e tem uma natureza ambivalente: pode ser boa ou má – pode favorecer ou prejudicar a liderança. Quanto menos atividade política e de comando um líder, um governo exerce, mais ele abre as portas para a ação desorganizadora da fortuna. Ou seja: ele terá menos controle dos acontecimentos, os outros sujeitos políticos  ativos (incluindo a oposição ou os inimigos) criam espaços próprios de atuação, aumentando as zonas de descontrole e de ausência de governabilidade, impactando a realidade econômica, política e social.

A queda livre que o governo e Lula sofreram nas pesquisas, nos últimos meses, se deveu à sua falta de virtù, de ação, de direção e de comando. Os dados da conjuntura econômica indicavam algumas dificuldades, mas, no cômputo geral, o cenário não validava uma queda tão brusca nas avaliações. Então, os erros maiores foram de condução política e de direção de governo.

Com o susto, o governo, o presidente e alguns ministros iniciaram reações, aumentado a atividade política, a presença pública e dando maior visibilidade às realizações e programas. À essas reações se somaram também algumas mudanças dos ventos soprados pela fortuna, passando dos malefícios aos favores em relação ao governo. Esses favores podem ser identificados na aceitação pelo STF das denúncias oferecidas pela PGR contra Bolsonaro e outros líderes do movimento golpista, da desaprovação de 56% da população à proposta de anistia aos condenados pelos atos de 8 de janeiro, à falta de um movimento unificador da oposição e ao desempenho apenas razoável do governo Tarcísio em São Paulo.

O caos internacional causado pelo tarifaço de Trump também fez com que a fortuna sorrisse para Lula, por duas razões: 1) Bolsonaro e o bolsonarismo são associados a Trump. O presidente norte-americano é visto como alguém amalucado que semeia o pânico pelo mundo; 2) como contraponto, Lula age com racionalidade, critica o tarifaço, não radicaliza e vários de seus ministros operam soluções negociadas para evitar um estrago maior. Lula aparece como o líder que defende os interesses do país. É certo que o cenário está ainda instável e tomado por imprevisibilidades. Precisa ser decantado. Mas Lula e o governo vêm se posicionando bem e isto se transforma em ativos políticos positivos.

A soma de maior atividade dirigente com os favores da fortuna tem se traduzido numa recuperação da avaliação do governo como mostra a pesquisa Datafolha. A avaliação positiva subiu de 24% para 29% e a negativa caiu de 41% para 38%. Somados os dois ganhos, são 8 pontos e isto é significativo. Mesmo assim, a avaliação continua bastante desconfortável.

Lula lidera em todos os cenários da disputa presidencial de 2026. Mas o conjunto dos números dessas e de outras avaliações e das avaliações de outros temas, mostram que, eleitoralmente, o país continua polarizado. Mesmo que o campo de direita saia dividido em 2026, o que ainda é uma cogitação, um segundo turno será disputado de forma acirrada e a margem do vitorioso deverá ser pequena.

Com Bolsonaro fora da disputa eleitoral, o candidato potencialmente mais competitivo da direita é o governador Tarcísio. Sua avaliação positiva no governo, pelo Datafolha, é de 41%. Trata-se de uma avaliação confortável, mas não extraordinária. Juntando essa avaliação com a recuperação do governo federal e com o desempenho eleitoral de Lula, dificilmente Tarcísio arriscará uma possível reeleição no estado de São Paulo em nome de uma empreitada arriscada na corrida presidencial.

Para Lula, o ideal seria chegar com uma avaliação positiva do governo no patamar dos 40% em 2026. Mas isto parece um pouco difícil. O mais provável é que o governo possa recuperar um patamar dos 36%, desde que faça a coisa certa, mostrando ativismo, capacidade de direção e melhoria e visibilização dos programas governamentais.

Conseguir aprovar no Congresso o projeto de isenção do Imposto de Renda até os R$ 5 mil e a cobrança para quem ganha acima de R$ 50 mil será importante para o governo melhorar o desempenho nos setores de renda média. Os dois pontos têm alta aceitação popular.

 A inflação e o endividamento das famílias continuam sendo pontos vulneráveis nas camadas de renda baixa. Os bons dados da economia não serão suficientes se Lula e o governo não melhorarem o desempenho político e a comunicação, apontando um caminho de inovação e esperança para o futuro do país.

Embora a maioria da opinião pública reprove a tese da anistia, num placar de 56% contra e 36% a favor, esse jogo ainda está sendo jogado. O fato de a oposição ter conseguido o número suficiente de assinatura na Câmara para propor rito acelerado na tramitação do projeto da anistia mostra que a articulação política do governo continua frágil e com dificuldades de coordenar os interesses políticos de partidos de centro-direita que têm assento no Ministério.

O bolsonarismo está jogando esse jogo em três tabuleiros: nas redes, nas ruas e no Congresso. Com meias verdades e inverdades inteiras, os bolsonaristas procuram revestir a campanha com alta dose de emoção, apelando para os sentimentos de solidariedade ante supostas injustiças e perseguições. A dosimetria alta das penas dos condenados tende a se tornar um problema não só para o STF, mas também para o governo e os partidos progressistas e de esquerda. É preciso encontrar justificativas e argumentos sólidos para evitar de serem empurrados novamente para posições defensivas. Afinal de contas, o defensivismo político vem sendo a marca desse terceiro mandato. Não é uma posição confortável nas vésperas de uma disputa presidencial.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política e autor de Liderança e Poder.

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5 Comentários

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    1. Carece sim, já imaginou o que seria este país nas mãos de cabecinhas da direita “dizem civilizada” tipo PSDB Arminio Fraga? Adeus petróleo margem equatorial, adeus Petrobras e BNDES, adeus salários e previdência. Ou acredita que haverá alguém que acabe com o banco central independente e volte os juros a valores civilizados?

  1. Saindo da análise didática e avançando no popular, eu penso que o engodo praticado durante algumas décadas por vários presidentes da república, contra os aposentados e as aposentadas no Brasil, agora está prestes a explodir no colo de quem menos se esperava merecê-lo. Lula caiu na armadilha opositora, caiu no banheiro e caiu irresponsavelmente nas pesquisas. Perde credibilidade, confiança e a afortunada segurança eleitoral, que nunca chegou a níveis tão autênticos de rejeição e de irritação. Depois de tantas crueldades governamentais contra a classe contribuinte da previdência social, via INSS, trabalhadores e trabalhadoras que após várias armadilhas, após ameaçadoras revisões previdenciárias e após as covardias que empresas causaram a classe, ao não depositarem suas contribuições previdenciárias, a classe trabalhadora sobreviveu e entre perdas e danos cumpriu seu dever social e econômico, ao manter íntegra a sua parte, para conquistar a tão esperada e sonhada redenção da aposentadoria honesta, decente, justa e merecedora. Porém, como se lhe tirassem o pão, o leite, o almoço e o jantar, devoraram avidamente seus parcos recursos, como se tivessem desferidos dois tiros de misecórdia com balas especiais calibres ADI 2110 e ADI 2111. Duas balas extras, estrangeiras e fabricadas no submundo da injustiça marginal, covarde e contraditória. Duas balas extras inexpressivas usadas contra o mérito pleno pelo tribunal superior, que se contradiz, fecha os olhos e se torna inferior a própria contradição, no direito, no justo e no constitucional. Duas balas que entraram pelas costas nos corpos marcados, cansados e extasiados de tanto produzir, construir, contribuir, enriquecer e engrandecer os três reinados dominantes: Executivo, Legislativo e Judiciário.
    Mas alguém teria que receber a bomba e assumir o pato da corte reinante. Lula recebe e assume os dois, como um pato. E é aí que ele se lasca, como fizeram com o povão traído, usurpado e vitima da apropriação indevida dos recursos que contribuídos na forma de um contrato oficial entre trabalhadores(as) e governo federal, que é prova vital, cabal e oficial do dever contratual cumprido rigorosamente. Aliás, o fiel, leal e honesto contrato que foi rompido, desrespeitado e quebrado de forma unilateral, autoritária, ilegal, imoral e criminosa pelo governo ou verdugo dos trabalhadores(as).
    Aí está o maior peso da queda atual de Lula e seu governo e que também poderá ser de um futuro ainda pior.
    A Revisão da Vida Toda poderá ser, ou não, o Verdugo de Lula, PT e coligados em 2026, e depois, e depois, e depois, ….

  2. Lula e seu governo perderam popularidade porque as pesquisas refletem os interesses dos seus editores e/ou realizadores. Não se trata de falta de ação. O governo está atuando demais e caminha para ajudar o passo de todo o mundo rumo a um mundo desdolarizado (ou, pelo menos, valendo muito pouco). O pix internacional como forma de pagamento ameaça o governo de Trump (leia-se dele e de seus apoiadores que apostam no dólar). Um mundo em que os EUA não desempenham um papel de dono do jogo.
    Já vimos que o pesquisismo tem por objetivo manter o status quo. Status quo apoiado no dólar. Mas como fazer isso se lá na terra do dólar há milhões participando do hands out, descontentes com o aumento no preço dos alimentos, dos automóveis, dos iphones e dos componentes eletrônicos? Mais de que milhões participando do hands out estão antigos apoiadores ameaçando saltar do barco de Trump…

  3. Puxa vida, li em algum lugar que se o Moraes aplicasse a pena máxima para a golpista mentirosa, que entra vários crimes cometidos, pichou uma estátua, ela permaneceria na prisão por 28 anos. O Moraes sentenciou em 14 e ainda mandou ela para casa com tornezeleira.
    Na minha opinião, ela deveria ser penalizada em 28 anos e ficar no mínimo 14 na prisão sem direito a benefícios.
    Esses golpistas têm que sofrer penas muito duras para que os próximos golpistas pensem 10 vezes antes de tentar golpear o país e sua população.
    Então, não vejo as penas impostas como duras. E isto pode ser um perigo em futuro próximo.

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