Lula entre a negociação e a dura trilha da vida real, por J. Carlos de Assis

Lula entre a negociação e a dura trilha da vida real

por J. Carlos de Assis

A afirmação da senadora  Gleisi Hoffman, presidente do PT, de que Lula é um “negociador” e não deve atemorizar Wall Street obriga a um tipo de reflexão com que a sociedade brasileira não está acostumada. Estamos costumados, sim, a atacar o sistema financeiro como um instrumento de escravização do povo. Mas não estamos acostumados a refletir sobre o funcionamento específico desse instrumento, na verdade uma rede mundial de relações financeiras que penetra por todas as gretas e buracos no conjunto da sociedade.

Há um consenso generalizado entre progressistas de que é preciso reformar o sistema  financeiro. Sua distorção mais significativa são as taxas de juros básicas (Selic), que remuneram os titulares da dívida pública, e as taxas de aplicação, que incidem sobre as operações de crédito para o povo. Ambas as taxas são uma forma  descarada de transferir renda de pobres e remediados para ricos num processo escandaloso de escravização da sociedade brasileira. Aceitar essa arquitetura financeira  é trair o povo, com ou sem negociação.

Contudo, o desafio de baixar as taxas de juros, básicas e de aplicação, é bem maior do que pensam os não especialistas. Simplesmente baixar a Selic na marra pode resultar em chantagem do mercado contra o BC, puxado pelos dealers (12 bancos e duas financeiras que partilham com o BC a gerência da política monetária). Se um novo Governo quiser forçar a redução  da Selic  e das taxas de aplicação terá que recorrer, como primeira providência, a  uma expansão de moeda na economia, colocando-a à disposição dos bancos comerciais, sobretudo do Banco do Brasil e da Caixa.

A desculpa que o BC tinha para não fazer isso era a inflação. Colocar mais dinheiro na economia numa situação de inflação alta significava, teoricamente, colocar mais lenha na fogueira inflacionária. O problema com  essa política, traduzida em redução deliberada da quantidade de moeda na economia em face de uma ameaça de inflação monetária, é que reduz as disponibilidades de dinheiro para todos os negócios forçando uma contração na produção e no comércio, e generalizando o desemprego.  

A isso se chama monetarismo, e foi a doutrina central do neoliberalismo  de Milton Friedman e Hayek nos anos 80 e 90. Friedman morreu, renegou parte de sua teoria mas a notícia a respeito ainda não chegou ao BC brasileiro. Em essência, o BC não reconhece nenhum outro fator relevante de pressão inflacionária  a não ser a expansão monetária. Em conseqüência, ele retrai a expansão monetária vendendo títulos públicos aos dealers, e estes aos bancos, com a desculpa de controlar a inflação. São bilhões de reais retirados do mercado para supostamente evitar a inflação.

Diante disso, a primeira providência que teria de ser tomada para baixar as taxas de juros, quebrando a espinha da indecente arquitetura financeira brasileira, era expandir a moeda e o crédito. É curioso que os bancos repelem uma política que colocaria mais dinheiro a sua disposição para emprestar, e que lhes permitiria usufruir da chamada receita de senhoriagem. É que, no over, com a Selic, ganham muito mais.  Em 1916 foram mais de 500 bilhões de reais; no ano passado, mais de 400 bilhões, estrangulando o orçamento público.

O próprio gerenciamento da dívida pública conduz a uma recorrente retração da economia forçando para cima as taxas de juros. Na medida em que faz superávit primário para pagar juros da dívida pública, o Governo está retirando dinheiro do mercado real para dar aos banqueiros. Estes não devolvem dinheiro à economia porque os receptadores dos juros não tem qualquer interesse em investimentos reais, mas apenas em continuar especulando no mercado financeiro.

Isso implica que, na recessão, como ocorreu em outras economias que superaram crises graves, em lugar de superávit primário o Governo deveria fazer déficit primário, para dar mais dinheiro à economia do que retira dela. E se a inflação está baixa, é hora de expandir a moeda para forçar a baixa da taxa de juros, como tem feito todos os bancos centrais responsáveis em todo o mundo, da Europa à China.

E quanto a Wall Street, o que se pode dizer dela? Ora, as taxas de juros básicas e de empréstimos nos Estados Unidos são extremamente baixas. O que reclamar? Há, sim, um problema. Um mercado extremamente especulativo,  volátil, empurrando toda a economia para a financeirização e crises cíclicas.

Contudo, no estágio econômico em que estamos, Wall Street não tem nada a temer de Lula, exceto quanto à possível solidariedade dela ao indecente mercado virtual da Avenida Paulista. Em relação a isso, devemos esperar a carta de Lula que a senadora Gleisi anunciou ao povo brasileiro.

 
Redação

8 Comentários

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  1. As debutantes, os cadetes e Márcio Moreira Alves….

    Há sinais quase que imperceptíveis bailando no ar, como naquela famosa cena do ótimo filme estrelado pelo agora banido Kevin Spacey (American Beauty), onde um dos protagonistas mostra a sua namorada uma gravação que fez de uma sacola plástica ao vento, antes de uma nevasca…

    O garoto fala da beleza aleatória e da “eletricidade do ar”…

    O filme, muito bom por sinal, tenta nos vender a ideia de que apesar das coisas terem causas e efeitos, tudo isso está suspenso pela precariedade (ou aleatoriedade) e pela inevitabilidade do fim…

    Mas e enquanto não morremos?

    A película propõe um seja feliz e fodam-se os outros, e não há como deixar de ver uma (auto) censura típica do diretor nas consequências da mudança de vida da personagem central (Lester Burnham, vivido por Spacey), que arrasta tudo ao seu redor, até o interesse juvenil e sexualmente precoce (e massificado ou banalizado) de uma amiga de sua filha…

    É essa a armadilha que vivemos hoje…

    E dela não escapou nem o nosso grande líder, pelo menos o único grande líder que tive a sorte de ser contemporâneo (ah, teve o Brizola também)…

    Lula está preso, e faz tempo…

    Ficou preso no processo chamado ação 470, e de lá nunca mais saiu…

    Achou que cabia ao se papel de estadista respeitar um judiciário que não respeita ninguém (talvez nem a ele mesmo, judiciário)…

    Entregou Zé Dirceu às hienas, imaginando que as satisfaria…não foi suficiente, e nunca será…

    Tudo bem, errar é humano, e apesar das “provas em contrário”, Lula é humano…

     

    Vamos aos dias atuais, depois da nossa primavera de 2013, que alguns ainda insistem (santo zeus) em creditar (ou debitar) na conta dos insucessos do PT ou de Dilma…(não posso deixar de rir)…

    André Araújo, em outro post, narrou com maestria: São os fluxos e contra-fluxos do capital, construídos a base de uma gigantesca assimetria (chamada antes de divisão internacional do trabalho, mas que na verdade, era a divisão internacional da riqueza gerada pelo trabalho) que anda farejando a presa, mais uma vez…

    Por aqui, depois de muito insistirem na tese da polarização (morderam a isca), entenderam que a polarização como apresentada só tinha a intenção de equiparar um discurso de ódio calculado (os bolsopatas) com o pálido esforço das forças de centro-esquerda em se reconstruírem…

    Estamos dentro da armadilha…como areia movediça…

    Perdemos a narrativa do golpe desde o começo…

    Primeiro, quando até setores “progressistas”, como esse influente blog, passaram boa parte do tempo tentando dizer que se Dilma caiu, e o PT junto, a culpa era deles, e que uma auto-crítica era necessária…

    Vejam bem, auto-críticas são sempre necessárias, mas exigir tal ação em meio a um golpe é mais ou menos (ou é igual mesmo) como exigir que as vítimas de estupro evitem “más companhias” ou “roupas ousadas”…

    E aí tivemos aqui (como quase em toda a chamada esquerda) uma outra falsa polêmica: 

    De um lado os auto-críticos e céticos, que diziam que sem a “reforma” do PT e seus métodos a esquerda não avançaria, quando na verdade esse setor só queria aumentar a percepção do desgaste do PT (e de Lula) para angariar as migalhas de legitimdade…

    De outro, os que defendem que a eleição de Lula em 2018 nos redimirá, não de nossos pecados, mas os pecados alheios (como se isso fosse possível)…

    Disputam, cada lado, a categoria de relógio quebrado, ou o troféu distopia teleológica:

    Uns dizem: Viu, deram o golpe, a culpa é do PT! Outros dizem: Viu, deram o golpe, mas pode ficar pior!

    Depois caímos na narrativa de 2018, como se eleições encerrassem todas as nuanças da luta política e o conflito de classes inerente a ela…

    E como escapar da “polarização”, ainda que a denunciemos por “falsa”?

    Nós já aceitamos a “polarização” quando sequer debatemos a possibilidade de que essa eleição seja uma farsa…E ficamos com a pior “polarização”, a que só tem um “pólo”…

    A direita não quer só um candidato de “centro”, ela quer que a eleição em si fique no centro de seu alcance, ou seja, sem nomes para apresentar, vai atrair o candidato para esse campo…

    Há terra fértil para isso…

    Se o editor do blog se desse ao trabalho de pesquisar em seu acervo de posts e comentários, verá que os “setores” mais “equilibrados” (que piada) reagem a qualquer debate fora dos limites do Lula 2018 como “provocação” ou “um pretexto para que os golpistas endureçam”…

    Quanta tolice…quem dera que pudéssemos ter uma mera ilusão de que qualquer ato ou discurso mais inflamado pudesse precipitar algo que já não estivesse definido pelos donos do capital…(novamente dou risadas)….

    O que está em curso, tanto aqui, como nas pocilgas como veja e que tais, é a desconstrução da campanha eleitoral como plataforma para qualquer debate mais acirrado sobre responsabilização e reversão dos efeitos do golpe, mudança dos paradigmas do judiciário e da mídia…

    Só que aqui os “selvagens” comem de garfo e faca…só isso…

    Agora, lemos por aqui uma plêiade de posts com os “anciãos” do PT pregando uma saída “negociada”…

    O valente e honestíssimo juiz Aragão, mesmo que em um ótimo texto, chamou para que a direita entenda que só uma saída existe, e ela atende por Lula…quando seria melhor dar aneis para poupar dedos…

    Só que a História ensina que a elite não faz acordos, porque nunca aceita perder nada….e fazer acordo é ceder…

    Eu não me oponho a acordos, mas como acordar com quem não quer dar nada em troca?

    Por que um partido, um país, um presidente, uma presidenta têm a obrigação de negociar uma saída para um crime que eles forma vítimas…?

    O que, raios que nos partam, Lula, PT, Dilma, e nós, esse estranho monstrengo híbrido que se chama de povo, têm para ceder? 

    Onde devemos ceder mais?

    Havia, desde 2002, uma tímida, pálida e inconsistente tentativa de reformar esse capitalismo perfiférico, esse bordel de entra e sai de dinheiro, cafetinado por juros pornográficos, alimentado pela venda de patrimônios estatais que fariam corar de vergonha as meninas da Vila Mimosa…

    Não houve um abalo no oligopólio da mídia…

    Sequer uma mãozinha de tinta no judiciário e nas milícias policiais estaduais e seus coroneis-governadores…Seguimos matando pretos e pobres como nunca…

    Só aumentamos um pouquinho o gasto social per capita, a renda real dos mais pobres, bolamos algumas políticas públicas para resgate histórico de demandas reprimidas, colocando pretos nas salas de aulas das Universidades para assitirem aulas, e não para limpá-las, como sempre…

    Abrimos as pernas para os chamados grandes eventos (outra frente da sanha acumulatória rentista), subvertendo até nossos estamentos para a “ordem global” dos jogos e seus licenciados…

    Tivemos a ingenuidade de tentar aumentar a capacidade da Petrobrás, e reverter parte da renda do petróleo para a rede social de amparo…

    Achamos que alguns empresários estavam ssatisfeitos, e descobrimos depois que mesmo largamente beneficiados com o projeto de criar empresas capitalistas dignas desse nome, com inserção mundial, os imbecis estavam bancando os golpistas…

    Como a saga do escorpião e o sapo…

    Então, pergunto novamente, nós vamos negociar o quê mesmo?

    É o refém negociando o próprio resgate…os manuais policiais ensinam que isso não dá certo…

     

    Será que podemos considerar uma qualidade a de “negociador” quando o negociador coloca a negociação acima de qualquer ideia de resultado diferente se resolvesse não negociar?

    O golpe dentro do golpe, o sequestro dentro do sequestro…

    E não adianta reclamar do Márcio, dos cadetes enfurecidos pelo proposto boicote das debutantes…

    A música desse baile já estava escolhida faz tempo…

     

     

  2. O sequestro…ou 1984 de Orwell…

    Lula é um refém negociando seu próprio resgate quando os sequestradores nunca prendem soltá-lo, e pior: fazem questão de que a vítima siga que não há sequestro…

    Como no filme, querem que enxerguem seis dedos onde há cinco, e ironia macabra, no caso dele só tem quatro…

  3. Leio tanto e há tanto tempo

    Leio tanto e há tanto tempo as publicações progressistas, de esquerda, cor de rosa, que estou ficando pançudo. Chegou o momento de me afastar um pouco do notebook mas, antes, queria entender por que temos reservas milionárias rendendo como conta de poupança e, pior, depositadas em um “banco” não muito confiável e inteiramente incobrável, enquanto estamos encalacrados aqui dentro pagando juros de cheque especial. Por favor, alguém me explique isso (para mim, um paradoxo) para que eu possa começar a cuidar de minha saúde. Imensamente grato, desde já.

  4. Outro pensamento tolo…

    Quando um negociador entende que não há outra possibilidade que não seja a negociação, então não existe negociação alguma em andamento…

  5. Questionamento!

    Se outro caminho é possível? Eu acho que não tem, pois Lulla, se estiver solto, deverá lidar ou lutar, contra o judiciário, o legislativo, as greves (apoiadas pela midia), o mercado (apoiado pela midia) e o povo (induzido pela midia). Teremos um cenário político extremamente instável. O único caminho possível para que os anseios progressitas se realizem, será se as forças à esquerda façam a maioria no Congresso. Esse sim pode ser o sinal da virada. 

    Entretanto, isso, passa ser muito dificil, pois o eleitor não vê diferença entre esquerda e direita. Para o eleitor todos os politicos são iguais. 

     

     

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