
Milton Santos, Florestan Fernandes e a FALHA de São Paulo
por Paulo Fernandes Silveira
A FALHA de São Paulo, como se referiu, anos atrás, Caetano Veloso sobre o jornal a Folha de São Paulo, praticou um novo absurdo. No último dia 19, antecipando as comemorações do dia da Consciência Negra, o jornal republicou um artigo do geógrafo Milton Santos sobre o racismo no Brasil. Nesse texto, há uma passagem na qual o geógrafo se refere a Florestan Fernandes:
“No caso do Brasil, a marca predominante é a ambivalência com que a sociedade branca dominante reage, quando o tema é a existência, no país, de um problema negro. Esse equívoco pode ser resumido no pensamento de autores como Florestan Fernandes, para quem feio não é ter preconceito de cor, mas manifestá-lo.” (Folha de São Paulo, 19/11/2021, p. A11).
Na versão original do texto, publicada em 2000, o professor Milton Santos afirma outra coisa:
“No caso do Brasil, a marca predominante é a ambivalência com que a sociedade branca dominante reage, quando o tema é a existência, no país, de um problema negro. Essa equivocação é, também, duplicidade e pode ser resumida no pensamento de autores como Florestan Fernandes e Octavio Ianni, para quem, entre nós, feio não é ter preconceito de cor, mas manifestá-lo.” (Folha de São Paulo, 07/05/2000).
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs0705200007.htm
Na ARBITRÁRIA reformulação do texto de Milton Santos, além do nome do sociólogo Octávio Ianni ser omitido, fica destacado que a ambivalência quanto ao racismo refere-se à obra de Florestan Fernandes, e não ao racismo no Brasil, indicado pelo “entre nós”, como bem percebeu a economista Ana Cristina Fernandes Tromboni, neta de Florestan.
Essa mesma posição de Milton Santos sobre essa contribuição de Florestan e Ianni já aparecia numa palestra do geógrafo, proferida em 1999, na Faculdade de Serviço Social da UERJ, na qual recebeu o título de Doutor Honoris Causa:
“O professor Florestan Fernandes e o professor Otavio Ianni, escreveram ambos que o brasileiros, de um modo geral, não têm vergonha de serem racistas, mas têm vergonha de dizer que são racistas. E acho que isso é algo permanente das relações inter-étnicas no Brasil e que traz como consequência a dificuldade de aproximação da questão e da análise, inclusive pelos próprios negros, que podem se deixar possuir por uma forma de reação puramente emocional diante da questão, diante do problema, quando é necessário buscar, analisar, a condição do negro dentro da formação social brasileira.” (Geledés, 01/03/2016). https://www.geledes.org.br/como-e-ser-negro-no-brasil…/
Nessa passagem, fica claro que Milton Santos não faz uma crítica às obras de Florestan e Ianni, mas, ao contrário, corrobora com suas análises sobre a ambiguidade do racismo no Brasil.
Após a queixa formal da família de Florestan, a Folha corrigiu uma das versões do texto disponíveis na internet, sem indicar qualquer erro do jornal. Todavia, tanto a versão impressa quanto a primeira versão digital adulteraram a posição do professor Milton Santos, que sempre manifestou seu respeito pelas ideias e pelo engajamento de Florestan Fernandes e de Octavio Ianni contra o racismo.
Caetano Veloso chamou o jornal de a Falha de São Paulo depois de uma crítica repleta de equívocos técnicos a um dos seus discos. No caso da republicação do texto de Milton Santos, não se trata, apenas, de um equívoco, mas de uma adulteração grave das ideias do geógrafo a respeito da obra de Florestan Fernandes.
Em homenagem ao professor Milton Santos, segue a referência da gravação completa da palestra sobre “O que é ser negro no Brasil”.
http://www.cte.uerj.br/videoteca-cte/memoria-uerj-milton-santos/
Paulo Fernandes Silveira (FE-USP e IEA-USP)
Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN
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Paulo Fernandes Silveira,
Muito relevante a repercussão desse erro. E caberia um idenização elevada tanto por parte da família de Florestan Fernandes, pois se atribui a ele uma ideia que ele não expressou e da família de Milton Santos, pois atribui a ele um julgamento equivocado sobre Florestan Fernandes.
A Folha de S. Paulo não deveria ficar impune a esse erro. Uma fake news que ao ser corrigida precisava constar que foi feita correção em texto transcrito com erro. Aliás, é de se perguntar se o erro não foi consciente para se criar um ponto de discussão e chamar atenção na mídia. Afinal a transcrição de um texto não leva a erros desse tipo.
Clever Mendes de Oliveira
BH, 22/11/2021
Prezado Cleber Mendes de Oliveira,
muito obrigado pelo apoio e pela sugestão.
Já levei para minha família, vou procurar
a família e os amigos de Milton Santos.
O ideal seria que o jornal não pudesse mais
republicar os textos deles.
Um abraço,
Paulo
Parabéns, Paulo, pelo artigo, fazendo justiça ao que foi (sabiamente) dito, contra o que foi erradamente atribuído (e de propósito). E obrigado pelo link do grande Milton Santos.
Forte abraço,
Bruno Bontempi.
Caro Bruno, muito obrigado!
Salvem os grandes Milton Santos, Florestan Fernandes e Octavio Ianni,
Forte abraço,
Paulo
De falha em falha a Folha torna-se FALHA DE SÃO JOÃO de verdade….
Parabéns Paulo pelo seu precioso texto. Inacreditável o que a Folha é capaz de produzir. Agradeço como geografa e colega e amiga de Milton Santos e Octavio Ianni seu apontamento cobrando precisão na transcrição e dando um puxão de orelhas na Falha de São Paulo. Quanto a Florestan, Milton foi seu leitor e admirador contumaz. Pena que nos deixou tão cedo e nao pudemos te-lo conosco na USP para se juntar ao nosso grupi de reflexão com Milton, Iani, Lucrecia Ferrara, Renato Ortiz e eu, todo mês! Muito obrigada a vc e ai GGN. Abraço!
Boa tarde Maria Adélia, muito obrigado pelo comentário.
A Folha fez uma retratação hoje e republicou o importantíssimo
texto de Milton Santos sem os cortes.
O texto antecipa questões fundamentais
e nos convoca para a práxis,
nada mais vivo!
O GGN, em especial, a querida Lourdes Nassif,
está sempre pronta para as boas batalhas!
Um grande abraço!