Em Parasita o pobre é a praga a ser dedetizada por Carolina Maria Ruy

Em Parasita o pobre é a praga a ser dedetizada

por Carolina Maria Ruy

Assisti ao filme Parasita, ganhador do Oscar e da Palma de Ouro, assim que chegou ao streaming. Já tinha ouvido diversos comentários sobre o filme (muito elogiosos, por sinal), não apenas entre amigos, mas também no rádio e nas redes sociais. Até mesmo o quadro da CBN Comunicação e liderança, apresentado por Leny Kyrillos, abordou e analisou a linguagem do filme. Isso somado à gloriosa vitória no Oscar de 2020 criou uma grande expectativa. 

Imagina o grau de frustração ao assistir e constatar (minha opinião, vale dizer) que o filme é chato e deprimente. 

Fico a me perguntar o que o alçou ao posto de grande premiado de 2020 e a única conclusão a que chego passa pela abertura de mercados e a da busca da “diversidade” em Hollywood, como penso que ocorreu com Quem quer ser um milionário, em 2009, e com Guerra ao Terror, em 2010. Realmente não entendo qual lógica reversa justifica no filme alguma crítica social válida. Porque só pode ser uma lógica reversa, já que as metáforas de parasitismo, óbvias e rasteiras, por sinal, aplicam-se apenas aos pobres e não aos ricos. 

A família rica de Parasita é saudável e gentil. É aberta ao diálogo, confia nos empregados. Mais do que isso, gera empregos. Pode-se dizer “Ah, mas a mulher é uma inútil que não sabe criar os filhos”. E este argumento torna o filme ainda pior uma vez que ele nos leva a entender que a única pessoa certa ali é o homem rico, executivo, que trabalha e sustenta todo o resto.

Os pobres, por sua vez, são seres rastejantes das fossas de um submundo fétido e caótico. São pragas a serem dedetizadas. 

Falar em alpinismo social, como muito se tem falado ao comentar Parasita, também é muito pouco frente a questão da diferença de classes tão nitidamente delimitada no filme.  

Antes de assisti-lo imaginava que, embora a família que se infiltra na mansão pudesse, à primeira vista, ser vista como o agente parasitário, a construção do filme, suas metáforas e as relações que ele poderia apresentar, nos levaria a entender que os parasitas são, na verdade, a família rica. Imaginava isso porque é o que de fato acontece no mundo capitalista: enquanto poucas famílias concentram toda riqueza os mais pobres são explorados e vendem seu único capital, que é a força de trabalho, para sobreviver sustentando a riqueza daquele grupo de privilegiados. Mas estas relações não estão no filme e só formulará esta visão crítica quem estiver sociologicamente treinado para tanto. Não o grande público. 

O Oscar, de fato, já não é boa referência há anos. Não sei se um dia foi ou se se premiou grandes filmes, como o magnifico A Lista de Schindler (Oscar de 1994), por acidente.

De 2010, quando ganhou Guerra ao Terror, lembramos mais de seu concorrente antiguerra, Avatar. Em 2009, Milk e O Leitor, trouxeram mensagens muito mais perenes do que o fraco Quem quer ser um milionário. 

Daqui a alguns anos, poucos anos, Parasita será apenas um filme que estranhamente ganhou de grandes filmes, que entrarão para a história do cinema, como Coringa, O Irlandês, Dor e Glória e Histórias de um casamento.

Carolina Maria Ruy é jornalista e coordenadora do Centro de Memória Sindical

Redação

Redação

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  • perfeito ..filme HORRÍVEL, onde o pobre é o BANDIDO, e o rico, o mocinho, ingênuo, bem intencionado, VITIMA da inveja dos seus serviçais.
    Evidente que na pratica a teoria é BEM outra ..nem um, nem outro ..embora, sendo que pela proporção da população e forças disponíveis, os mais afortunados é que sabidamente são muito mais insanos, gananciosos e horríveis, avaros incorrigíveis.

  • Finalmente! Obrigada pela crítica. Pluralidade de vozes é importante. Sua análise reflete o que outras pessoas também perceberam, mas não encontraram nos jornais. Muito estranho que todos os "do subsolo" do filme tentem matar, furtar, falsificar, invadir, danificar....e a família modelo seja apenas aérea, mas correta, bondosa, pais dedicados, compreensiva, proba. Taxonomia (classificação) materialista dos seres humanos e sem humanidade. É pra quem gosta.

  • "Parasitas" ganhou justamente por esvaziar demonstração das razões da desigualdade e por deixar bem claro: parasitas são os pobres. Os protestos de capitalistas é jogo de cena, para tentar vender a ideia de que o filme é crítico, só isso. Vá ver porque "Asura" (também Coreia do Sul, 2016), que associa a corrupção que grassa naquelas plagas ao legado dos EUA através da sede dos corruptos (uma base militar estadunidense abandonada), nem chegou a ser nominado. E a MPAA ainda renomeia o filme, acrescenta "The city of madness" ao título, como se Asura fosse uma cidade e não uma entidade diabólica da cultura oriental...

    Agora, a "A Lista de Schindler" não é acidente. A razão é a mesma pela qual "A Vida é Boa" levou o Oscar: judeus apoiados pelo capitalista bonzinho ("A Lista"...) ou pelos EUA ("A Vida"...). Hollywood tem lado, tem ideologia, e seu cinema é o braço armado do capital. Sim, propaganda é arma moral mas nem por isso menos letal que as de fogo. Não mata biologicamente falando mas aleija consciências críticas. O cinema de lá é mero recurso da geopolítica, não dá para esperar que seja diferente disso.

  • O filme é excelente e mereceu o OSCAR. O título do filme não define quem são os parasitas. Na minha visão os parasitas do filme são os ricos.

    • Concordo com a crítica à Parasita apresentada aqui, pois entendo que não é por conta do título que os pobres são definidos como parasitas... veja o que escrevi em 01/03 em cinegnose...

      Parasita, com certeza é uma obra de qualidade com um enredo, atuações e direção que prendem o expectador. Mas questiono a leitura de que trata-se de uma crítica ao capitalismo atual. Muito pelo contrário. Há, no meu entender, uma mensagem subliminar que parece criticar o sistema, mas que apenas reforça-o.

      O título é nitidamente associado à família pobre protagonista, pois tem o pai, explicitamente, comparado a uma barata, pela própria mulher, na cena em que sua família está ocupando a casa quando os donos estão em viagem.

      Logo de início, aliás, essa família é contraposta com outros personagens de mesmo nível social e seu fracasso é vinculado à índole "malandra" de seu patriarca que se estende aos filhos.

      Em termos imagéticos as cenas desses familiares fugindo da mansão durante as chuvas, nitidamente, reforçam a ideia de que são eles os parasitas, agindo como insetos em fuga, pois imagem é dada em plano aberto e eles ficam minúsculos correndo pelas vielas

      Destaco que, embora algumas resenhas afirmem que os ricos também poderiam ser "lidos" como parasitas, não há nada no discurso da narrativa ou imagens do filme que justificariam isso... Ou seja, tal associação fica no "desejo" do expectador em vê-los assim e não em elementos presentes na narrativa.

      Enfim, a forma como o filme retrata os excluídos é subliminarmente negativa... Para deixar isso mais claro, basta comparar tal retratação com a feita pelo filme japonês "Assunto de Família"! Alí, a "malandragem" da família é nitidamente vinculada a uma luta pela sobrevivência, e não à uma índole negativa dos protagonistas.

      Seguindo pela construção da índole dos personagens excluídos em "Parasita", há uma outra fala da mesma mulher do patriarca citada acima que associa a bondade à condição social das pessoas... Ou seja, o dinheiro faz as pessoas serem boas, independente de sua índole. Segundo a personagem se ela fosse rica, até ela seria boa... Esse diálogo se dá em momento próximo ao já mencionado em que o seu marido é comparado a uma barata.

      Em termos imagéticos, a cena em que o jovem Ki-Woo admira e, negativamente, se compara aos ricos que estão na festa de aniversário final, não só reforça a ideia expressa pela mãe, como a mensagem subliminar de valorização do sistema capitalista. Há muito pouca evidência de que a vida dos mais ricos seja falsa, como querem defender os que vêm o filme como uma crítica ao sistema. O máximo que temos é uma patroa boa, mas submissa. Até a dúvida sobre a felicidade matrimonial do casal rico, dada pela expressão vazia do marido rico quando indagado sobre seu amor à esposa, é minimizada pela cena em que ele "transa" com sua mulher na sala...

      Finalmente, a obra retira toda a potência possível da violência que aflora ao final, reduzindo-a a mera catarse, como entendida por Brecht, uma vez que a solução do problema derradeiro geradas por tal violência se dê com o jovem Ki-Woo sonhando triunfar seguindo as regras do sistema...

      Finalmente, concordo em muito também com o argumento dado por alguém nos comentários feitos aqui, de que a lista dos filmes ganhadores ao Oscar, a princípio, tende a reforçar a ideia de que um filme que realmente criticasse o sistema capitalista, dificilmente ganharia a estatueta...

      Enfim, não me parece nehum absurdo divergirmos quanto à leitura de "Parasita", não é mesmo?
      Abraços

  • Não entendeu absolutamente nada do filme. Até ensaia compreender, mas julga que essa "possível" interpretação é só "para iniciados".
    A rigor, o filme é quase uma denúncia de como os excluídos são obrigados a "se virarem", de algum "jeito" (o jeito aqui é proposital) para, literalmente, sobreviverem. Mais claro que isso, impossível!
    O filme é cheio de camadas, mas basta as superficiais para se entender que essa leitura dada pelo post é deveras pouco reflexiva.

    • Mas esse é o ponto. Visão monomodo e ofensiva. Todos os excluídos do filme são mau-caracteres. Reduzir uma categoria à falta de caráter é ofensivo e pouco sutil. Mesmo passando necessidade muitas pessoas são éticas e têm caráter. Existe uma boa produção de filmes sul coreanos muito profunda, reflexiva, cuidada, com alto padrão de filmagem. Pena que não tenham ficado de fora.

    • Grammar, é "monomodo" porque é sobre "essa" realidade que o filme trafega.
      Ele não quis mostrar uma história redencionista. E só.
      Agora, achar que isso é um "desmerecimento ao excluído" ou, como sugere o texto, de que uma boa interpretação somente pode ocorrer por "iniciados", é o mesmo que entender o povo como merecedor de "eterna tutela", pensamento "bem à direita".
      Honestamente, não vejo que o leitmotiv do filme como um retrato "dos que passagem necessidade como pessoas sem ética e/ou mau caráter". E o tom tragicômico justamente suaviza isso. Como disse, é "aquela história"; a ponto de nem mesmo saber, na verdade e a rigor, quem são os parasitas.
      Mas muito irá se discutir sobre o filme, Tenho certeza! heheh
      Abraço,

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