BBB e os gladiadores do século XXI, por Vitor Fernandes

Somos uma sociedade competitiva a individualista e acreditamos que a economia e a sociedade só serão boas e produtivas com uns competindo contra os outros.

BBB e os gladiadores do século XXI

por Vitor Fernandes

No império romano, era comum que os romanos se divertissem assistindo as lutas dos gladiadores.

Gladiadores eram prisioneiros de guerra, criminosos, geralmente “bárbaros” (não romanos), que eram colocados para lutar uns contra os outros numa arena. A mais conhecida delas, o Coliseu, em Roma, abrigava mais de 80.000 pessoas.

As lutas eram ferozes, até a morte, e se fazia de tudo para proporcionar o máximo de violência aos expectadores.

As pessoas adoravam, vibravam com a violência, que incluía todo tipo de mutilações e sangue para tudo quanto é canto.

Quando um gladiador estava prestes a eliminar um rival, olhava para o imperador, que assistia ao espetáculo e colocava o dedo pra cima, indicando que não deveria se executar o rival, ou para baixo, indicando que a pena capital estava dada.

Era um espetáculo de horror e violência. Chegava a morrer centenas de pessoas num único dia, com as pessoas vibrando com a morte.

Hoje, olhamos aterrorizados para isso, mas será que somos tão superiores assim?

Somos uma sociedade competitiva a individualista e acreditamos que a economia e a sociedade só serão boas e produtivas com uns competindo contra os outros. Naturalizamos a competição a tal modo, que nem refletimos mais sobre ela.

O que é o BBB e vários outros programas de TV em que pessoas são colocadas para competirem entre si para ganhar um prêmio? É o espetáculo da competição, do individualismo.

Colocamos nossos filhos pra competir, crianças na escola, namorados, funcionários das empresas, etc. Tudo é competição.

O homem não é naturalmente individualista, pois somos produtos do meio. Somos criados em meio à competição capitalista e a naturalizamos. Achamos que o homem “lobo do homem” hobbesiano é o único possível.

No BBB as pessoas são colocadas em uma casa, confinados, onde apenas um vai ganhar 1,5 milhão de reais. Mais que isso, está em jogo a possibilidade de sair de lá famoso, com milhões de seguidores, o que significa grana também.

Logo, tal como na arena romana, eles precisam se digladiar entre si para vencer. Não precisa matar fisicamente, mas vale humilhar, trapacear, agredir verbalmente, fazer tortura psicológica, etc. E nós, que olhamos de fora, gostamos de ver isso. Queremos ver as pessoas se digladiando.

Tal como os romanos se sentiam superiores aos gladiadores, eram bárbaros, criminosos, etc. e se sentiam no direito de se deleitar com o sofrimento alheio, nós hoje, gostamos de ver as pessoas se digladiando em um programa de competição. Trocamos a morte física por uma série de trapaças aceitas em nome da competição e do individualismo legitimados socialmente. Nos sentimos superiores ao ver as imoralidades que são cometidas lá. Isso nos faz bem, reforça nosso ego.

Não gostaríamos de ver um “reality show” com pessoas sendo solidárias, boas, produtivas, etc. Isso nos faria sentir inferiores. Não daria audiência.

Gostamos de estar no papel de “eliminar” ou não um participante. Nos dá a sensação de poder (que não temos na sociedade), tal como o imperador romano tinha sobre a vida dos gladiadores.

Esses programas de TV são a expressão de uma sociedade burguesa, pautada na competição. Seria impensável em uma sociedade socialista, por exemplo, onde não impera a ótica da competição. Eles expressam características centrais de nossa sociedade, que já estamos tão acostumados que nem refletimos mais.

Mas talvez no futuro, achemos absurdo pessoas serem colocadas em uma casa para se digladiar, tal como pensamos hoje sobre as arenas romanas.

Redação

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