Estatuto do Desarmamento, a quem salva?, por Saulo Barbosa Santiago dos Santos

O estatuto do desarmamento não veio por acaso, ele é fruto de diversos debates e estudos em várias partes do mundo, seu objetivo não é desarmar as pessoas, mas sim diminuir a quantidade de armas circulante.

Estatuto do Desarmamento, a quem salva?

por Saulo Barbosa Santiago dos Santos

O problema armamentista brasileiro é crônico e histórico, contudo tornou-se acentuado após a guerra fria e guerra das Malvinas porque um grande arsenal sobressalente se tornou comercializável no lucrativo mercado ilegal, que foi escoado, principalmente, na cidade do Rio de Janeiro. Diversos governos tentaram diminuir o fluxo de armas no país e isso deixou o Brasil como exemplo no que tange à luta para o desarmamento civil de armas rápidas e leves, principalmente depois do estatuto de desarmamento, aprovado em 2003. Devido a políticas conservadores com viés ideológico infundados, este estatuto vem sendo deslegitimado, desde a partir decretos presidenciais até a opinião pública, desta forma, o objetivo do texto é demonstrar a necessidade da continuidade legal do desarmamento e discutir sobre os avanços que produziu ao longo do tempo.

Engana-se quem pensa que brasileiro é pouco armado, 80% de todas as armas leves e rápidas estão nas mãos de civis, e não de militares, por isso somos o sétimo no ranking mundial de armas por habitante, acredita-se que 1/3 delas sejam ilegais. Para completar, somos o terceiro maior exportador de armas, perdendo somente para Itália e Estados Unidos.

Há quem diga que é necessário armar mais brasileiros porque ainda armou pouco, isso pode ser interessante para alguns, mas às mulheres não. Segundo estudos, um homem armado aumenta em 500% as chances de feminicídio e 40% deste tipo de crime é perpetrado pelo cônjuge (em algumas regiões ultrapassa os 70% fácil), de tal modo justifica-se o temor das mulheres a homens armados. De acordo com o instituto de pesquisa Datafolha, 78% das brasileiras são contra ao porte de arma, não estamos em terceiro colocado no ranking mundial de feminicídio a toa. Salienta-se que este medo perpassa não só às mulheres, mas a toda classe minoritária como negros, pobres, favelados, moradores de rua, LGBTQI+.

Não adianta culpar jogos de videogame, filmes e até desenhos animados para justificar a violência entre os jovens e adolescentes, enquanto houver famílias desestruturadas, pouco influenciará na diminuição de crimes diante de qualquer trabalho preventivo. Claro, não pode somente acusar a família porque ela é consequência de ações catastróficas governamentais herdadas no curso do tempo, há diversos fatores dentre eles políticos, biológicos e socioculturais que contribuem no aumento da violência entre crianças e adolescentes com armas de fogo. Em 2017, sob uso de armas de fogo, quase 9.500 pessoas abaixo dos 19 anos morreram, sendo que 8 entre 10 delas foram assassinados.

O Brasil já está se tornando referência mundial em massacres e chacinas escolares, só basta lembrarmos de Realengo e Suzano, mas daí o leitor pensa, quais procedimentos o legislativo fez para buscar diminuir mortes em escolas? Pela bancada da bala, daí inclui-se os Bolsonaros, é armar professores de 180 mil escolas que resolve a situação.

Diversos países que criaram projetos para desarmar a população foram bem sucedidos, em 2019 estudos sobre mortes anuais por causa de armas de fogo foram publicados, na Inglaterra morreram vinte e nove pessoas, no Japão, três, antagonicamente, o Brasil tem quase 140 mortes diárias. Ouço pessoas dizerem “Ahhh, estes países são de sociedades desenvolvidas, podem viver desarmadas”, geralmente respondo, “acha mesmo que resolverá a questão da segurança armando um país (Brasil) subdesenvolvido?”. Por não se conformarem, retrucam afirmando que as mortes continuaram mesmo com a política desarmamentista, logo, o estatuto não tem eficácia. Sim continuaram, mas em ritmos diferentes. Antes do estatuto crescia mais de 6% ao ano a quantidade de mortes, depois do estatuto até sua flexibilização, mau chegava a 1%. E depois dos decretos presidenciais, aumentou ou diminuiu? Aumentou em quase 5%. Vê a diferença?!

A defesa contra a importância do estatuto é ferrenha, muito vem de desinformação, fake news e até mesmo menosprezo. Costuma-se falar que bandido não vai se desarmar por causa de uma lei, e mais, quem quer matar, mata com qualquer coisa, arma de fogo ou não. Vejamos, quem tem que desarmar bandido é polícia (federal, estadual ou municipal), seja com trabalhos ostensivos, preventivos ou investigatórios, e sim, quem quer matar alguém, mata até com uma pedra, no entanto, são instrumentos menos eficazes do que qualquer arma de fogo funcional.

Outro tipo de argumentação é do tipo: “Se dificultar a compra de armas, elas serão vendidas no mercado negro do mesmo jeito, ou seja, ainda teremos armas”. Eis uma meia verdade, de fato, ainda teremos armas no mercado negro, mas a que custo? Depois do estatuto do desarmamento, armas ilegais ficaram três vezes mais cara, dificilmente uma pessoa comprará um revólver calibre 38 por menos R$ 2000, no final, o acesso a elas diminuirá porque nem todos têm condições de pagar esta quantia.

Com a flexibilização do estatuto de desarmamento feita pelo governo de Bolsonaro, praticamente dobrou o número de armas, contudo, sempre alertam que estas armas estão nas mãos de pessoas capacitadas, tanto tecnicamente como psicologicamente. Sem dúvidas, é necessário que as pessoas sejam avaliadas antes de armá-las, porém, vamos pressupor que todos os caçadores, atirador e colecionadores sejam capacitados para possuir armas, logo, não há perigo deles comprarem armas, certo? Bem, estranhamente, estas categorias de armados “perderam” três armas por dia até outubro de 2021, mais do que 2019 e 2020 juntos. Para onde estas armas legais foram parar? Diversos lugares e todas elas dentro da estatística de que 54% das armas ilegais estão no mercado clandestino.

Em conversa com dois atuantes e renomados guardas municipais da capital sergipana, GM Pimentel e o GM J. Bezerra, o estatuto do desarmamento é necessário, mas não suficiente, é um trabalho complexo e envolve diversas áreas do conhecimento em interação contínua. Segundo eles, sem um trabalho assistencial onde haja sinergia entre educação, saúde e segurança, pouco influenciará no índice criminal com armas de fogo.

O estatuto do desarmamento não veio por acaso, ele é fruto de diversos debates e estudos em várias partes do mundo, seu objetivo não é desarmar as pessoas, mas sim diminuir a quantidade de armas circulante. Sem dúvidas, milhares de pessoas foram salvas por causa do estatuto, a vida é algo sagrado e ela não deixará de ser porque sua propriedade privada foi violada. É possível ter controle armamentista eficaz, desde que se faça, também, trabalhos preventivos  em escolas, saúde pública, principalmente nas questões psicológicas como transtornos e traumas, urbanismo, já que lugares sujos e escuros “chamam” criminalidade, e na reforma do sistema de segurança pública, dando às polícias dispositivos que potencialize ainda mais o policiamento comunitário com participação direta e indireta da própria população. Precisa-se muito mais do que isso, todavia, já é um bom começo para vermos índices criminais diminuírem paulatinamente.


Saulo Barbosa Santiago dos Santos – Professor de Filosofia, guarda civil  e autista.

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

1 Comentário

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  1. A desonestidade intelectual só não é pior que a panfletagem ideológica e partidária, para a continuidade do Projeto das Elites do Estado Ditatorial Caudilhista Absolutista Assassino Esquerdopata Fascista. Mas temos que dar os parabéns. A Indústria da Miséria, do Atraso, do Cabresto, do Racismo, da Burocratização, dos Desnacionalização, do Analfabetismo conseguiu prosperar por quase 1 século. Cabeça então trona-se em rabo. Pária da Humanidade. Anão Diplomático. Terceiro Mundo. Entendemos o apoio explicito à Nicarágua, Cuba ou Venezuela. O lobo perde o pelo mas não o vício. A Vontade Direta e Soberana do Povo Brasileiro é detalhe. Afinal Democracia é “apenas” uma ilusão pequeno-burguesa, não é mesmo? Entendemos porque CC ou GGN já dá palanque ao Criminoso Michel Temer (“mantenha tudo como está”. 500 mil semanais como extorsão às Empresas e Empregos genuinamente Brasileiros. “Rocha Loures e sua ‘corridinha’ até o táxi” foi invenção de Sérgio Moro, que já atacamos ferozmente). Parabéns pela doutrinação para a perpetuação do Brasil, que sem poder se defender, construiu sua História como Latrina da Humanidade. 91 anos de projeto de longa duração.

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