Julian Assange ameaçado
por Walnice Nogueira Galvão
Um grupo de ex-ministros e defensores de direitos humanos alerta: Julian Assange está em perigo. E anuncia a criação do Comitê pela Liberdade de Julian Assange, em São Paulo.
A Grã-Bretanha, onde ele se encontra detido, mais uma vez mostra como é servil aos Estados Unidos. Tem cedido a todo tipo de futrica jurídica para prejudicar o réu. E agora o ameaça com extradição para aquele país, onde o aguarda uma acusação sob a égide da Lei da Espionagem, tendo no horizonte uma somatória de penas de mais de 100 anos.
E o que ele fez de tão grave, para estar nessa situação, há tantos anos asilado na embaixada do Equador? Apenas fundou o Wikileaks, o maior fórum de denúncias contra os crimes dos Estados e das agências de segurança. Como aqui no Brasil fomos vítimas do terror da ditadura, deveríamos ser sensíveis à defesa das liberdades democráticas. E a informação é uma delas. Não fosse o Wikileaks, nunca teria havido a Vaza Jato, que desmoralizou as falcatruas da Lava Jato.
Uma robusta tradição de desobediência civil norteamericana consiste no vazamento de informações confidenciais (e ilegais) que o Estado moderno armazena para usar contra seus cidadãos. O fito é enganá-los, manipulá-los, forçá-los a fazer o que os prejudica, levá-los ao suicídio se necessário. O australiano Julian Assange tem dignos precursores em seu país de adoção.
Como os Estados Unidos são a mais poderosa nação do planeta, nada mais natural que seja lá que faça sentido operar tais vazamentos. Um dos casos mais notórios é o de Daniel Ellsberg, cujas credenciais são impecáveis: economista por Harvard e marine com estágio no Vietnã. Foi ele o pivô do grave incidente que ficou conhecido como “Os papeis do Pentágono”. Este analista militar da Rand Corporation fez um trabalho no Pentágono em 1971, durante a Guerra do Vietnã, e começou a ficar, primeiro espantado e depois indignado com a discrepância entre o que o governo dizia e as estatísticas que lhe vinham às mãos. Enquanto o governo afirmava desacelerar o esforço bélico para concluir a guerra apesar das vitórias, os dados mostravam que, ao contrário, empenhava-se numa escalada, investindo recursos cada vez maiores para camuflar as derrotas. Em vez de pôr fim ao conflito, portanto, preparava-se uma hecatombe crescente.
Ellsberg copiou clandestinamente 7 mil documentos, procurou contato com um dos jornais mais importantes e mais sérios do país, o New York Times, e começou a contar a história. Antes, assediou parlamentares que eram notoriamente contra a guerra, como o senador Fullbright, mas foi repelido. .
O New York Times começou a publicar os documentos em série. O governo sustou a publicação. O jornal apelou para a Suprema Corte, que lhe deu ganho de causa.
Descoberto, Ellsberg foi acusado de traição sob o Ato de Espionagem e julgado como réu de uma pena de 115 anos. Mas, à medida que o julgamento prosseguia, os desmandos do governo, com provas sujas obtidas inclusive por escuta ilegal do FBI, foram surgindo. E ele acabou por ser absolvido, para alegria de seus fãs no mundo inteiro, a essa altura constituindo uma torcida atenta à justiça do processo.
Assim como Assange e também Snowden estão ligados aos vazamentos que mostram como os órgãos de segurança norteamericanos espionam os cidadãos, Ellsberg tornou-se conhecido como aquele que revelou os papéis secretos do Pentágono, precipitando o fim da Guerra do Vietnã.
Os três são representantes de uma corrente subterrânea libertária que flui quase invisível sob a carapaça de uma dúbia democracia.
A linhagem da desobediência civil é extraordinária e merece respeito, vindo desde a Underground Railroad que contrabandeava escravos para a liberdade, num total estimado de 100 mil que assim foram salvos. A forca aguardava esses beneméritos cidadãos, quando descobertos. Foi o caso de John Brown e seu grupo na Virginia, todos enforcados após processo, apesar dos protestos vindos do mundo inteiro. Até Victor Hugo mandou uma carta ao presidente, pedindo clemência. Em vão.
Quando eram mais necessários, os ativistas dos direitos humanos não fugiram ao desafio que a História lhes lançou. E agora é Julian Assange quem corre risco iminente.
Walnice Nogueira Galvão é Professora Emérita da FFLCH-USP
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