Crônica da ingenuidade incompleta, por Rui Daher

Por Rui Daher

É isso que falam de mim, à esquerda, torto e direita. De quem me ama ou apresenta simpatia, que é quase amor (poucos), ouço: “Você só pode trabalhar e ser amigo de gente honesta, vai acreditando em qualquer um”.

Chego a pensar se aí não está um viés de covardia que me impede o não e o mandar TNC. Pode ser, mas aos quase 73 anos, tanto faz e fará se a finitude pouco durar.

No passado, por 25 anos, exitoso profissional no setor agrícola e de fertilizantes, feitos com trabalho, ética e lealdade a quem pagava meus salários, sem que fosse sócio de nada, no final dos anos 1990, perdi economias, patrimônio e carreira pela privatização do setor, ouvindo dos meus patrões “temos obrigação moral de não deixar você perder nada”. Foi quando conheci o patronato de famílias tradicionais e o Judiciário brasileiros.

No momento, isso não vem ao texto. Será objeto de um livro, quase já escrito, e a algumas pitadas sobre o tema, aproveitando o que aqui publicou Luís Nassif e comunicou a ABIQUIM, a respeito da destruição que Pedro Parente promove na Petrobras, a ser publicado, na próxima terça-feira, na minha coluna em CartaCapital e, claro, aqui reproduzido.

Aqui me traz a ingenuidade de que Lula e sua família nada roubaram, são ignominiosos bandidos corruptos. Talvez, como todos nós, os brasileiros, podem ter cometido alguns ilícitos, leves, mas que pela força do Acordo Secular de Elites foram levados aos tribunais de forma politicamente direcionada.

Em todas as minhas andanças, é o que afirmo diante de risotas, demonstrações de “coitado”, ingênuo, enfim. Alguns motoristas da Uber, que me assistem há dois meses pela mão quebrada, se empolgam e prestam apoio. Com taxistas, não me atreveria.

Serei eu mesmo um ingênuo, um bobão? Mas também o serão os jornalistas sérios das folhas e telas cotidianas, professores universitários e do secundário, intelectuais, povão que o torna favorito se candidato nas eleições deste ano, movimentos sociais, Marielle assassinada? Todos ingênuos, bobões e covardes, como eu? O governo ilegítimo, coonestado pela FIESP e seus patos amarelos está indo bem? A maioria do Congresso não é uma canalha? Os governos estaduais e municipais não são enxovalhos das políticas centrais? Não estão sendo destruídos aparelhos assistenciais? Não há troca de favores por votações? Não são abaixadas calças à hegemonia norte-americana e europeia? Não nos entregamos aos chineses, sabendo qual a intenção futura do Império do Meio?

E sou eu o ingênuo, o cagão, o crédulo que lembra os dois mandatos de Lula e acredita que um homem que carrega um isopor, etílico (no meu caso, seria) ou não, para a praia não pode ser um corrupto? Apenas me comove. TNC + AK-47 procês!

Prestes, homem de grande valor, a incrementar meu ódio galhofeiro nestes tênues escritos, lembrei-me do foco que me pedem. Parei e aproveitei a celeridade temporária de meus olhos, prestes a uma cirurgia, que avançaram sobre o livro de Roberto Grün, “Da pizza ao impeachment” (Alameda, 2018):

“No início do século XXI, o que era recorrente, mas intermitente se tornou se tornou permanente e criou-se o que chamo de “campo de escândalos”, um conjunto de engrenagens sociais, cada uma delas representando espaços até então segmentados e dotados de autonomia, como o do judiciário, da política e da imprensa e que passam a funcionar cada vez mais de maneira mais sincronizada (…) convergindo para estigmatizar o governo que destoava, ainda que nem tanto, das habitualidades políticas e culturais dos grupos dominantes da sociedade”.

E mais não digo. Deixo o complemento para Lobão e Alexandre Frota.

Inté.

[video:https://www.youtube.com/watch?v=Bq0iEezUSi