A Globo faz bravatas e chama o PT para conversar. O Partido vai recusar?, por Gilberto Maringoni

A Globo faz bravatas e chama o PT para conversar. O Partido vai recusar?

por Gilberto Maringoni

O ex-diretor de redação e articulista d’O Globo Ascânio Seleme publicou no sábado (11) uma inteligente e provocativa coluna, intitulada “É hora de perdoar o PT”. Não faltam doses explícitas de arrogância ao longo do texto. Mas o sinal é inequívoco: a firma da família Marinho faz um movimento tático importante e chama publicamente a esquerda para conversar. A resposta petista até aqui tem sido despolitizada e pueril. Vamos aos detalhes.

Seleme não é redator ocasional. É figura de confiança da chefia e suas linhas têm o peso de voz oficiosa da Globo. Sua visibilidade não se iguala à de Merval Pereira ou à de Míriam Leitão, mas ele é inegavelmente homem da máquina.

CADA PALAVRA DO ARRAZOADO parece ter sido medida e pesada com cuidado. A abertura vai ao essencial: “Ódio dirigido ao partido não faz mais sentido e precisa ser reconsiderado se o país quiser mesmo seguir o seu destino de nação soberana, democrática e tolerante”. O essencial é o chamamento à legenda. A partir daí, Seleme corta afiado:

“Não há como uma nação se reencontrar se 30% da sua população for sistematicamente rejeitada. Esse é o tamanho do problema que o Brasil precisa enfrentar e superar. Significa a parcela do país que vota e apoia o Partido dos Trabalhadores em qualquer circunstância. Falo dos eleitores, não apenas dos militantes. Me refiro aos que acreditam na política de mudança do partido, não aos seus líderes”.

TACITAMENTE, O GLOBO RECONHECE a principal marca da esquerda, hegemonizada pelo PT. Ela representa um terço do país e não haverá entendimento para que se saia do abismo em que nos metemos sem levar esse imenso contingente em conta. O monopólio da comunicação parece constatar: ao contrário de 1964, quando se podia eliminar essa fatia da sociedade e dar curso a um projeto de desenvolvimento ditatorial, hoje, pelas transformações operadas no último meio século, isso não é mais possível. E a percepção de Seleme não é apenas quantitativa – o tamanho do segmento -, mas qualitativa: “Esse agrupamento político, talvez o mais forte e sustentável da história partidária brasileira, tem que ser readmitido no debate nacional”.

O jornal exibe suas condições para a aproximação. Aponta a existência de corrupção nas gestões do partido, mas a releva. “Claro que houve desvios de dinheiro público na gestão de Lula e Dilma, as provas são abundantes e as condenações não deixam dúvidas. Mas o PT é maior que isso. (…) Não é possível se olhar para o PT e ver só corrupção. O petismo não é sinônimo de roubo, como o malufismo”. Que pessoa sensata não concordaria com tais palavras?

O artigo segue, reclamando da “índole autoritária” do PT. E exemplifica: “A tentativa de censurar a imprensa através de um certo ‘controle externo da mídia’, de substituir a Justiça por ‘instrumentos de mediação’ em casos de agressão aos direitos humanos, ou de trocar a gestão administrativa por “conselhos populares”.

POR PARTES. Sobre comunicação, se algo pode caracterizar as gestões petistas é sua total rendição aos monopólios da mídia. Não apenas os governos dessa vertente destinaram bilhões em publicidade para a Rede (R$ 8,1 bilhões, para ser mais exato, segundo levantamento do site Poder 360), como em nenhum momento seu monopólio foi contestado. Ao contrário. Uma proposta de regulação do setor elaborada pelo ex-ministro Franklin Martins foi solenemente engavetada por Dilma Rousseff. Assim, é falsa a afirmação de Seleme sobre “tentativa de censurar” quem quer que seja. A história de “instrumentos de mediação” é delírio do jornalista e a criação de conselhos em órgãos públicos em nada colide com a Constituição.

Depois de reiterar o apelo colocado na abertura da matéria – “o ódio dirigido ao PT não faz mais sentido” -, o redator avança:

“Não pode se esperar essa boa vontade [de o país “seguir o seu destino de nação soberana, democrática e tolerante”] dos que carregam faixas pedindo intervenção militar e fechamento do Supremo e do Congresso, um grupelho ideológico, burro e pequeno que faz parte da base do presidente Jair Bolsonaro. Mas é bastante razoável ter esta expectativa em relação a todos os outros, sejam eles de direita, de centro-direita ou de centro”.

E logo completa: “Não se pode negar que parte considerável do Brasil é de esquerda. (…) O país precisa se reencontrar logo para construir uma alternativa ao bolsonarismo, este sim um problema grave que deve ser enfrentado por todos. Perdoar o PT não significa abrir mão de convicções. Ao contrário, significa pavimentar caminhos pelos quais pode se chegar ao objetivo comum de paz e prosperidade”.

O TEXTO COMBINA INTELIGÊNCIA E CERTA ARROGÂNCIA. Perdão é conceito do moralismo cristão contrabandeado para a política. Implica a afirmação da superioridade sobre quem o concede em relação ao perdoado. Se a métrica for essa, Seleme espertamente construiu uma armadilha ao petismo. Aqui e não nas condicionalidades – todas no terreno da política – está o obstáculo colocado. A expressão dá razão aos petistas devolverem o convite com “o Brasil perdoará a Globo?”. Não são poucos os “pecados” da rede, desde a campanha contra Getúlio, nos anos 1950, a articulação do golpe de 1964, a sustentação da ditadura, a edição do debate Lula X Collor em 1989, a campanha pelo impeachment em 2015-16 e as jornadas pela condenação do ex-presidente, juntamente com a Lava Jato.

O PT também cometeu atentados sérios contra os trabalhadores e a democracia, em 2015-16. Perpetrou um estelionato eleitoral, provocou a mais funda depressão econômica em cem anos até então e dobrou os índices de desemprego em 15 meses. Não há santos – mais um galardão cristão – nessa história e – vale lembrar – política não se faz com mágoa.

O fato é que responder à Globo com caneladas implica abstrair o peso do conglomerado na vida nacional e o recuo tático da família Marinho, implícito no artigo. A empresa sempre negociou com governos – inclusive com os do PT – por trás dos panos e agora propõe um pacto à luz do dia. Esse tópico é particularmente importante. E afirma abertamente: Bolsonaro levará o país ao desastre e não o tiraremos de cena apenas com os liberais. Precisamos de uma aliança à esquerda.

DESDE QUE O MUNDO É MUNDO, ninguém negocia coisa alguma sem contar vantagens ou colocar alguma bravata na mesa. A Globo já exibiu as suas e dirigentes e simpatizantes petistas acabam de dar satisfações às suas bolhas, simulando voz grossa.

Feitas as honras e aparências da casa, é uma boa hora de se entabularem conversações como gente grande. A situação do país é gravíssima para que cada um decida fazer marola ao invés de buscar saídas.

Gilberto Maringoni

Gilberto Maringoni de Oliveira é um jornalista, cartunista e professor universitário brasileiro. É professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, tendo lecionado também na Faculdade Cásper Líbero e na Universidade Federal de São Paulo.

Gilberto Maringoni

Gilberto Maringoni de Oliveira é um jornalista, cartunista e professor universitário brasileiro. É professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, tendo lecionado também na Faculdade Cásper Líbero e na Universidade Federal de São Paulo.

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  • O texto combina muita safadeza com uma arrogância ainda maior. Perdão só se justifica se houver reparação das males causados, muito maiores ao país do que ao PT. Eu não aceito carregar escorpião nas costas.

  • Se o bolçodoria acabar com a globo e jogar uma pá de cal em cima, apesar da desgraceira reinante, já terá feito um ótimo governo!

  • Há muito defendo este holofote para o PT, mas somente à partir do mea culpa da Globo. Somente assim, uma conversa seria válida.
    Globo (junto a midia inescrupulosa), lava-jato (parceria com Moro), congresso e suas facções (bala, boi, biblia e bola) , judiciário (com STF e tudo), FAAs (de chinelinho ou não), Sistema S (e seus empresários escroques), junto a excessiva tolerância de Dilma -- sua insistência em tratar golpe com republicanismo foi letal -- e do próprio PT (que deveria ter sido mais critico com dilma), são responsáveis pela barbárie que corroe o país e precisam expurgar de seus meios os personagens que bancaram ou se calaram ante esta ignomínia.
    Assumidas e saneadas/pagas as culpas, que se desenvolva um diálogo entre as forças progressistas em prol de um Brasil onde os caminhos da democracia sejam pavimentados com blocos sociais sólidos e todos, todos, tenham oportunidade iguais de desenvolvimento, à partir da verdadeira ordem e do verdadeiro progresso.
    Feito isso, a escória,.como a observada atualmente, não terão vez na sociedade.

  • O resumo do texto do jornal da família golpista,em termos bíblicos, equivale a dizer que os romanos propõe perdoar Jesus por tê-lo crucificado.
    Tem razão o autor a propor conversa de gente grande. Se engana,no entanto, em caracterizar o grupo golpista como tal.

  • O professor como mediador tem lado. Como diriam os portugueses que passaram de navio na costa do litoral sul da Bahia, muito depois de Porto Seguro: Abr'olhos. Abr'olhos.

  • É só a empresa mais corrupta do jornalismo brasileiro triscar o dedo para o PT que os jornalistas, autodenominados, mais à esquerda balançam o rabinho assanhados em alum acordo com esses farsantes?

  • O texto é uma ofensa pública ao PT e à parcela da sociedade que o admira. Não trás, em sequer uma palavra, arrependimento pelas ofensas aos grandes líderes do Partido, em especial Lula, vítima de uma solerte campanha pilotada pela mesma Rede Globo, que culminou em julgamentos farsescos e sua condenação, para alijá-lo das disputas eleitorais. A realidade pura, simples, indiscutível e insofismável é que a vítima, o PT, não tem nada de reconhecer culpas por crimes de que foi acusada SEM PROVAS. A Rede Globo e suas acompanhantes na mídia hegemônica é que têm de pedir perdão ao PT e ao Brasil, pelo fosso em que nos jogaram. Cujo fundo, com a política de Paulo Guedes, que apoiam, será sem fim.

  • Já é o segundo articulista "progressista" em menos de cinco dias que diz da necessidade de o PT conversar com a Globo. Conversar com uma empresa que nunca quis conversa? Conversar com quem colocou boa parte da população contra seus presidentes eleitos democraticamente? Conversar com golpista? E golpista não só uma vez não. É bom lembrar para não esquecer: a Globo foi golpista em 1964 e em 2016. E durante todo esse período determinou como o país deveria ser dirigido. Como alguns gostam de dizer: "definiu pautas". Conversar com uma organização que nunca olhou para o país e sim para seus interesses particulares? É bom lembrar para não esquecer: Globo e militares sempre foram, como dizia minha avó, "carne e unha". No pós-ditadura (1964-1985), essa "dobradinha" foi Globo e governos, fosse qual fosse a cor da bandeira do governo. Conversar?

  • O PT deveria aceitar as pazes da globo e depois que estiver de volta reconversa denovo, coloca os pingos nos is, democratiza a mídia e vai pra cima dos fakenews

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